Exclusivo para Assinantes
Política

Em cinco pontos, entenda as consequências da decisão do STF que declarou Moro parcial em julgamento de Lula

Segunda Turma da Corte aceitou alegações do petista e declarou o ex-juiz federal suspeito para julgá-lo no caso do tríplex no Guarujá (SP)
O ex-juiz federal Sergio Moro, alvo de um pedido de suspeição movido pelo ex-presidente Lula (PT) Foto: Andre Coelho / Getty Images
O ex-juiz federal Sergio Moro, alvo de um pedido de suspeição movido pelo ex-presidente Lula (PT) Foto: Andre Coelho / Getty Images

RIO – A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou e finalizou, nesta terça-feira, o julgamento da suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá (SP), que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à cadeia entre abril de 2018 e novembro de 2019.

Por três votos a dois, o colegiado aceitou um pedido da defesa do petista e definiu que Moro agiu com parcialidade na condução do caso. O GLOBO reuniu respostas para as cinco principais perguntas originadas pelo desfecho do julgamento. Confira abaixo.

O que a Segunda Turma decidiu?

A Segunda Turma decidiu que há elementos que comprovam a parcialidade de Moro no caso em que o ex-juiz analisou o suposto recebimento de vantagem indevida por Lula na forma de um apartamento de três andares no litoral paulista. O imóvel teria sido pago pela empreiteira OAS, segundo a Lava-Jato.

O placar teve três votos favoráveis às alegações da defesa de Lula, proferidos pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, que alterou o próprio voto na sessão de hoje para se posicionar pela suspeição. Votaram em sentido contrário os ministros Edson Fachin e Kassio Nunes Marques.

O que é suspeição? Entenda o debate no julgamento do STF que envolve Moro e Lula

Na tese aceita pelo colegiado, os advogados reuniram uma série de atos processuais de Moro, como autorizações para conduções coertivas e interceptações telefônicas que acabaram ouvindo conversas de Lula com advogados. Eles também mencionaram a nomeação de Moro ao comando do Ministério da Justiça, no início da gestão do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019.

Proferida por Moro e confirmada em segunda instância, a condenação no caso do tríplex no Guarujá fez com que Lula não pudesse concorrer nas eleições presidenciais de 2018, após ser barrado pela Lei da Ficha Limpa.

O caso precisa ser referendado pelo plenário?

Não. A decisão dos cinco ministros da Segunda Turma tem efeitos imediatos. No entanto, caso busque reverter a decisão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode entrar com recurso junto ao Supremo para que os onze ministros rediscutam o caso no plenário da Corte.

Lauro Jardim: Lula vai submergir

— Antes do julgamento, a competência do caso poderia sido transferida para o plenário, a pedido do relator (ministro Edson Fachin). Como isso não ocorreu, a Turma tem competência para finalizar a discussão do tema — explica o professor de Direito Wallace Corbo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio).

O que acontece com os outros processos envolvendo o ex-presidente Lula?

A decisão da Segunda Turma é relativa apenas ao caso do tríplex no Guarujá. O argumento pode ser usado pela defesa em outros processos, mas, nesta terça-feira, mesmo os ministros do Supremo que votaram a favor da suspeição afirmaram que estavam tratando apenas do tríplex. Em outro caso, o do sítio de Atibaia (SP), por exemplo, o ex-juiz foi responsável pela maior parte dos atos processuais, ainda que o ex-presidente tenha sido sentenciado pela juíza substituta Gabriela Hardt.

Bela Megale: Lula aciona STF para que plenário não julgue anulação de suas condenações

No caso do tríplex, a suspeição deve levar à anulação de todas as diligências, provas e interrogatórios produzidos enquanto o caso tramitava sob o comando de Moro. Esse procedimento não deve poupar sequer a raiz do processo, iniciado a partir do aceite de denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal (MPF). Até mesmo esse ato precisará ser refeito, agora na Justiça Federal do Distrito Federal, onde passou a tramitar no início do mês.

Tanto o caso do tríplex quanto o do sítio estiveram 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, onde Moro atuou, e, antes mesmo da suspeição, já tinham voltado à estaca zero por decisão do ministro Edson Fachin , no início do mês.

Fachin entendeu que a Justiça Federal do Paraná não tinha competência para analisá-los. Por isso, os movimentos processuais tomadas no estado precisariam ser convalidados pelo novo juízo, no DF. Com a decisão da Segunda Turna nesta terça, no entanto, a retomada do caso não envolverá a convalidação dos atos, que precisarão ser completamente refeitos. É o explica Wallace Corbo, da FGV-Rio:

— Com o ex-juiz suspeito, o processo (do tríplex) morre na origem. Todas as provas que foram produzidas enquanto o caso a tramitava sob a presidência do ex-juiz Sergio Moro estarão anuladas e não poderão ser utilizadas. Sejam as diligências autorizadas por ele ou os interrogatórios que conduziu. Isso porque juízes declarados suspeitos não podem produzir nenhum ato processual, seja de instrução do processo ou decisório — diz o professor.

Analítico: Como a Segunda Turma do STF influencia a eleição de 2022 ao declarar Moro suspeito

Corbo também afirma que os votos da Segunda Turma, com destaque para o da ministra Carmen Lúcia, fizeram referências à suspeição de Moro em relação a Lula de maneira a englobar genericamente todas as ações relativas ao petista em que o ex-juiz atuou, não só o processo do caso tríplex.

O professor Guilherme Amorim, diretor de pós-graduação da Universidade Nove de Julho (Uninove), afirma que, adiante, deve existir uma extensão natural da decisão do caso tríplex ao caso do sítio de Atibaia:

— A causa de suspeição se relaciona com os direitos mais caros dos cidadãos, como lliberdade, inocência e o ir e vir. Uma declaração de suspeição no processo do tríplex também contamina outros casos em que Moro atuou para julgar o ex-presidente, como o do sítio de Atibaia — explica Amorim.

Qual a relação dessa decisão com a anulação das condenações de Lula, determinada pelo ministro Edson Fachin?

Não há relação jurídica entre as duas decisões. Ainda que a Segunda Turma tenha concluído a análise sobre a suspeição de Moro, a decisão de Fachin é relativa a outro tema e se mantém válida, reiniciando quatro ações penais e invalidando duas condenações, incluindo a do tríplex no Guarujá e a do sítio de Atibaia.

O colegiado verificou nesta terça-feira que o juiz foi parcial na condução do caso sobre o apartamento. Antes disso, Fachin definiu, no dia 8, que a 13ª Vara Federal Criminal não era o juízo competente para analisar os casos de Lula.

A vara federal estava designada para receber processos originados pela Lava-Jato relacionados a desvios na Petrobras. Para Fachin, não havia conexão entre desvios na estatal e o pagamento de supostas vantagens indevidas ao ex-presidente.

Entenda: Fachin manda para o plenário do STF recurso da PGR contra decisão que anulou condenações de Lula

A decisão de Fachin ainda pode ser rediscutida pelo plenário do Supremo, conforme solicita a Procuradoria-Geral da República (PGR). Por enquanto, ela é válida e garante a Lula o direito de se candidatar, já que, sem as condenações, ele não pode ser barrado pela Lei da Ficha Limpa.

Qual o peso das mensagens da Operação Spoofing na decisão?

Mensagens trocadas por procuradores da Lava-Jato e por Moro, obtidas por um hacker e apreendidas na Operação Spoofing, em julho de 2019, foram mencionadas de maneira favorável a Lula nos votos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

Lula: Ex-presidente diz que não 'negará convite' para disputar Presidência em 2022 e sugere a Biden doação de excedente de vacinas

Os diálogos foram revelados pelo site “The Intercept Brasil” e utilizados publicamente pelos advogados e por apoiadores de Lula para reforçar a narrativa de que Moro teria agido com parcialidade e em conluio com MPF ao julgar o ex-presidente.

O habeas corpus analisado pela Segunda Turma, no entanto, foi elaborado em 2018, antes da divulgação das mensagens. Ainda que elas estejam incluídas no arcabouço da Operação Spoofing e não da Lava-Jato, onde se insere a discussão sobre a suspeição, as conversas vieram à tona durante o julgamento da suspeição de Moro.

Bela Megale: O novo gesto de Lula para se aproximar dos militares

Em fevereiro, ao proferir seu voto, Gilmar leu trechos dos diálogos e sugeriu que eles não tinham respaldo em “qualquer tipo de Código de Processo Penal da América Latina”. O ministro ressaltou, naquela ocasião e nesta terça-feira, que as mensagens não eram a base de seu voto, uma vez que, na opinião dele, o habeas corpus em discussão já continha razões para a suspeição se observados os atos processuais determinados por Moro.

— Em nenhum momento vou utilizar as informações de hacker para falar sobre este caso. E o demonstrei agora: é a prova dos autos. Não me façam nenhuma injustiça. Agora, acho que esses fatos (levantados pelos hackers) são historicamente relevantes e nós não podemos negar que eles existiram — declarou Gilmar nesta terça.

Nesta terça, o ministro Ricardo Lewandowski também ponderou que as mensagens foram usadas por ele como um "reforço" da argumentação, mas que o voto está baseado em outras provas.

Na contramão, o ministro Kassio Nunes Marques também citou os dados da Spoofing, mas destacou que eles são ilegais e, caso utilizados junto ao Supremo, seriam equivalentes à “legalização da atividade hacker” no Brasil.