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'Impeachment não é a resposta mais adequada para momento que o País vive', diz Trabuco, do Bradesco

Presidente do Conselho de Administração do banco defende que o governo faça o seu "dever de casa" e construa um diálogo construtivo com o Legislativo para destravar a agenda de reformas

Foto do author Aline Bronzati
Por Aline Bronzati (Broadcast)
Atualização:

O fim do auxílio emergencial e a falta de vacinas no Brasil agrava a insatisfação da sociedade, mas o impeachment do presidente Jair Bolsonaro não é a resposta "mais adequada" para o País superar o momento desafiador que enfrenta, segundo o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi. A prioridade deve ser, segundo ele, a imunização em massa e a retomada da economia. Para isso, defende que o governo faça o seu "dever de casa" e construa um diálogo construtivo com o Legislativo para destravar a agenda de reformas, independentemente do resultado das eleições no Congresso.

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Trabuco vê a compra de vacinas pela iniciativa privada como uma "questão complexa". E alerta: deve se "evitar o clima de cada um por si". "Numa situação de escassez, a vacinação privada é exclusivista. É uma forma de darwinismo social, que empurra os mais vulneráveis para o fim da fila", diz.

Presidente do Conselho de Administração do Bradesco há quase 3 anos, ele compareceu ao Fórum de Davos nos últimos dez anos - antes como CEO do banco. Nesta edição, que acontece no formato virtual e que, por causa da pandemia, não pode reunir a nata política e econômica do mundo nos Alpes suíços, Trabuco já vê sinais de boa vontade dos investidores com o Brasil, após perderem a confiança no País por conta da mudança de rota na questão ambiental. 

O presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi. Foto: Hélvio Romero/Estadão - 11/10/2017

O Brasil enfrenta a segunda onda de covid-19 sem ter solucionado a primeira, em uma situação cada vez mais preocupante em termos de endividamento público. Que estrada o País deve trilhar para sair desta crise? 

Já no surgimento da pandemia, ano passado, o comentário dos cientistas era de que esta seria uma crise sem precedentes. Primeiro, por ser um vírus desconhecido e altamente letal. Segundo, por não termos remédios nem vacinas. Terceiro, por ele ser capaz de se replicar sem que seus portadores apresentassem sintomas, dificultando o controle da pandemia. Hoje, o vírus já foi sequenciado, mas ele é mutante e precisa ser mais estudado. Uma boa notícia é que já temos vacinas. Porém, o vírus continua letal e ainda não temos medicamentos eficazes.

Com o início da vacinação, ainda que mais tardia no Brasil, já é possível enxergar a saída da pandemia?

É previsível que a saída da pandemia seja gradual e pode levar até dois anos, em razão das desigualdades econômicas e sociais no mundo, do cansaço das pessoas em acompanhar a rigidez dos protocolos de distanciamento, além da limitada capacidade instalada para produção de vacinas a 8 bilhões de pessoas. O problema central é que, nessa trajetória, vamos perder milhões de vidas e dinamismo econômico. Mas não podemos nos vitimizar, podemos superar esse tempo de adversidades. A pandemia nos revelou uma realidade social mais grave do que imaginávamos. Para se ter uma ideia, mais de 2,5 milhões de pessoas receberam o auxílio emergencial na capital paulista. Na capital do Rio, foram cerca de 1,6 milhão de beneficiados. O total chegou a 56 milhões de pessoas em todo o País. Eram pessoas que ficaram sem nenhuma renda em função da pandemia, que destruiu empregos e empreendimentos na economia formal e informal. O aumento da dívida pública foi exponencial. Isso dá a ideia do tamanho do problema que vamos ter de resolver.

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Qual a solução?

A solução exige simultaneamente austeridade e altruísmo. Precisamos gastar o mínimo necessário para conter o endividamento público e, ao mesmo tempo, solidariamente, garantir a sobrevivência dessas pessoas mais vulneráveis. Isso não se consegue sem políticas públicas, colaboração do setor privado por meio da filantropia, e mobilização da sociedade em ações de voluntariado. A retomada econômica é viável e está acontecendo. É o momento de transformar a esperança, uma energia positiva, em iniciativas concretas para mitigar os efeitos da pandemia e reconstruir a economia. 

Qual a sua percepção sobre a possibilidade de um impeachment do presidente Jair Bolsonaro e os reflexos para o País?

O impeachment tem como pressuposto o julgamento político na esfera do Congresso Nacional. Não me parece que estejamos num cenário de crise de governabilidade. A insatisfação da sociedade num contexto de pandemia é um fenômeno natural, agravado pelo fim do auxílio emergencial e a falta de vacinas. O impeachment não é a resposta mais adequada para a superação do momento desafiador que vivemos. A prioridade deve ser o esforço coletivo pela vacinação em massa da população e a retomada da economia para a criação dos milhões de empregos perdidos na pandemia.

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Discute-se uma nova rodada do auxílio emergencial. Qual a sua opinião sobre a extensão do benefício, considerando a atual situação da dívida pública brasileira?

A questão do auxílio emergencial é humanitária, em primeiro lugar. Porém, exige capacidade para o seu financiamento pelo impacto na dívida pública. Será muito difícil, com a prorrogação do auxílio, administrar as contas públicas, o teto de gastos, sem encontrar uma nova fonte de arrecadação. No momento, esse é o maior dilema da política econômica. É preciso que o governo faça o dever de casa, eliminando gastos desnecessários no setor público, focando nas reformas administrativa, patrimonial e tributária.

O sr. acredita no andamento das reformas com o novo Congresso? O que o preocupa e quais devem ser as prioridades?

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A experiência mostra que as reformas só são aprovadas no Congresso quando há convergência de três fatores: clareza das propostas, empenho governamental e apoio da opinião pública. Isso pressupõe um esforço conjunto do Executivo e das lideranças do Legislativo, além de um amplo debate na sociedade a partir dos meios de comunicação. As redes sociais tendem a polarizar esse debate de forma superficial, o que aumenta a importância da participação pública de especialistas, líderes empresariais e representantes da sociedade. O importante é ter um rumo e persistência na caminhada. Qualquer que seja o resultado da eleição das mesas da Câmara e do Senado, será preciso diálogo construtivo entre Executivo e Legislativo para que as reformas avancem.

O Bradesco se aliou aos seus rivais Itaú e Santander na pandemia. Agora, o governo autorizou empresas privadas a comprarem vacinas. O banco deve atuar nessa direção também?

Essa é uma questão complexa. A pandemia revelou que a saúde pública continua sendo uma condição básica para o desenvolvimento das atividades econômicas. Portanto, não adianta limitar a vacina a fatias de privilegiados da população. Para erradicar uma pandemia como essa, é necessária a vacinação em massa a partir do sistema público de saúde. Os países que não têm sistema público de saúde estão enfrentando dificuldades para chegar a todos, mesmo tendo mais acesso ao suprimento de vacinas e centros de excelência de saúde e epidemiologia. Numa situação de escassez, a vacinação privada é exclusivista. É uma forma de darwinismo social, que empurra os mais vulneráveis para o fim da fila. É preciso pensar no bem comum, na fraternidade e cooperação para construirmos um ambiente de recuperação organizada da economia. Seria recomendável evitar o clima de cada um por si.

Outra frente de atuação conjunta foi em relação à Amazônia, um dos temas do Fórum Econômico Mundial, que vem chamando a atenção para a agenda ESG. Quanto avançou essa iniciativa? Já há financiamentos para a cadeia produtiva da Amazônia em andamento?

Há duas questões a serem consideradas em relação à Amazônia. Uma, é a sua importância do ponto de vista ambiental, que tem uma dimensão global. Não é um problema só do Brasil. Abarca outros países amazônicos e desperta interesse de toda a opinião pública mundial, não apenas de governos. O segundo ponto é o econômico. O desenvolvimento da Amazônia pressupõe uma estratégia voltada para a nova economia, a partir da sua biodiversidade. A velha economia de exploração dos recursos naturais de forma predatória está condenada. Desse cenário decorre a convergência de interesses econômicos e governamentais para dar um tratamento mais adequado para a Amazônia, sob o ponto de vista econômico e ambiental. O centro da agenda dos investimentos e financiamentos nas atividades sustentáveis da Amazônia parte do princípio de que é importante manter a floresta em pé. Vem daí o seu potencial de desenvolvimento na produção de alimentos e fármacos. O processo está bem encaminhado, dentro do que foi planejado pelos bancos.

Como as políticas ambientais do Brasil, incluindo a proteção à Amazônia, têm sido percebidas pelos estrangeiros no contexto do Fórum de Davos?

O mundo observa a Amazônia com lentes de aumento. É um tema que se discute há vários anos no Fórum de Davos. O problema é que o Brasil emitiu mensagens muito contraditórias em relação à forma de tratamento dado à questão ambiental. Tínhamos políticas que serviam de exemplo e geravam muita confiança nos investidores, apesar dos problemas existentes. A impressão de que houve uma mudança de rota gerou perplexidade, inibindo os investimentos na preservação e atividades sustentáveis na região. Restabelecer esse quadro é fundamental para resgatar a confiança dos investidores, a partir de ações e de comunicação. É o que estamos procurando fazer e os sinais de boa vontade (dos participantes do Fórum) já são perceptíveis nesta edição de Davos.

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A pandemia acelerou os negócios digitais. Bill Gates disse, em 1994, que o mundo precisa de serviços financeiros, mas não de bancos. Como o Bradesco vê e se prepara para essa realidade?

Nós precisamos sempre lidar com a realidade. Principalmente diante de problemas complexos, recomenda-se agir com objetividade, paciência e serenidade. Somos persistentes e estamos nesse mercado bancário há 78 anos. Pudemos evoluir quando focamos em inovação e busca da modernidade. É o que vivenciamos nesse momento: uma jornada de busca permanente de novas formas de relacionamento e negócios que sejam convenientes para os clientes. Isso envolve a raiz do negócio bancário, que é formado por pessoas, tecnologia e risco. Apenas para lembrar, o livro do Bill Gates nos citou honrosamente como exemplo de empresa 'na velocidade do pensamento'.

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