Rio

Paes descarta carnaval no meio do ano: 'Algo impossível de se fazer neste momento'

Em rede social, prefeito diz que festa poderá ser comemorada em 2022 com todos vacinados; neste cenário, Beija-flor fala em demitir 'basicamente todo mundo'
Desfile da Viradouro, campeã em 2020 Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo
Desfile da Viradouro, campeã em 2020 Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

RIO — Em suas redes sociais, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, descartou a possibilidade de o carnaval deste ano ser comemorado em julho , como era aventado por algumas escolas de samba. Para o prefeito,  "parece sem qualquer sentido imaginar a essa altura que teremos condições de realizar o carnaval em julho. Essa celebração exige uma grande preparação por parte dos órgãos públicos e das agremiações e instituições ligadas ao samba".

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"Nunca escondi minha paixão pelo carnaval e a visão clara que tenho da importância econômica dessa manifestação cultural para nossa cidade. No entanto, me parece sem qualquer sentido imaginar a essa altura que teremos condições de realizar o carnaval em julho. Essa celebração exige uma grande preparação por parte dos órgãos públicos e das agremiações e instituições ligadas ao samba. Algo impossível de se fazer nesse momento. Dessa forma, gostaria de informar que não teremos carnaval no meio do ano em 2021", escreveu Paes.

O prefeito ainda fez votos para que a festa ocorra em 2022 com a população vacinada contra a Covid-19:

"Certamente em 2022 poderemos (todos devidamente vacinados) celebrar a vida e nossa cultura com toda a intensidade que merecemos".

Após o anúncio sobre a suspensão, o prefeito usou novamente seus perfis no início desta tarde e afirmou ter solicitado a preparação de editais que possam dar suporte aos trabalhadores envolvidos no carnaval, para que tenham uma forma de sustento para este ano, com a suspensão da festa.

Na mensagem, acompanhada pela letra da música "Pra tudo se acabar na quarta-feira", de Martinho da Vila, Paes escreveu: "Já determinei que a Riotur e a Secretaria municipal de Cultura trabalhem na preparação de editais a fim de permitir que os fazedores dessa grande festa e celebração cultural  tenham alguma forma de sustento ao longo de 2021".

'Entendemos e apoiamos', diz presidente da Liesa

A Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), que organiza o carnaval, já havia sorteado a ordem dos desfiles, divulgado alguns dos enredos e, também, definido as datas dos desfiles (11 e 12 de julho, e 17 de julho as campeãs). Após o anúncio feito por Paes, o presidente da Liga, Jorge Castanheira, afirmou ao GLOBO que apoia a decisão do prefeito, e destacou que a organização já trabalhava com esta possibilidade.

– A Liesa apoia, porque entendemos que o prefeito toma esta decisão baseado nas informações que ele tem a respeito da situação da pandemia e da operacionalização da vacina. Diante do fato de o quadro ter sido agravado no último mês de janeiro, não há tempo hábil para poder viabilizar para julho ( os desfiles ), e eu entendo e respeito. Estávamos trabalhando com essa expectativa — disse Castanheira.

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O presidente da Liesa lembrou ainda o revés envolvendo a interdição dos barracões da Cidade do Samba, por conta de uma decisão da Justiça, após uma ação movida pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) que mostrava que ali não havia um plano de segurança contra incêndios.

— Já havia um embaraço ainda maior, por conta da interdição da Cidade do Samba, o que atrapalhou ainda mais o nosso cronograma. Entendemos e apoiamos a decisão do prefeito, em comum acordo com a ciência e os órgãos responsáveis. Desde o primeiro momento, nós condicionamos o espetáculo à vacinação da população. Sem segurança, se torna inviável. Estamos em sintonia.

Castanheira reforçou que a prioridade, neste momento, está em preservar vidas. O ano de 2021 entrará para a História como o primeiro em que uma escola de samba não será campeã do carnaval.

— É o primeiro ano que não vamos ter desfile, mas em função de uma causa gravíssima, uma situação desfavorável para todo mundo. Mais importante neste momento é salvar vidas. Não é momento de juntarmos pessoas. Infelizmente, não alcançamos o horizonte melhor que esperávamos, e não conseguimos chegar neste momento tendo vencido as etapas que imaginamos do processo — acrescentou.

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Sobre o apoio às escolas e aos trabalhadores que vivem do carnaval, Jorge Castanheira disse que sentará para conversar com a prefeitura sobre alternativas, mas que, por enquanto, não pode adiantar o que já é discutido.

— Já estive com a Riotur e nós vamos ver o que se pode fazer em relação a todo o processo — concluiu.

Veja a oficial nota da Liesa:

"De acordo com as declarações do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, em suas redes sociais, nesta quinta-feira (21 de janeiro), sobre a não realização dos eventos de carnaval em julho deste ano, a Liesa manifesta seu apoio e compreensão à referida decisão, tendo em vista o aumento geral dos casos de Covid-19 e o atual momento relacionado às incertezas quanto aos prazos de vacinação e imunização da nossa população.

Lembramos, por oportuno, que a realização dos desfiles do Grupo Especial, no mês de julho de 2021, sempre esteve condicionada à liberação das autoridades e também à segurança de todos os envolvidos no nosso espetáculo".

'A Beija-flor vai ter que mandar basicamente todo mundo embora'

A reportagem entrou em contato com algumas das escolas de samba do Grupo Especial. Até o momento, Mocidade, Paraíso do Tuiuti e Portela disseram que não vão se posicionar sobre a decisão do prefeito. O Salgueiro, por sua vez, suspendeu temporariamente as eliminatórias de sambas-enredo da escola e divulgou uma nota, em que reforça ser resistência.

"Tendo em vista o recente anúncio do cancelamento do desfile das escolas de samba para o carnaval 2021, o qual estava previsto para julho deste ano, o GRES Acadêmicos do Salgueiro informa que as eliminatórias de samba para eleição do hino do enredo escolhido para a festa estão, temporariamente, suspensas.

O carnaval é a nossa maior riqueza cultural, evento que atrai turistas de todo o mundo e que aquece a economia do país. Somos e sempre seremos resistência e esperamos que, no tempo mais breve possível, consigamos trazer de volta o sorriso, a alegria e a subsistência de milhares de trabalhadores que hoje dependem da folia para sua sobrevivência".

Já a Beija-flor afirmou que concorda com a decisão de Paes neste momento, mas que, nesse cenário, deverá dispensar praticamente todos os funcionários que hoje prestam serviços para a agremiação.

— A posição do prefeito é corretíssima, faz total sentido. A ideia antes era com base no planejamento que existia para o combate à pandemia, mas infelizmente por conta de briga política ele muda o tempo todo e acaba gerando toda essa incerteza, que fez com que a cidade tivesse que se planejar de novo agora. A escola só não concorda com a forma como a informação chegou, porque nos pega desprevenidos. Nos pega de surpresa. A prefeitura disse que vai ajudar os funcionários, o que é muito importante, mas o dinheiro público não é algo que surge da noite para o dia — disse Gabriel David, filho do presidente de honra, Anízio Abrahão, e conselheiro da escola.

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Gabriel afirmou que é preciso ainda haver uma conversa entre as escolas e a Liesa, mas que a Beija-flor tende a mandar embora quase todo o seu quadro de funcionários.

— Neste cenário que foi colocado hoje, a Beija-Flor vai ter que mandar basicamente todo mundo embora. Não tem como ficar ninguém na escola. Estamos precisando de um posicionamento da Liga (Liesa) para entendermos melhor o que vamos fazer — disse.

O conselheiro afirma que, mesmo com todos os esforços para que a escola se mantivesse de forma independente durante a pandemia, ela chegou ao limite, e precisará contar com parceiros e cotas de patrocínio do carnaval pré-acordadas.

– É fundamental que a prefeitura ajude os trabalhadores, porque essa é a nossa maior preocupação. Entendemos que a saúde é em primeiro lugar, e, na Beija-Flor, em primeiro lugar, são as pessoas. Me deixa muito triste ficar de mãos atadas e depender dos outros. Tentei fazer com que a Beija-Flor conseguisse se manter sozinha durante esse momento difícil, mas não foi possível, mesmo sendo uma escola muito organizada.

Associação de blocos de rua: alívio

Em nota, a Associação de Blocos de Rua do Rio (Sebastiana), disse estar aliviada, e que a posição do prefeito Eduardo Paes vai ao encontro da posição da organização. Para a Sebastiana, só se pode pensar em carnaval no Rio quando houver imunização de toda a população:

"A Sebastiana recebe com alívio e apoia a decisão do prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes de cancelar definitivamente o carnaval de 2021, não considerando inclusive viabilidade na realização da festa em julho.

A decisão do prefeito Eduardo Paes vem ao encontro do posicionamento da Sebastiana anunciado anteriormente, que reitera a não realização dos desfiles dos seus blocos em 2021. O retorno dos blocos às ruas só poderá se dar quando houver vacina e imunização de toda a população, condição essa que assegure a segurança de todos.

Embora saibamos que há uma legião de trabalhadores da cadeia produtiva do carnaval que serão afetados com essa decisão, entendemos também que a cidade não tem condições de organizar e financiar a estrutura necessária para um evento do tamanho do carnaval, considerado uma verdadeira operação de guerra, diante de tantos desafios. Outras prioridades se colocam no sentido de que se possa reerguer o Rio, principalmente no que toca a saúde e o trabalho.

Para nós, o mais importante nesse momento é o cuidado com as pessoas, o controle da pandemia e o respeito à vida e ao luto das famílias. Além disso, iniciar conversas com as secretarias de cultura tanto da prefeitura quanto do estado para que sejam criados editais de emergenciais de ajuda aos trabalhadores do carnaval".

'Carnaval fora de época'

Neste mês, o governador em exercício Cláudio Castro sancionou lei que inclui o carnaval fora de época em todo o estado. Com a medida, o calendário de datas oficiais do Rio de Janeiro será alterado, incluindo o mês de julho em todo ano dentro do projeto intitulado " CarnaRio - Carnaval fora de época ". No entanto, ligas de bloco se manifestaram contra a decisão tomada pelo governo em meio à pandemia de Covid-19. Procurado por meio de sua assessoria, Castro ainda não se pronunciou sobre a decisão de Paes.