Os votos do ministro

Como pensa Dias Toffoli, o futuro presidente do Supremo

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Capítulo 1

Sob nova gestão

Apaixonado por números, ministro divulga semestralmente um balanço das atividades de seu gabinete

O ministro Dias Toffoli, 50 anos, assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro, nove anos depois de ser indicado para o cargo pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A pedido do JOTA, o ministro reuniu 14 votos que ele proferiu e que descrevem sua atuação no tribunal. São manifestações que ajudam a compreender quem é o próximo presidente do Supremo.

Toffoli já começou há semanas a trabalhar internamente para reunir informações que o ajudem no planejamento de sua gestão. Em conversas reservadas com ministros, ex-ministros e a área técnica do tribunal, Toffoli, que já definiu seus principais assessores, vai reunindo elementos para definir suas prioridades. Entre elas, estão mudanças nas regras internas da Corte e a relação do Supremo com outros Poderes.

Desde 2009 na Corte, o ministro é conhecido pelo perfil negociador e conciliador e tem pregado a defesa institucional do Supremo, que enfrenta um dos momentos de maior conflagração de toda sua história. Toffoli tem dito a interlocutores que é preciso reconstruir pontes internas e externas.

Apaixonado por números e estatísticas, o ministro deve trabalhar pela confecção de uma grande base de dados da Justiça brasileira – ele divulga semestralmente um balanço das atividades de seu gabinete.

Há expectativa de que enfrente questões polêmicas como os salários e as férias no Judiciário. O ministro costuma ser elogiado entre seus pares por montar uma equipe de assessores competentes.

Ao longo de sua trajetória no STF, o ministro se tornou um dos mais críticos da Operação Lava Jato entre os integrantes da Corte. Defende maior interlocução do Supremo com o Legislativo e o Executivo – onde teve largas experiências profissionais. Há quem diga que, em seus votos, exista um certo ativismo, uma vez que costuma sugerir em diversos julgamentos polêmicos uma terceira via como solução viável para a definição dos casos. Também tem trabalhado para se desvincular da sombra de seu passado de advogado do PT – o que na opinião de advogados que acompanham o STF ele já conseguiu faz tempo.

Além do STF, o ministro tem se preparado para assumir o comando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nos bastidores do órgão, acredita-se que ele deve pautar questões paradas há anos, às quais Cármen Lúcia preferiu não dar prioridade, como o processo disciplinar que discute a conduta do juiz Sérgio Moro por ter autorizado a divulgação de interceptação telefônica de conversa entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Capítulo 2

14 votos de Toffoli

Veja como o ministro votou sobre delação, superação da coisa julgada e outros casos importantes

1)  Homologação de delação premiada de Alberto Youssef (HC 127.483)

O Supremo indeferiu habeas corpus impetrado pelo diretor da Galvão Engenharia Erton Medeiros Fonseca, um dos réus na operação Lava-Jato, contra ato do ministro Teori Zavascki que homologou o acordo de delação premiada de Alberto Youssef, que deu fôlego às investigações do esquema de corrupção envolvendo a Petrobras.

Relator do caso, o voto do ministro Dias Toffoli trouxe teses importantes sobre a delação premiada. Ficou reforçado que o acordo de colaboração premiada é um meio de obtenção de provas e que o relator tem poderes para monocraticamente homologar. Leia a íntegra.

“A colaboração premiada, por expressa determinação legal (art. 3º, I da Lei nº 12.850/13), é um meio de obtenção de prova, assim como o são a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas ou o afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal”.

Segundo o ministro, o acordo de colaboração não se confunde com os depoimentos prestados pelo agente colaborador. “Enquanto o acordo de colaboração é meio de obtenção de prova, os depoimentos propriamente ditos do colaborador constituem meio de prova, que somente se mostrarão hábeis à formação do convencimento judicial se vierem a ser corroborados por outros meios idôneos de prova. A delação, de forma isolada, não respalda condenação”, escreveu.

Sobre a relação entre a prisão e a delação, o ministro apontou que “o fator determinante para a colaboração premiada é a liberdade psíquica do imputado, vale dizer, a ausência de coação, esteja ele ou não solto”.

Foi fixado ainda que não cabe ao delatado o direito de impugnar o acordo de colaboração, o que, segundo o ministro, não implica na desproteção a seus interesses. “As declarações do delator, para serem consideradas meios de prova, deverão encontrar amparo em outros elementos de prova existentes nos autos que corroborem seu conteúdo, bem como, caso tenham sido prestadas na fase extrajudicial ou em procedimento criminal diverso, deverão ser confirmadas em juízo, assegurando-se ao delatado o contraditório”

2) Indicação de horário obrigatório para programas de rádio e TV (ADI 2404)

Em 2016, o STF declarou inconstitucional dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estabelece multa e suspensão de programação às emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário diverso do autorizado pela classificação indicativa.

A decisão foi tomada a partir do voto do ministro Dias Toffoli. Em um longo voto de 138 páginas, o ministro defendeu que cabe o autocontrole das emissoras, que devem definir o enquadramento do horário de sua programação e não o Estado. Leia a íntegra.

Segundo o ministro, o parágrafo 3º do artigo 220 da Constituição determina que lei federal deve regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza e as faixas etárias a que eles não são recomendados, e estabelecer os meios legais que garantam à família a possibilidade de se defender da programação de emissoras de rádio e TV.

“Como se vê, no preciso ponto da proteção das crianças e dos adolescentes, a Constituição Federal estabeleceu mecanismo apto a oferecer aos telespectadores das diversões públicas e de programas de rádio e televisão as indicações, as informações e as recomendações necessárias acerca do conteúdo veiculado. É o sistema de classificação indicativa esse ponto de equilíbrio tênue e ao mesmo tempo tenso adotado pela Carta de República para compatibilizar esses dois axiomas, velando pela integridade das crianças e dos adolescentes, sem deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de expressão”, afirmou o ministro Dias Toffoli.

Para o relator, a Constituição confere aos pais o papel de supervisão efetiva sobre o conteúdo acessível aos filhos. Toffoli ressaltou que a competência administrativa conferida à União para classificar programas para efeito indicativo, prevista no disposto no inciso 16 do artigo 21 da Constituição, não se confunde com autorização.

3) Extração de amianto crisotila (ADI 3937)

O STF reafirmou em 2017 a declaração de inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei federal 9.055/1995 que permitia a extração, industrialização, comercialização e a distribuição do uso do amianto na variedade crisotila no país. A inconstitucionalidade do dispositivo já havia sido incidentalmente declarada no julgamento da ADI 3937, mas os ministros deram efeito vinculante e erga omnes (para todos) à decisão.

“Enfim, se em 1995, tolerava-se, sob certas circunstâncias e condições, a utilização da crisotila, especialmente em razão da inexistência naquele momento de substitutivos, atualmente, o consenso científico é no sentido da impossibilidade técnica do uso seguro da crisotila e da existência de substitutivo idôneo”.

O ministro defendeu que o consenso dos órgãos oficiais de saúde geral e de saúde do trabalhador em torno da natureza altamente cancerígena do amianto crisotila; a existência de materiais alternativos à fibra de amianto e  a ausência de revisão da legislação federal, que já tem mais de 22 (vinte e dois anos) anos – revela a inconstitucionalidade superveniente  da Lei Federal no 9.055/1995, por ofensa, sobretudo, ao direito à saúde; ao dever estatal de redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança; e à proteção do meio ambiente. Leia a íntegra.

4) Acesso do Fisco a dados bancários sem ordem judicial (ADI 2390)

O STF permitiu à Receita Federal, em 2016, receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial. Relator, o ministro defendeu que a proibição da medida representaria um retrocesso para o país, uma vez que o país é signatário de vários acordos internacionais que visam o combate a crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas e à organizações criminosas. O ministro defendeu que não há violação a direito à intimidade, pois a lei não permite a quebra de sigilo bancário, mas sim a transferência desse sigilo dos bancos ao Fisco.

O ministro ressaltou que a lei prevê punições severas para o servidor público que vazar informações. Nesses casos, o responsável pelo ilícito está sujeito à pena de reclusão, de um a quatro anos, mais multa, além de responsabilização civil, culminando com a perda do cargo. “O Brasil se comprometeu, perante o G20 e o Fórum Global, a adotar esse padrão a partir de 2018, de modo que não deve o Estado brasileiro prescindir do acesso automático aos dados bancários dos  contribuintes por sua administração tributária, sob pena, inclusive, de descumprimento de seus compromissos internacionais.” Leia a íntegra.

5) Desmembramento estadual (ADI 2650)

O STF fixou que o desmembramento de um estado da federação deve envolver não somente a população do território a ser desmembrado mas a de todo o estado.

Toffoli refutou a diferenciação entre os casos de divisão de estados e municípios, sendo que para o ministro a regra do plebiscito deve ser igual a ambos, sob o risco de se  ferir a isonomia entre os entes da federação. Segundo Toffoli, a alegação de que a parte remanescente do estado votaria contra o desmembramento não tem nenhum respaldo jurídico, uma vez que a parte remanescente é afetada e, portanto, tem de ser ouvida democraticamente. Leia a íntegra.

“A previsão normativa, em verdade, concorre para concretizar, com plenitude, os princípios da soberania popular, da cidadania e da autonomia dos estados membros”, acrescentou. “Desta forma, contribui para que o povo exerça suas prerrogativas de autogoverno, de maneira bem mais enfática”, diz o ministro.

Para Toffoli,  a federação é a união indissolúvel entre os estados, os municípios e o Distrito Federal e disse que a legislação deve proteger a base territorial dos entes federados, pois a autonomia dos estados ocorre a partir de seu território, sobre o qual incide sua capacidade política. Na avaliação do ministro, a emancipação é, muitas vezes, uma eventual disputa por mais recursos e mais poder. Portanto, complementou o ministro, a lei não pode por em risco a harmonia federativa.

6) Distribuição do tempo de propaganda eleitoral (ADI 4430)

Ficou definido pelo STF que legendas criadas após as últimas eleições possam participar do rateio de dois terços do tempo da propaganda, que é dividido entre os partidos com representação na Câmara.

Toffoli defendeu que para efeito do cálculo da divisão do tempo de propaganda, os novos partidos poderão contar com a representação dos deputados federais que sejam considerados fundadores da nova legenda. Leia a íntegra.

Toffoli deu interpretação conforme a Constituição Federal ao inciso II do parágrafo 2º do artigo 47 da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições). Nesse sentido, assegurou “aos partidos criados após a realização das eleições para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinados à propaganda eleitoral no rádio e na televisão, considerada a representação dos deputados federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais forem eleitos para a nova legenda na sua fundação”.

“Essa interpretação prestigia, por um lado, a liberdade constitucional de criação de partidos (art. 17, caput, CF/88) e, por outro, a representatividade do partido que já nasce com representantes parlamentares, tudo em consonância com o sistema de representação proporcional brasileiro”, afirmou. “Privilegiar o resultado eleitoral, nesses casos, demonstra o não vislumbramento da existência de partidos para além das eleições, conduzindo, indiretamente, a um processo de desmotivação e desmobilização para a criação de novas agremiações partidárias, pois, ainda que contem com representantes parlamentares, elas sofreriam, em seu nascedouro, limitações ao seu pleno exercício”.

7) Conselhos de profissão não podem fixar anuidade acima da lei (RE 704292)

O STF reconheceu como inviável o aumento da anuidade sem previsão legal. Toffoli afirmou que a Lei 11.000/2004 estabeleceu a possibilidade de os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas fixar livremente o valor das contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas relacionadas com suas atribuições.

Segundo ele, para que o princípio da legalidade fosse respeitado, seria essencial que a Lei 11.000/2004 “prescrevesse, em sentido estrito, o limite máximo do valor da exação ou os critérios para encontrá-lo, o que não acontece na hipótese”. Leia a íntegra.

Para o ministro,  não estabelecer um teto para o aumento da anuidade criaria uma situação de instabilidade institucional, “deixando ao puro arbítrio do administrador o estabelecimento do valor da exação, afinal não há previsão legal de limite máximo para a fixação da anuidade”. Isso porque, para o contribuinte, surge uma situação de incerteza, pois não se sabe o quanto poderá ser cobrado enquanto que, para o fisco, significaria uma atuação ilimitada e sem controle. Segundo o ministro, não cabe aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas realizar a atualização monetária do teto em patamares superiores aos permitidos em lei. “Entendimento contrário possibilitaria a efetiva majoração do tributo por um ato infraconstitucional, em nítida ofensa ao artigo 151, inciso I da Constituição Federal”.

8) Superação da coisa julgada para nova ação de investigação de paternidade por causa do exame de DNA (RE nº 363.889/DF)

Em 2011, por 7 votos a 2, o STF concedeu a um jovem de Brasília o direito de voltar a pleitear de seu suposto pai o exame de DNA, apesar de a Justiça de primeiro grau do DF ter encerrado o processo.

Como relator, Toffoli defendeu a possibilidade de superar a coisa julgada (reabrir processo encerrado) para viabilizar nova investigação de paternidade. No seu voto, o ministro destacou a importância dada pelo STF para processos em que uma pessoa busca descobrir sua origem, “como forma de conhecer a verdade sobre sua origem genética, em ações de investigação de paternidade, citando-se, para ilustrar, a ementa do seguinte precedente”. Leia a íntegra.

No caso, disse Toffoli, “não é necessário fazer grandes volteios retóricos”, pois trata-se de reconhecer que os meios de prova evoluíram e que a “defesa do acesso à informação sobre a paternidade deve ser protegida porque se insere no conceito de direito da personalidade”.

O ministro também citou que já tramitaram duas propostas no Congresso Nacional que determinavam que a ação de investigação de paternidade realizada sem prova de DNA não levava à coisa julgada que não foram aprovadas, mas que seu voto não representava usurpar poder do Legislativo:

“Nenhuma delas obteve êxito, situação essa que, certamente seria diferente, se houvesse precedentes desta Casa, apontando para a adequação do quanto contido nessas proposituras. E é nesse sentido que se coloca o STF em posição de deliberação colaborativa com o Parlamento, sem ofuscá-lo e sem desconsiderar a soberania da vontade do povo”, afirmou.

O magistrado concluiu, então, que não se pode tolher o direito do autor da ação de perseguir a busca de sua verdadeira identidade genética.

9) Possibilidade de a administração pública descontar pagamento de servidor público em greve (RE nº 693.456/RJ)

O STF permitiu que servidores públicos tenham o ponto cortado pelos dias paralisados, mas admitiu a possibilidade de compensação dos dias parados mediante acordo.

Toffoli ressaltou que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho apontava que os dias sem trabalhar não devem ser remunerados e comparou a situação do Brasil à de outros países.

Segundo ele, deixando de lado países com “graves restrições ao exercício de greves para servidores públicos, como Alemanha e Estados Unidos”, nos demais a regra tem sido o corte de ponto, como ocorre no Reino Unido, na França, no Canadá, na Espanha, entre outros. Leia a íntegra.

O magistrado ressaltou que seu voto não significava que todo ônus do exercício de greve deve ser suportado pelo servidor público, e ponderou: “Penso ser inegável a afirmação de que o gestor público arcará com as consequências políticas de sua postura, isso todos nós sabemos. No entanto, muitas vezes esse fator pode não ser suficiente para a solução de impasses, principalmente quando a greve acaba sendo deflagrada ao final de um mandato eletivo em que o mandatário não tem qualquer perspectiva de se reeleger. É por isso que a lei específica que venha a tratar do direito de greve dos servidores públicos deverá atentar, em meu sentir, para as hipóteses de responsabilização dos gestores intransigentes; em especial, quando a greve se justificar e for considerada legítima pelo Judiciário”.

A greve, disse, é o mesmo que o afastamento não remunerado do servidor, uma vez que, apesar de estar autorizado pela Constituição Federal, a Carta não garantiu que isso levaria ao pagamento integral do salário. Desta forma, afirmou, os descontos na folha de pagamento devem ser realizados, “sob pena de se configurar, como frisado, hipótese de enriquecimento sem causa”.

10) Imunidade tributária e livros eletrônicos (e-book) e suportes próprios para leitura (RE nº 330.817/RJ)

Ano passado, por unanimidade, no julgamento de um recurso com repercussão geral reconhecida, o STF decidiu que livros eletrônicos têm imunidade tributária.

Na oportunidade, Toffoli ressaltou que a previsão constitucional que proíbe o Estado de tributar livros se estende para as obras virtuais. O ministro sustentou que as mudanças tecnológicas e os fatores políticos e sociais permitem a interpretação dada pelo Supremo devido às preocupações sociais e justificam a equiparação do meio eletrônico ao papel. Leia a íntegra.

O magistrado destacou, no entanto, que a regra vale para aparelhos que tenham esse fim: “Nesse contexto moderno, contemporâneo, portanto, a teleologia da regra de imunidade igualmente alcança os aparelhos leitores de livros eletrônicos (ou e-readers) confeccionados exclusivamente para esse fim, ainda que, eventualmente, estejam equipados com funcionalidades acessórias ou rudimentares que auxiliam a leitura digital, tais como dicionário de sinônimos, marcadores, escolha do tipo e do tamanho da fonte”.

Assim, concluiu o magistrado, cabe ao STF interpretação de acordo com a realidade atual com o que foi aprovado na Constituição de 30 anos atrás. “O argumento de que a vontade do legislador histórico foi restringir a imunidade ao livro editado em papel não se sustenta em face da própria interpretação histórica e teleológica do instituto e, mesmo que se parta da premissa de que o legislador constituinte de 1988 teria querido restringir a imunidade, é de se invocar, ainda, a interpretação evolutiva, método interpretativo específico das normas constitucionais”, disse.

11) Vedação, no âmbito do SUS, de internação em acomodações superiores, bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio SUS, ou por médico conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores correspondentes (RE nº 581.488/RS)

O Supremo proibiu o tratamento diferenciado a pacientes do Sistema Único de Saúde que pagassem pela diferença por um atendimento melhor. Na oportunidade, o ministro Dias Toffoli destacou que o SUS é “pautado pelo princípio da equidade, regra que não permite exceções”.

Na ocasião, o ministro foi enfático em não permitir atenção diferenciada a determinados pacientes e afirmou que “permiti-los seria aceitar a instituição de privilégios odiosos, desprovidos de qualquer respaldo constitucional”. Leia a íntegra.

Esforços no sentido de promover a universalidade e a igualdade de acesso ao sistema de saúde pública são bem-vindos, mas o contrário deve ser repudiado, ressaltou. “Esforços em sentido oposto, como os que aqui se pretende implementar, são intoleráveis à luz da Constituição da República”.

O ministro lembrou que o STF tem histórico de permitir atendimentos diferenciados a alguns pacientes, mas que estavam em situações que tornavam isso necessário, sem que isso fosse uma regra “ampla e irrestrita”. “A autorização para um atendimento diferenciado deveu-se muito mais às especificidades de cada um dos casos concretos do que propriamente a um convencimento quanto à adequação desse procedimento às características do Sistema Único de Saúde, de um modo geral considerado. Portanto, não há precedente específico desta Corte a vincular o resultado desse julgamento”, destacou.

Toffoli também afirmou que não se tratava de defender a qualidade do serviço prestado e afirmou que “a eficiência do sistema exige melhor gestão pública”. Além disso, comentou que o julgamento não significava proibir a participação da iniciativa privada na prestação do serviço.

“A Constituição Federal, portanto, ao disciplinar o direito à saúde, oferece expressamente a possibilidade de modernização da Administração Pública por meio da participação consensual e negociada da iniciativa privada tanto na gestão de determinadas unidades de saúde quanto na prestação de atividades específicas de assistência à saúde. Não se está, com todos esses argumentos, defendendo a qualidade do serviço público de saúde pública nos dias atuais”, afirmou.

12) Legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública (RE nº 733.433/MG)

Em 2015, por unanimidade, o STF declarou a legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública na defesa de direitos difusos e coletivos. Toffoli disse que a medida era um significativo avanço institucional no ordenamento jurídico brasileiro.

Dar esse poder à defensoria, segundo Toffoli, beneficia pessoas socialmente desassistidas e financeiramente despossuídas. “É um marco significativo no processo de afirmação dos direitos metaindividuais, cuja proteção tem, naquele instrumento processual, um poderosíssimo meio de tutela e amparo, em sede jurisdicional, das comunidades que reúnem pessoas carentes e totalmente marginalizadas”. Leia a íntegra.

É papel do Poder Público, afirmou, dar a uma organização formal, no caso, a defensoria, de meio para cumprir a obrigação constitucional de dar integral assistência judiciária, para que os direitos e as liberdades das pessoas “atingidas pelo injusto estigma da exclusão social não se convertam em proclamações inúteis nem se transformem em expectativas vãs”.

13) Princípio da precaução e redução do campo eletromagnético de linhas de transmissão de energia elétrica (RE nº 627.189/SP)

Em 2016, o STF manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou a Eletropaulo, que distribui energia em São Paulo, a redução do alcance do campo eletromagnético de suas linhas de transmissão por questão de saúde.

No seu voto, Toffoli destacou que o princípio da precaução deve ser levado em consideração no caso. Para ele, estudos científicos atuais apontam controvérsias sobre os efeitos da radiação eletromagnética de baixa frequência, mas permite afirmar que a possibilidade de ocorrência de danos não é “meramente hipotética”. Leia a íntegra.

Toffoli afirmou que o dano à saúde deixou de ser considerado um acontecimento aleatório e passou a ser examinado como um risco para a população.

“Entendo, na perspectiva dessa importantíssima evolução, que o postulado da precaução, invocado pelo E. Tribunal de Justiça paulista, atua, no contexto ora em exame, como claro fator de legitimação das medidas ordenadas pelo acórdão recorrido, que, de modo absolutamente correto”, disse.

14) Abuso do direito de recorrer (RE nº 839.163/DF)

Em 2014, o plenário confirmou decisão de Toffoli de declarar o trânsito em julgado do processo do ex-senador Luiz Estevão e de determinar o início do cumprimento da pena. O ministro levou ao pleno questão de ordem apresentada pela defesa contra sua decisão monocrática e suscitou o debate sobre o poder do relator para ordenar, sozinho, a baixa do processo e a execução da pena.

Por unanimidade, os ministros do STF concordaram com Toffoli e afirmaram que os três recursos do ex-parlamentar tinham natureza protelatória e que o relator tinha competência para dar fim ao processo. Leia a íntegra.

“O agrupamento de todas essas circunstâncias, a meu sentir, somente reforça a conclusão de que a intenção do ora requerente não seria outra senão a de alcançar a prescrição da pretensão punitiva que se efetivaria aos 2/10/14 – caso não tivesse sido negado seguimento aos extraordinários com a determinação de baixa dos autos independentemente da publicação das decisões”, sustentou Toffoli.

O magistrado ressaltou, ainda, que a intenção de protelar o trânsito em julgado e impedir o fim do processo é conduta repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que determina que a utilização de sucessivos recursos protelatórios autoriza o imediato cumprimento da decisão, mesmo que não tenha sido publicada.