Saúde Coronavírus

No ritmo atual, Brasil só conseguirá vacinar 70% da população em 2024

Além de falta de vacina, demora ocorre por burocracia no cadastro da lista de prioridades e por falta de previsibilidade no abastecimento
Idoso é vacinado em posto de saúde de Brasília (DF) Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo
Idoso é vacinado em posto de saúde de Brasília (DF) Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

SÃO PAULO - Se o Brasil mantiver o atual ritmo de vacinação, levará três anos para imunizar 70% da população contra Covid-19. A perspectiva de atingir só em 2024 a cobertura que permite a volta ao “velho normal” é desanimadora, mas há espaço para melhorar o desempenho, dizem cientistas. Além de, evidentemente, avançar na aquisição de vacinas, o Programa Nacional de Imunização (PNI) precisa, pontuam, azeitar sua logística, prejudicada pela escassez dos imunizantes— quanto menos vacinas, mais complexo é organizar a fila de vacinação e suas prioridades.

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Até agora, o Brasil vacinou apenas 1,5% da população. Com problemas similares, outros latino-americanos avançaram ainda menos, casos de Argentina (0,8%), México (0,5%) e Chile (0,4%). Por terem se movimentado antes e comprado mais vacinas, nações ricas como Estados Unidos, Reino Unido, Israel e Emirados Árabes Unidos estão no caminho para chegar aos mágicos 70% ainda em 2021, segundo dados do projeto Our World In Data, da Universidade de Oxford (veja quadro ao lado).

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Um cenário em que nações ricas controlam a Covid-19 dois ou três anos antes das pobres preocupa organismos multilaterais como a Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso levaria ao isolamento dos países em desenvolvimento por restrições de viagem e comércio, potencializando a desigualdade, além do risco de reintrodução do vírus nas regiões que conseguirem debelar surtos.

Apesar de o principal gargalo do plano de vacinação do Brasil ser a falta de vacina disponível, os problemas logísticos e de burocracia também têm um peso razoável. Tanto que, das 10 milhões de doses prontas para distribuição pelo SUS, só 3 milhões foram aplicadas até a última sexta-feira.

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Se contados os 20 dias passados desde o início da campanha de vacinação, o país está vacinando cerca de 165 mil pessoas por dia, ritmo bem aquém da capacidade, diz José Cássio de Moraes, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa-SP:

— O PNI pode vacinar, tranquilamente, 2 milhões de pessoas por dia. E esta é uma estimativa conservadora, levando em conta que só exista um vacinador em cada uma das 40 mil salas de vacinação do país — diz o médico sanitarista, que defende a criação de equipes para auxiliar os cadastros e agilizar o processo.

Para Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a dificuldade de hierarquizar os grupos a serem vacinados — e evitar fura-filas — torna o processo do cadastro mais lento.

— Como não houve definição clara, ficou a critério dos gestores locais — conta Cunha, médico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. — Na capital gaúcha foi instituída uma lista, que levou um certo tempo para sair, indicando “prioridades dentro da prioridade”. Nós, profissionais de saúde, fomos classificados em 12 subgrupos.

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Reserva de doses

Outro motivo para a demora é que alguns estados e municípios estão reservando a segunda dose da vacina para as pessoas que já tomaram a primeira tenham o seu reforço garantido. Há, então, efeito perverso:a escassez agrava a lentidão.

— Como não temos o número de doses correto e elas chegam fracionadas, de pouco em pouco, é preciso controlar — afirma Tânia Chaves, vacinóloga da Universidade Federal do Pará. — Não dá para sair vacinando todo mundo sem garantir a imunização completa, com duas doses.

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Os cientistas ouvidos pela reportagem não quiseram arriscar quando o país pode atingir os 70% da população vacinada, com ou sem uma otimização do PNI. Um relatório da consultoria Economist Intelligence Unit buscou dar essa resposta mapeando compras de vacina mundo afora e analisando a infraestrutura de diversos países.

A empresa inclui o Brasil dentro de um grupo de nações de renda média que conseguiriam vacinar o público não prioritário a partir de setembro deste ano. Isso permitiria ao país ter uma “volta ao normal” no meio de 2022 “caso sejam implementadas restrições”. Ou seja, o cenário otimista requer que as medidas de contenção da pandemia não sejam abandonadas até lá.

O que diz o governo

Procurado, o Ministério da Saúde afirmou em nota já ter garantido 354 milhões de doses de vacina, suficiente para imunizar 83% da população (com duas doses). Esse número, porém, está em contratos que ainda precisam ser honrados, com a entrega de ingrediente ativo das vacinas CoronaVac e Oxford/AstraZeneca. O número também inclui doses a serem adquiridas via Covax, consórcio articulado pela OMS.

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Questionado sobre o prazo em que espera atingir volume maior de vacinados, a pasta informou não ter data específica: “O escalonamento dos grupos populacionais para vacinação se dará conforme a disponibilidade das doses de vacina, após liberação para uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária”.