Moedas e Juros

Por Gustavo Ferreira, Valor Investe


O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) subiu nesta quarta-feira (17) a meta para os juros básicos (Selic) em 0,75 ponto, aos 2,75% ao ano. O patamar anterior era a mínima histórica alcançada pela taxa de referência no Brasil, habitada desde agosto do ano passado.

A decisão foi unânime. E esta alta não deve ser a última. Em comunicado, o BC avisou que, exceto por "uma mudança significativa nas projeções de inflação ou no balanço de riscos, o Comitê antevê a continuação do processo de normalização parcial do estímulo monetário com outro ajuste da mesma magnitude".

Caso se confirme esse prognóstico, portanto, daqui a 42 dias a Selic pode ir até 3,5% ao ano.

A última vez em que a Selic havia sido erguida foi em 2015, quase seis anos atrás, aos 14,25% ao ano. Passou a cair a partir de 2016, com alguns intervalos de pausa, até os 2% ao ano agora abandonados.

Uma minoria entre analistas acreditava que, mesmo com a atividade econômica em contração, seria preciso um "choque de juros" para esfriar os preços, com uma alta na Selic de 0,75 ou mesmo um ponto. E o choque chegou.

A decisão tomada pelo BC ficou desalinhada, dessa forma, da maior parte das apostas aferidas pelo Valor Data, que mirava num ajuste de meio ponto para cima. Em linhas gerais, seria um meio do caminho entre uma economia fragilizada por inevitáveis restrições de mobilidade para salvar vidas, e carente ainda de uma taxa estimativa, e uma inflação outrora vista com "temporária", mas que não vai embora.

Inflação "temporária" está durando

A alta no custo de vida medida pelo IPCA de fevereiro apontou para 5,20% em 12 meses. Está a bem além do centro da meta perseguida pelo BC neste ano, de 3,75% ao ano até dezembro. E a apenas um triz do topo da meta de 5,25% ao ano.

O principal vilão da inflação nos primeiros desses 12 meses foi o preço dos alimentos. Com as principais economias reagindo em grande parte na base de incentivos ao consumo, commodities agropecuárias sofreram forte choque de demanda global. E a "lei da oferta e da procura" tratou de agir jogando preços ao alto.

Além disso, riscos de várias ordens, entre sanitários, políticos, fiscais e ambientais, afugentam a moeda americana do país. Assim, produzir internamente em reais e vender em dólares virou um baita negócio para o produtor local, que prefere exportado boa parte de sua produção. Se mais escassos aos brasileiros, mais caros. De novo, a maldita da "lei" sendo implacável.

Mais recentemente, a vilania da alta generalizada dos preços tem sido da gasolina. De um lado, o choque de demanda internacional citado acima também impulsionou a compra de petróleo, que entrou em rali (sem hora para acabar) e puxa preços de combustíveis junto dele. De outro, a alta do dólar interfere nesse ritmo, por também compor parte significativa do preço da gasolina.

“O Comitê considerou o risco de uma inflação acima do teto da meta em 2021 real e que poderia prejudicar a inflação de 2022", diz Flávio Aragão, sócio da 051 Capital. "A decisão parece acertada, visto que o impacto dos itens dolarizados na inflação tem sido relevante e aumentos mais acelerados pode gerar uma valorização do real e tirar pressão dos itens mais impactados pela moeda”.

"A continuidade da recente elevação no preço de commodities internacionais em moeda local tem afetado a inflação corrente e causou elevação adicional das projeções para os próximos meses, especialmente através de seus efeitos sobre os preços dos combustíveis", escreveu o BC em seu comunicado. No entanto, a autoridade segue frisando que acredita que seja "temporário".

"A decisão passa uma mensagem ao mercado de que o BC está vigilante e que não hesitará em agir de forma tempestiva para fazer com que a meta de inflação seja cumprida", avalia Alexandre Espirito Santo, da Órama. "Com a inflação rodando acima de 5% em 12 meses e a taxa básica em 2% ao ano, estávamos praticando um juro real negativo de 3%, o que nos parecia pouco condizente com a trajetória recente dos preços."

Esta alta da Selic foca menos em coibir o consumo local, já que juros a 2,75% ao ano seguem bem abaixo do que se poderia chamar de um "aperto monetário". Para isso, nos cálculos mais recentes do BC, seria preciso juros ao ano além dos 6%. Esta alta de juros foca nessa frente cambial. Com eles mais altos, o retorno oferecido pela renda fixa brasileira passa a se tornar mais alinhado a toda sorte de riscos oferecidos aqui. E, dessa forma, mais dólares podem ser atraídos ao país ou menos afugentados. O que, por sua vez, pode pressionar o seu preço em reais para baixo.

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimento, destaca essa visão do BC, de que a economia brasileira não necessita mais de um grau tão forte de estímulo como vinha sendo dado. "Um segundo ponto importante foi ancorar as expectativas para 2022, já que o controle das expectativas vinha começando a ser perdido pelo BC", diz. "Caso isso acontecesse, seria muito difícil de ser revertido, causaria em perda de credibilidade deletéria para o futuro da política de juros no Brasil."

João Beck, economista e sócio da BRA, está no time dos surpresos, mas gostou da decisão. "Decidindo por um caminho de menor consenso, ancora melhor a expectativa e leva uma sinalização forte ao mercado de responsabilidade com a meta", diz.

Leonardo Milane, sócio e economista da VLG Investimentos, aponta para a velocidade em que vinham subindo as projeções de inflação do mercado nos últimos tempos, bem como vinha sendo levada para cima a ponta curta da curva de juros futuros. "O BC tenta agora concertar as coisas", diz. "A inflação em si depende não só dos preços correntes, que estão altos, mas também das expectativas."

LEIA A ÍNTEGRA DO COMUNICADO

Em sua 237ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic para 2,75% a.a.

A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:

No cenário externo, novos estímulos fiscais em alguns países desenvolvidos, unidos ao avanço da implementação dos programas de imunização contra a Covid-19, devem promover uma recuperação mais robusta da atividade ao longo do ano. A presença de ociosidade, assim como a comunicação dos principais bancos centrais, sugere que os estímulos monetários terão longa duração. Contudo, questionamentos dos mercados a respeito de riscos inflacionários nessas economias têm produzido uma reprecificação nos ativos financeiros, o que pode tornar o ambiente desafiador para economias emergentes;

Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores recentes, em particular a divulgação do PIB do quarto trimestre, continuaram indicando recuperação consistente da economia, a despeito da redução dos programas de recomposição de renda. Essas leituras, entretanto, ainda não contemplam os possíveis efeitos do recente aumento no número de casos de Covid-19. Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o primeiro e segundo trimestres deste ano;

A continuidade da recente elevação no preço de commodities internacionais em moeda local tem afetado a inflação corrente e causou elevação adicional das projeções para os próximos meses, especialmente através de seus efeitos sobre os preços dos combustíveis. Apesar da pressão inflacionária de curto prazo se revelar mais forte e persistente que o esperado, o Comitê mantém o diagnóstico de que os choques atuais são temporários, mas segue atento à sua evolução;

As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se em níveis acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação;

As expectativas de inflação para 2021, 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,6%, 3,5% e 3,25%, respectivamente; e

No cenário básico, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de R$5,70/US$*, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 5,0% para 2021 e 3,5% para 2022. Esse cenário supõe trajetória de juros que se eleva para 4,50% a.a. neste ano e para 5,50% a.a. em 2022. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 9,5% para 2021 e 4,4% para 2022.

O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.

Por um lado, o agravamento da pandemia pode atrasar o processo de recuperação econômica, produzindo trajetória de inflação abaixo do esperado.

Por outro lado, um prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia que piore a trajetória fiscal do país, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.

O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.

Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para 2,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021 e, principalmente, o de 2022.

Os membros do Copom consideram que o cenário atual já não prescreve um grau de estímulo extraordinário. O PIB encerrou 2020 com crescimento forte na margem, recuperando a maior parte da queda observada no primeiro semestre, e as expectativas de inflação passaram a se situar acima da meta no horizonte relevante de política monetária. Adicionalmente, houve elevação das projeções de inflação para níveis próximos ao limite superior da meta em 2021.

Por conseguinte, o Copom decidiu iniciar um processo de normalização parcial, reduzindo o grau extraordinário do estímulo monetário. Por todos os fatores enumerados anteriormente, o Comitê julgou adequado um ajuste de 0,75 ponto percentual na taxa Selic. Na avaliação do Comitê, uma estratégia de ajuste mais célere do grau de estímulo tem como benefício reduzir a probabilidade de não cumprimento da meta para a inflação deste ano, assim como manter a ancoragem das expectativas para horizontes mais longos. Além disso, o amplo conjunto de informações disponíveis para o Copom sugere que essa estratégia é compatível com o cumprimento da meta em 2022, mesmo em um cenário de aumento temporário do isolamento social.

Para a próxima reunião, a menos de uma mudança significativa nas projeções de inflação ou no balanço de riscos, o Comitê antevê a continuação do processo de normalização parcial do estímulo monetário com outro ajuste da mesma magnitude. O Copom ressalta que essa visão para a próxima reunião continuará dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos, e das projeções e expectativas de inflação.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fabio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.

*Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio R$/US$ observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

juros alta porcentagem taxa — Foto: Getty Images
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