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Celina

Luiza Trajano: 'Mulheres se destacam no enfrentamento ao novo coronavírus'

Uma das principais vozes do setor empresarial brasileiro na defesa da igualdade de gênero, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza e do Grupo Mulheres do Brasil destaca liderança feminina durante pandemia de Covid-19
Empresária é uma das principais vozes na defesa da igualdade de gênero no empresariado brasileiro Foto: Divulgação
Empresária é uma das principais vozes na defesa da igualdade de gênero no empresariado brasileiro Foto: Divulgação

RIO - As mulheres estão mais preparadas e lidam melhor com os desafios impostos pela pandemia do novo coronavírus. Esta é a opinião da empresária Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza e do Grupo Mulheres do Brasil.

Ela defende que, apesar de as mulheres estarem mais vulneráveis à violência e ao desemprego nesse período, é preciso destacar a capacidade e o sucesso das lideranças femininas no enfrentamento à crise atual. "Se não, ficamos sempre no lugar de vítima", explica.

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A executiva é uma das principais vozes do setor empresarial brasileiro na defesa da igualdade de gênero e tem consolidado sua atuação no combate à violência doméstica. Para ela, a luta por igualdade deve ser abraçada pelas empresas e pelos homens. "Isso vai ser bom para a sociedade, para o mercado, para família, para todo mundo", diz.

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Luiza também lidera o Grupo Mulheres do Brasil, organização apartidária fundada em 2013 por 40 empresárias e que hoje reúne mais de 50 mil mulheres de todo o país.  O grupo, explica a empresária, atua no "atacado e no varejo", defendendo políticas públicas e ações pontuais para reduzir a desigualdade de gênero no país.

Em tempos de pandemia, a entidade tem focado a sua atuação na defesa do Sistema Único de Saúde(SUS). "Um dos pilares para a igualdade é a saúde para todos e nós temos um programa maravilhoso, que nem sempre é valorizado, que é o SUS", diz a empresária.

Em conversa com CELINA , por telefone, a executiva falou sobre a atuação do grupo e do Magazine Luiza durante a pandemia, defendeu a necessidade de cotas para a garantir a presença de mulheres nos conselhos de administração das grandes empresas e destacou o papel delas no enfrentamento à crise. Leia abaixo:

Estamos vivendo uma crise sem precedentes e as mulheres estão sendo gravemente afetadas. Elas estão fortemente representadas no emprego informal, no emprego doméstico, nas carreiras que atuam na linha de frente ao combate ao vírus, estão mais expostas à violência e ao desemprego. De que forma essas desigualdades devem ser levadas em conta no enfrentamento a essa crise e na posterior retomada?

Eu acho que as mulheres têm se destacado no cenário internacional pela forma que estão lidando bem com essa crise. Nunca ficou tão bem colocado o papel da mulher e a importância da mulher nessa gestão mais orgânica do que mecânica de uma crise, e isso a pandemia acelerou. É bom colocar isso em primeiro lugar, porque se não a gente sempre acaba num papel de vítima, que é como as pessoas gostam de nos ver. Mesmo nessa situação, a mulher está tendo destaque muito grande até pela forma como lida superbem com o desconhecido e com essa epidemia.

Mas, por outro lado, elas estão sendo mais afetadas porque o número de mulheres micro e pequenas empreendedoras era muito maior do que o de homens. Apesar de as medidas do governo terem sido rápida e boas, a maioria não chegou até a ponta no momento certo, por falhas nos cadastros dos bancos. Isso está sendo corrigido agora, com novas medidas da Caixa.

O que faz com que as mulheres se destaquem no enfrentamento a essa crise?

A pandemia acelerou coisas que estavam em curso, como a digitalização e o funcionamento mais orgânico das empresas. A dinâmica não é mais tão mecânica, em que o que manda é o lucro. Isso já estava acontecendo. As empresas têm que ter cada vez mais responsabilidade. Pela primeira vez, a sociedade brasileira aumentou o nível de consciência sobre o espírito coletivo, a gente viu a cultura da doação e da cooperação se fortalecendo. Com isso, o mercado está exigindo mais condutas com propósito. Não basta só a empresa manter empregos e ganhar dinheiro. E a mulher está mais preparada para esse tipo de administração, que é mais orgânica, mais cuidadosa com a cadeia produtiva. Isso ficou evidente nos países liderados por mulheres, que se saíram muito melhor na pandemia.

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A pandemia também evidenciou a importância do trabalho doméstico e do cuidado, que hoje ainda é feito majoritariamente por mulheres nos lares brasileiros. A senhora acha que, após a pandemia, pode haver uma valorização maior destas atividades?

Muitas executivas passaram a valorizar mais o papel da dona de casa. Nunca se vendeu tanto aspirador de pó, porque essa mulher viu que não era fácil. É uma mudança. Mas acho que a mudança maior é no nível de consciência do senso comum, que vai fazer o mercado buscar uma nova conduta. E, para essa nova conduta, não tem jeito de ficar sem a presença da mulher nas empresas como a gente ainda vê em muitos conselhos, por exemplo. Dessa vez, isso está nascendo na sociedade e indo para o mercado. Acho que é um bom sinal.

Esse momento pode levar a um verdadeiro comprometimento do setor privado com a igualdade de gênero?

Eu sou a favor de cotas. Enquanto as empresas não tiveram cotas, que fazem parte de um processo transitório, vamos levar bastante tempo para atingir igualdade. Se a gente quiser que isso seja acelerado, cota é o que vai resolver. É um processo temporário para terminar uma desigualdade.

Essa desigualdade afeta especialmente as mulheres negras no Brasil. Elas são mais vulneráveis à violência, ao desemprego e ao emprego precário. Qual é a responsabilidade do setor privado no combate à desigualdade racial?

Infelizmente, precisou o George [Floyd] morrer de uma forma tão terrível para o mundo inteiro acordar. Tenho conversado muito com presidentes de empresas nessas reuniões e no Whatsapp e vejo que há uma preocupação geral com a igualdade racial. Acho que isso mudou muito.

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Outro problema evidenciado pela pandemia é a violência doméstica. O Magazine Luiza divulgou o botão de denúncia no seu aplicativo nesse período…

Nós já tínhamos uma linha direta com a nossa equipe. A gente tinha isso muito forte nas lojas. Se uma mulher chegava roxa na loja, o próprio pessoal era orientado a ligar para o Disque Denúncia. A cliente não era obrigada a denunciar, mas a gente dava todo o apoio. De repente, quando ela foi para dentro de casa, a gente resolveu reforçar que a ferramenta estava no aplicativo e isso viralizou, graças a Deus. Essa é a pergunta que mais me fazem hoje em dia e a que eu mais gosto de responder.

Qual impacto essa ação tem tido?

Quando estávamos com as portas abertas, o auxílio na própria loja ajudava muito. Depois que a gente fechou, relançamos isso no aplicativo, e agora mais lojas têm. Mas o que eu mais peço é para o pessoal meter a colher, denunciar. A denúncia pode ser anônima, mas as pessoas têm a obrigação de, quando ouvirem alguma coisa, um grito, denunciar.

Quando a senhora despertou para esse problema e como foi a decisão de adotar essa medida?

Nós perdemos uma funcionária há três anos em um shopping em Campinas, e aí vi que a coisa era mais embaixo do que a gente estava percebendo. Então criamos a linha direta com os funcionários, fizemos uma cartilha para os presidentes das principais empresas. O Magazine [Luiza] lançou uma colher a R$ 1,80, para incentivar a meter a colher. Foram várias ações.

Para as próprias funcionárias do Magazine Luiza há algum tipo de apoio?

Sim. A gente denuncia, tem uma equipe para dar apoio emocional, acompanha os casos, muitas vezes, muda a pessoa de cidade. Cada caso é um caso, mas temos várias ações.

Acha que mais empresas deveriam assumir esse compromisso?

Nós temos uma cartilha que distribuímos para empresas, com cinco passos para montar uma linha de denúncia de violência. Quando a empresa monta esse sistema de apoio, não fica caro e isso ajuda porque o próprio companheiro sabe que funcionária está protegida.

Em 2013, a senhora e outras empresárias fundaram o Grupo Mulheres do Brasil, que hoje conta com quase 50 mil participantes. Como surgiu o desejo de fundar este grupo e de que forma tem atuado nesses últimos anos?

Nós fomos convidadas para ir a Brasília para uma reunião só de mulheres e ela foi tão boa que de lá montamos o grupo. A gente é totalmente apartidária, ninguém pode falar nada em nosso nome. Temos quase 50 mil mulheres e trabalhamos em 18 causas no atacado e no varejo. Atacado é quando a gente atua em políticas públicas, como agora vamos falar do SUS. Varejo é quando dá coberturas pontuais.

Quais foram as principais conquistas e os desafios do grupo desde que ele foi criado?

Depois de seis anos de trabalho, sinto que conseguimos fazer acontecer um grupo muito diverso, focado em ser o maior grupo político apartidário do Brasil. Tem mulheres de todos os níveis, não são só executivas, mas das comunidades de bairros, das favelas. A gente está muito pronta para assumir um protagonismo que não é de esquerda nem direita, mas respeita a democracia. A gente não tem um partido forte por trás, mas já fez acontecer, conhece e pode fazer propostas consistentes para diminuir a desigualdade do país.

A senhora também tem pedido calma do empresariado nesse período e tem falado que vai ser necessário se reinventar depois dessa crise. Qual é o papel das mulheres nessa reinvenção?

Eu tenho falado muito que não basta mais ter. É preciso ser para ter. E a mulher por ser mãe, lidar com a maternidade, está mais preparada nesse momento. Eu só quero dar segurança para elas e dizer as empresas e aos homens que é muito importante nesse momento valorizar o papel da mulher. Isso vai ser bom para sociedade, para o mercado, para família, para todo mundo.