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Brasil

Em 13 depoimentos, o sofrimento com a falta de leitos para Covid-19 no Brasil

Agravamento da pandemia sobrecarrega sistema de saúde e faz com que vaga de UTI se torne artigo raro no país
A luta dos doentes e seus familiares para sobreviver à Covid-19 sem leitos para todos no Brasil Foto: Arte
A luta dos doentes e seus familiares para sobreviver à Covid-19 sem leitos para todos no Brasil Foto: Arte

A pandemia no Brasil ganhou um elemento que aumenta o drama de milhares de pessoas infectadas e suas respectivas famílias: a falta de leitos de tratamento intensivo para a Covid-19 por todo país. Pessoas que manifestam a doença de forma mais grave têm nos cuidados da UTI muitas vezes o que faz a diferença entre a vida e a morte. E eles têm sido negados a um número cada vez maior de brasileiros.

Nas 11 primeiras semanas do ano, mais de 28 mil brasileiros morreram de Covid-19 nos hospitais do país sem passar por uma UTI. Os óbitos de pacientes que não chegaram ao tratamento intensivo em 2021 são 38% do total, sendo quase 40% entre 14 a 20 de março. São praticamente quatro em cada dez das 73.105 mortes por Covid deste ano na base do Sivep-Gripe, sistema usado pelo Ministério da Saúde para monitorar as internações nas redes pública e privada.

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Os relatos que chegam de quem vive o drama revelam a luta desesperada dos familiares para oferecer aos doentes maiores chances de sobreviver ao vírus. Quem enfrenta a espera por um leito de UTI de Covid-19 nas Unidades de Pronto Atendimento espalhadas pelo Brasil é obrigado a aguardar em condições deploráveis e a ver cenas que ficarão marcadas pelo resto da vida: a morte de pessoas e a luta inglória de esgotados profissionais de saúde.

'Chamo de assassinato, todo o sistema hospitalar falhou com minha mãe'

Camila Maia, 25 anos, é filha de Simone Tomaz, que morreu de Covid-19 no último dia 20, aos 47 anos
Camila Maia diz que sua mãe morreu sendo maltratada, 'internada' em uma cadeira Foto: Hermes de Paula / Agencia O Glob / Agência O Globo
Camila Maia diz que sua mãe morreu sendo maltratada, 'internada' em uma cadeira Foto: Hermes de Paula / Agencia O Glob / Agência O Globo

"Minha mãe estaria viva se tivesse sido internada quando foi ao hospital implorando por ajuda. Ela se chamava Simone Tomaz e tinha 47 anos. Adoeceu na primeira semana de março, junto com o meu padrasto Antônio, de 70. Eles logo começaram a se sentir muito mal, acho que foram infectados no trabalho, eram comerciantes em Mangaratiba. Procuraram por dias seguidos atendimento no Hospital Municipal Victor de Souza Breves. Estavam com falta de ar, muito cansaço e dores fortes. Mas foram despachados com alguns remédios.

No dia 11, minha mãe perdeu as forças e já não se levantava mais sozinha. Meu padrasto começou a não suportar a falta de ar. Internaram ele na unidade semi-intensiva e deixaram minha mãe “internada”, mas numa cadeira, na fila por uma UTI.

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Ela ficou sentada nessa cadeira com muita dor, sem comida, sem medicamento. No dia seguinte minha irmna levou uma quentinha para ela.

No dia 12 a colocaram num leito, mas nada de vaga na UTI. Ela piorou, pedia para urinar, ficou abandonada. Era diabética, além de hipertensa. Fiquei desesperada, implorei para que a levassem para uma UTI, mas não havia vaga em lugar nenhum.

Minha mãe só conseguiu leito de UTI no dia 14, quando foi transferida para o Zilda Arns, em Volta Redonda. Dois dias depois foi intubada. Mas os rins pararam e o coração não aguentou. Ela morreu no dia 20, sozinha. Há tão pouco tempo ela estava tão bem. Isso é assassinato. Todo o sistema hospitalar falhou".

'Não deram a ela a chance de lutar contra a doença'

Rouca, Rosângela Silva, 42 anos, gestora de RH, conta como foi a morte de Maria José Silva aos 61 anos

"Não leve a mal, estou tentando recuperar a minha voz. Foi uma semana lutando, implorando por uma vaga na UTI para minha mãe. Estou rouca porque minha voz chegou ao fim, igual à vida da mãe.

Desde fevereiro ela lutava contra um câncer de mama, fazia quimioterapia e os resultados eram animadores, o caroço vinha diminuindo. Em março, ela começou com uma febre que não cessava. Estava cansada, tossia seco. A gente pensava que era a quimioterapia. A febre continuou, ela não melhorava. Ela estava com Covid-19.

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Eles a intubaram, com ventilação mecânica, mas viram que não seria suficiente. O médico me chamou e disse que ela precisava de uma vaga na UTI.

Hoje a escolha de vaga para UTI de Covid-19 em Minas é uma loteria. Se você tiver 30 anos, consegue vaga. Se tem mais de 60 e comorbidade, 'não vale à pena'. É degradante.

Ela morreu e eu só queria que minha mãe tivesse tido a chance de lutar contra essa doença, como tantos tiveram".

'Minha mãe viu um monte de médicos ao redor de um corpo e reconheceu os pés do meu pai'

Laisla Coutinho, 25 anos, atendente, perdeu o pai e o avó no mesmo dia sem conseguir vaga em uma UTI
Luizvaldo, na última conversa com a família, pediu para deixar a UPA onde esperava vaga na UTI e via pessoas morrerem e serem intubadas Foto: Arquivo pessoal
Luizvaldo, na última conversa com a família, pediu para deixar a UPA onde esperava vaga na UTI e via pessoas morrerem e serem intubadas Foto: Arquivo pessoal

"Meu pai começou a apresentar os sintomas e desde então todos da nossa família tiveram. Fomos à UPA aqui em Natal e ele fez todos os exames e deu positivo para a Covid-19. O médico passou os medicamentos e ele fez tudo direitinho. Na quinta-feira, dia 11, mesmo assim piorou e levamos ele de novo, para se internar.

Enquanto isso, estávamos atrás de uma UTI. Conseguimos três vagas, mas sempre que íamos fazer a trasferência, dava algo errado. Tudo dificultava na UPA.

Sempre falávamos com ele no Whatsapp. Na última vez, ele estava tão agoniado, não queria ficar mais lá. Minha mãe respondeu tentando acalmá-lo, mas ele não respondeu. Minha mãe então foi lá. Tinham várias pessoas morrendo na frente dele, sendo intubadas. A enfermeira tocou nele para olhar para minha mãe, mas ele nem reagiu, estava cansado.

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Na terça, minha mãe voltou à UPA e, quando chegou, recebeu a notícia de que ele estava em quadro de urgência. Minha mãe sentiu aquele aperto no peito e correu para a porta. Ela viu um monte de médicos ao redor de um corpo e reconheceu os pés do meu pai. Ele foi intubado para morrer, praticamente. Isso foi às 17h. Quando deu meia-noite, teve três paradas e não resistiu.

Meu avô foi para a mesma UPA no domingo. Quando foi na terça, foi intubado. Nós enterramos meu pai e não deu tempo nem de descansar o corpo. Quando chegamos em casa, recebemos a notícia de que meu avô havia morrido. Ficamos revoltados porque perdemos duas pessoas por negligência. Temos esperança de que meu pai estaria vivo se ele tivesse conseguido ir para a UTI".

'Se tivesse conseguido a vaga, ele teria vivido'

Claudia Aparecida dos Santos, 45 anos, cuidadora de idosos, não conseguiu leito para o pai, José Luciano dos Santos, que faleceu
Cláudia Aparecida (no meio) não encontrou vaga para o pai, que depois de sete dias sem lugar em uma UTI, faleceu Foto: Arquivo pessoal
Cláudia Aparecida (no meio) não encontrou vaga para o pai, que depois de sete dias sem lugar em uma UTI, faleceu Foto: Arquivo pessoal

"No começo do mês, meu pai, de 77 anos, começou com uma gripezinha e resolvemos fazer o teste. Deu positivo. Três dias depois, minha mãe também testou positivo. Ele começou a tomar medicação e, no oitavo dia, passou muito mal, mas não quis ir ao médico. Já sem condições, foi para o pronto-socorro.

Logo que chegou, o intubaram. Meu pai estava em estado grave e precisava de uma vaga de UTI.

Foi aí que começou nosso desespero, nossa correria. Imploramos por um leito para médicos e enfermeiras, nada. A médica pediu vaga na minha frente: para Votuporanga, Catanduva, Araraquara, São José do Rio Preto, Barretos, Jaci. Ela também mplorou.

Meu pai morreu de insuficiência múltipla dos rins pois precisava de hemodiálise com urgência. Se tivesse conseguido vaga na UTI, teria sobrevivido.

A revolta é muito grande, difícil de aceitar. Perdemos uma grande pessoa. Nossa família está tentando seguir. Meu pai não teve tratamento digno".

'Meu Deus, me tira dessa, sou muito novo para ir embora'

Wandercleyson Magri, de 42 anos, tratorista numa usina de cana, escapou da morte sem ter a UTI que precisava
Wandercleyson Rodrigo Magri, de 42 anos, viu três pacientes morrerem por falta de vagas de UTI Foto: Ferdinando Ramos / Agência O Globo
Wandercleyson Rodrigo Magri, de 42 anos, viu três pacientes morrerem por falta de vagas de UTI Foto: Ferdinando Ramos / Agência O Globo

"Fui diagnosticado com Covid-19 no começo de março. Fiquei em tratamento em casa, tomei os medicamentos, mas piorei demais a partir do sétimo dia. Fui internado em estado grave num centro de emergência respiratória com febre alta, dor de cabeça e muita falta de ar.

Assim que cheguei, já entrei na fila por um leito de UTI na região. Depois de sete dias internado, meu estado de saúde piorou ainda mais. Passava muita coisa na minha cabeça, eu falava: “meu Deus, me tira dessa, sou muito novo para ir embora”. Aos 42 anos, dizia para os médicos: “pelo amor de Deus, arruma uma vaga pra mim, não quero morrer. Eu preciso viver. Tenho um filho de 15 anos, mulher, trabalho, tenho muita coisa para fazer”.

Vi algumas pessoas falecerem. Teve um homem de 55 anos que não resistiu. Dá muito medo ver alguém sendo intubado e pensar que pode ser você o próximo. Meu caso era muito grave, mas na graça de Deus… (chora). Quando completei dez dias internado, comecei a melhorar, sem ser intubado. Aos poucos, foram me tirando do oxigênio. Meu leito de UTI nunca saiu".

'No meio da noite, meu marido acordou com dor no peito. Era covid'

Sara Cambraia, cabelereira, 42 anos, conta que ambulância levou o esposo às pressas para UPA em Porto Alegre
A cabelereira Sara Cambraia, 42, espera notícias do marido que chegou nesta última madrugada no Postão da Vila Cruzeiro, em Porto Alegre Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
A cabelereira Sara Cambraia, 42, espera notícias do marido que chegou nesta última madrugada no Postão da Vila Cruzeiro, em Porto Alegre Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

“O meu marido está mal desde o dia 12 de março. Começou com calafrios, febre e depois passou a sentir muito sono e não queria mais comer. Foi piorando dia após dia. Na terça-feira (23), ele começou a sentir dor no peito e falta de ar

e achávamos que era algum problema cardíaco, não que fosse coronavírus. Ele é hipertenso e ex-fumante. Por isso, fomos primeiro até o hospital Santa Casa. Ele ficou no oxigênio por algum tempo, mas como é teimoso, decidiu voltar para casa após tomar remédio.

No meio da madrugada ele acordou com muita falta de ar. Eu fiquei desesperada e liguei para o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). A equipe de socorristas chegou em 15 minutos e, quando foram medir os sinais, a saturação dele estava em 75% (abaixo de 90% já é preocupante) e conseguiram elevá-la para 94% na ambulância.

Eu fui às pressas para a unidade. Fiquei lá até as 5h e ninguém me deu notícias e voltei para casa para descansar um pouco. Voltei para a unidade às 14h e de novo fiquei esperando até 18h30, mas novamente ninguém passou informações sobre o estado de saúde dele. No dia seguinte, cheguei ao postão às 7h e pedi pela médica que estava cuidando dele. Aí ela apareceu e disse que ele está estável, que não corre o risco de ser intubado. E se continuar evoluindo pode deixar a unidade em dois dias. Tomará que isso aconteça.

Meu marido trabalha com TI (tecnologia da informação) e ia na casa dos clientes. Pode ser que tenha contraído a doença dali. E ele usava máscara, mas não era toda hora”.

'Minha sogra deveria estar internada há uma semana, pelo menos, é uma loucura'

Marcos Antônio, também com Covid-19, conseguiu vaga para Miriam Mota Xavier, 79 anos
Marcos Antônio, na frente da UPA de Ricardo de Albuquerque, tentou vaga de UTI para a sogra Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Marcos Antônio, na frente da UPA de Ricardo de Albuquerque, tentou vaga de UTI para a sogra Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

"Ela começou com sintomas há mais de uma semana. Teve dores de cabeça fortes, febre e muita tosse. Primeiro, fomos a uma clínica particular, porque ela tem plano de saúde, mas apenas para ambulatório. Conseguimos fazer o exame de Covid-19 e deu positivo. Os médicos de lá disseram que ela deveria ser internada em UTI, mas que eles não podiam fazer nada.

Tentamos vaga em seis hospitais e não conseguimos. Depois de vários dias, decidimos vir para uma UPA. A oxigenação dela está muito baixa, ela está muito debilitada. Ficou com medicação, oxigênio e na lista de espera. Não nos deram previsão de tempo, só nos resta esperar. Estamos preocupados, ela é diabética e hipertensa. Minha sogra deveria estar internada há uma semana, pelo menos.

Estamos todos com Covid-19 em casa, eu, minha mulher e minha filha, de 19 anos. No meu caso, já estou com os pulmões comprometidos. Talvez também tenha de ser internado. No caso da minha sogra, é urgente porque a saturação dela está baixa. É uma loucura".

(Miriam ficou 48hs na UPA, até conseguir vaga no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla)

Patrícia, mulher de Marcos Antônio e filha de Miriam, sobre o marido:

"Ele piorou muito, está com a satuação baixa, febre persistente e foi novamente à UPA de Ricardo Albuquerque. Já está na terceira dose de antibióticos, precisaria ficar no oxigênio, mas foi feito um teste de PCR na UPA que demora uma semana para ter resultado. Até lá, os médicos não admitem recebê-lo e colocá-lo no oxigênio, apesar de sua saturação estar baixa e toda a família contagiada de Covid-19. Pensamos em alugar tubo de oxigênio, mas como se faz isso, como manter? Não sabemos usar isso. Ele precisaria internar, como minha mãe, mas não vão fazer nada até ter o resultado do teste. Uma semana! Fazem um teste que não serve para, dá negativo, as pessoas saem e contaminam todo mundo. Meu marido está em casa, tomando remédios, mas não queremos ir mais porque chegamos na UPA e não tem atendimento. Não temos sequer comprovante de que ele passou por lá".

'Eu não estou conseguindo trabalhar, choro, porque já tentei tudo que podia'

Tarcilla Alarcon, 32 anos, é sobrinha de Leilane Martins, 40 anos, internada com Covid-19 em um hospital de Goiânia
Leilane (à direita), que está internada, ao lado de sua mãe, Jussara Foto: Arquivo pessoal
Leilane (à direita), que está internada, ao lado de sua mãe, Jussara Foto: Arquivo pessoal

"Faz dez dias que minha tia aguarda uma vaga na UTI. Ela já estava no máximo de oxigênio e não conseguia respirar, simplesmente morrendo afogada por falta de ar. Foi necessário fazer uma intubação e como não tinham vagas disponíveis no hospital, a levaram para o centro cirúrgico e pegaram o respirador do carrinho de anestesia, por isso é uma UTI improvisada.

É um respirador utilizado para cirurgias e tem o risco dele falhar, porque nunca foi usado por tanto tempo assim. Quando entro em contato com a secretaria, eles falam que ela está na fila por uma vaga. Assim que vimos que não tinha transparência e clareza na regulação de vagas, decidimos entrar na Justiça há uma semana, mas não conseguimos decisão favorável e entramos com recurso. Temos medo de que não dê tempo. Ela está há oito dias nessa UTI improvisada, ela está sendo muito guerreira, porque não tem profissional adequado, não tem a estrutura adequada.

Para levarem ela para fazer tomografia foi a maior dificuldade. A situação dela é gravíssima. Quando ela passou mal há 19 dias atrás, ela foi para uma unidade de saúde e prescreveram a ela aquele kit covid e mandaram ela para casa mesmo passando muito mal e com muita falta de ar.

Quando ela deu entrada no hospital particular já estava com 50% do pulmão comprometido. Ela tem 40 anos e não tem nenhuma comorbidade, era uma da pessoas mais preocupadas, não saía de casa, morria de medo de pegar o vírus. Eu não estou conseguindo trabalhar, eu choro, porque já tentei tudo que eu podia. Acredito muito que minha tia está viva pela misericórdia de Deus, porque não tem os equipamentos corretos, não tem nada, ela está sendo muito forte.

Tem pessoas morrendo com a UTI, imagina quem não está nela, assim como minha tia. Se fala em dinheiro, crédito para empresário, sabemos que estão todos em barco difícil, mas entre escolher fazer um leito para minha tia e dar crédito para um comerciante, não é só para minha tia, é para todo mundo que está morrendo. É a vida em primeiro lugar".

(Horas após a entrevista, feita na terça-feira, Leilane conseguiu uma vaga de UTI a 200 km de Goiânia. A família precisou contratar uma UTI móvel, porque não havia serviço para a transferência)

'Minha mãe precisava estar quase morrendo para ir à UTI?'

Marcela Melo, 29 anos, conta a luta até encontrar leito para Melquiades da Graça Teixeira, de 70 anos, em Belém
Expressão de dor de dona Melquiades simboliza espera por UTI em Belém Foto: Agência O Globo
Expressão de dor de dona Melquiades simboliza espera por UTI em Belém Foto: Agência O Globo

"Minha mãe tomou a primeira dose da vacina no dia 8, mas no dia 11 apresentou os primeiros sintomas de que não estava bem. Cansaço, febre alta, falta de disposição. Ela sempre foi de acordar bem cedo, mas um dia se levantou tarde. Levamos para ela fazer um exame e descobrimos que o pulmão estava 50% comprometido.

Foi quando começamos a tentar interná-la. Levamos a uma UPA, o médico trocou a ficha dela com a de outra paciente, começou a dizer que ela era cardíaca, que tinha várias comorbidades. Eu disse que não, que ele poderia acabar dando uma medicação errada para minha mãe. O médico me respondeu que sabia o que estava dizendo pois era médico e eu respondi que sabia também porque era minha mãe. Levei ela de volta para casa.

Com a ajuda de vizinhos, conseguimos oxigênio para ela, mas o moço que veio trazer o segundo galão avisou que aquilo não ia adiantar, que a gente precisava internar a minha mãe.

Fomos então para a UPA da Sacramenta. Tivemos de colocar minha mãe na fila, deixaram ela sentada numa sala com vários outros pacientes, mandaram eu comprar fralda para ela porque não tinha oxigênio para levá-la ao banheiro.

Eu e meu irmão ficamos desesperados com aquilo e começamos a discutir com o pessoal da UPA, queríamos uma vaga de UTI para minha mãe, era o direito dela. Aí nos disseram que havia indicação de UTI mas que havia outras pessoas na fila. Ficamos doidos, ela precisava estar quase morrendo para ir para UTI então?

Ameaçamos chamar a polícia, a imprensa, não pararíamos enquanto minha mãe não fosse internada. Até que conseguimos um lugar no Hospital de Campanha de Belém. Se Deus quiser ela vai se recuperar".

'Me leva para o hospital que não estou bem', pediu cunhada

Bibliotecária Carmen Helena Schildt, de 56 anos, que família se reuniu para comemorar aniversário
Carmen Helena Schildt, 56, bibliotecária, veio trazer a cunhada para atendimento em uma UPA de Porto Alegre Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Carmen Helena Schildt, 56, bibliotecária, veio trazer a cunhada para atendimento em uma UPA de Porto Alegre Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

“Há duas semanas, decidimos comemorar os 50 anos do meu sobrinho. Era uma festa pequena, com só seis pessoas, em um lugar grande e espaçoso. Mas no dia seguinte, meu filho Cristian Schildt Silva, 27 anos, e minha cunhada Maria Traslatti, 65 anos, começaram a sentir dor pelo corpo e garganta, sintomas da Covid-19. Os dois estavam na festa de aniversário.

Dias depois eles positivaram para a doença. Os dois ficaram em suas casas tentando lidar com a doença e eu os monitorava. Meu filho ficava trancado no quarto e, para evitar contágio, eu passava a comida para ele por debaixo da porta, como se você fosse um cachorro. Está se recuperando bem a cada dia que passa. Não teve mais febre, as dores no corpo vem melhorando a cada dia e tem se alimentado bem.

Já para a minha cunhada, eu ligava todo dia às 9h para saber como ela estava. Na última quarta-feira (24), eu telefonei e pela voz percebi que ela estava com dificuldade para respirar. Estava com a voz ofegante, como quem está com gripe, sabe?. Ela me contou que estava com febre e sem se alimentar há alguns dias. Por último disse na ligação: ‘Me leva no hospital que eu estou mal’.

Moramos no bairro Passo das Pedras (na zona norte de Porto Alegre) e corremos para a UPA mais próxima. A saturação dela estava muito baixa. E ela acabou sendo internada no local, enquanto aguardava a abertura de um leito de UTI em um hospital. Quem olha de fora da UPA, até acha que está tudo tranquilo ali, mas do lado de dentro está cheio de gente”.

'Estamos preocupados, meu irmão está acima do peso, tem pressão alta, precisa se internar de qualquer jeito'

Mônica retrata a angustia da espera por uma vaga de UTI para André Luiz Marques, 50 anos
Mônica luta pela internação do irmão André, na UPA de Engenho de Dentro, no Rio Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Mônica luta pela internação do irmão André, na UPA de Engenho de Dentro, no Rio Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

"Meu irmão fez o teste no dia 17 de março, o resultado foi que ele estava com Covid. André trabalha como motorista de van numa empresa de eventos. Todas as semanas fazem o teste e quando a pessoa se contagia não pode trabalhar.

Ele ficou vários dias em casa, se cuidando direitinho. Mas começou a se sentir um pouco cansado e por isso decidimos trazê-lo, para ver como ele estava, para que algum médico pudesse avaliar. Quando chegamos aqui na UPA disseram que a saturação dele estava muito baixa e que ele deveria ficar em observação.

Ele precisa ser internado, mas no momento não tem vaga em lugar nenhum. Agora, ele deverá ficar aqui esperando até que consigam uma vaga em UTI. Já estão tentando, mas não tem previsão. Ele está no oxigênio. Estamos preocupados porque ele está acima do peso, tem pressão alta, ele precisa internar de qualquer jeito. Mas agora temos de esperar. Por enquanto, é a única pessoa da família que se contagiou, estamos angustiados com essa situação. Esperamos que a vaga apareça rápido".

'Minha irmã conseguiu sair da fila, mas minha mãe não'

Gisele Malet, de 33 anos, sofre com o surto da Covid-19 dentro da família
Gisele Mallet cuida dos familiares com a Covid-19 Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Gisele Mallet cuida dos familiares com a Covid-19 Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

"Em casa há quatro pessoas com coronavírus: minha irmã, minha mãe, meu pai e meu cunhado. Fiquei responsável por todos — e ainda por cuidar do meu filho e de meu sobrinho. Já estou há uma semana nesta função.

Minha irmã, Vânia, de 53 anos, foi a primeira a apresentar os sintomas, com tosse e falta de ar. Achamos que fosse gripe. No dia 15 de março, ela fez o teste e, dois dias depois, saiu o resultado positivo para a Covid-19. Ela também foi a primeira a ser hospitalizada.

Vânia ficou quatro dias esperando um leito de UTI no Postão da Cruzeiro (zona sul de Porto Alegre) até ser transferida para o Hospital da Restinga, onde está agora. Ela está intubada e precisou ser sedada na quarta-feira por insuficiência respiratória.

Depois, foi a vez da minha mãe, dona Ineida, de 69 anos, piorar o estado de saúde e apresentar dores fortes pelo corpo e falta de ar. Acabei a levando para o Postão da Cruzeiro. E ela segue lá, caso crítico, e na fila da UTI. A situação é muito ruim, e parece que não termina nunca".

'A morte do meu marido agora é algo iminente para nós'

Raquel Teixeira, 50 anos, é casada com Nivaldo Teixeira, de 53, internado com Covid-19 em uma UPA no Distrito Federal
Raquel Maria Teixeira Ribeiro está tentando conseguir leito de UTI para o seu marido Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Raquel Maria Teixeira Ribeiro está tentando conseguir leito de UTI para o seu marido Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

"O médico me disse que meu marido precisa ser intubado e que precisa de uma UTI e de uma estrutura que não há na UPA. Então, me orientaram a procurar a defensoria para tentar uma ação judicial para conseguir uma vaga. É urgente a necessidade da UTI. A morte dele agora é algo iminente para nós.

No início, todos os dias ia à UPA para saber informações, agora eles disseram que vão nos dar notícias pelo telefone, porque estava gerando muita aglomeração. Está um caos. Carros de funerária chegando e saindo. Recebemos notícias a cada 24 horas e devido à situação dele estamos muito angustiados. É uma sensação de impotência.

Em meio a tudo isso, o presidente além de não ajudar, piora. O nosso país é o mais devastado e não temos nem esperança. A vacinação deveria estar mais avançada.  Ele defende medidas para favorecer a economia, mas se esquece de que morto não trabalha. O ministro da saúde, independentemente de quem estiver lá, é um fantoche dele. É muito triste que no nosso pior momento enquanto país estejamos com um presidente como esse".

(A entrevista foi feita na terça-feira, dias depois, na madrugada de quinta-feira, Nivaldo conseguiu um leito de UTI)

*Os depoimentos na reportagem foram para Aline Ribeiro, Ana Lucia Azevedo, Bruno Marinho, Hygino Vasconcellos, Janaína Figueiredo, Paula Ferreira e Thiago Herdy.