Economia Investimentos

Brasil é um dos primeiros países do G-20 a subir juros, na contramão das principais economias do mundo

BCs de 11 nações se reúnem até o fim desta semana. Mercado projetava alta da Selic para 2,5%, mas a alta foi de 0,75 ponto percentual, para 2,75%
Expectativa é de uma alta nos juros de 0,5 ponto percentual. Aumento da Selic afeta desde a dívida pública até o comercio de rua Foto: GIULIANO GOMES / Infoglobo
Expectativa é de uma alta nos juros de 0,5 ponto percentual. Aumento da Selic afeta desde a dívida pública até o comercio de rua Foto: GIULIANO GOMES / Infoglobo

RIO — O Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou hoje uma elevação da taxa básica de juros (Selic) em 0,75 ponto percentual, situando-a em 2,75% ao ano, movimento que coloca o Banco Central brasileiro na contramão das principais autoridades monetárias do mundo.

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Os bancos centrais de vários países, dos EUA ao Japão, se reúnem a partir desta quarta-feira para decidir sobre taxas de juros. Serão ao menos 11 anúncios até o fim da semana. Enquanto o BC americano manteve os juros no nível de 0% a 0,25%, uma postura mais cautelosa, o BC brasileiro foi um dos primeiros a elevar os juros entre os países do G-20 (que reúne as principais economias do mundo).

A Turquia, onde os juros estão em 17% ao ano, também deve elevar a taxa na sexta-feira. Veja a expectiva para outras economias abaixo.

No Brasil, é a primeira elevação da Selic desde 2015, num momento em que a economia está fragilizada, com agravamento da pandemia e desemprego elevado. Entre as explicações para a retomada da alta dos juros estão o aumento da inflação e a escalada do dólar.

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A elevação dos juros já está precificada pelo mercado, restando saber qual será o ritmo do aperto. Por esse motivo, não somente a decisão de hoje é importante, mas também o comunicado do BC.

Levantamento feito pelo GLOBO com 16 instituições financeiras e consultorias mostrou que a maior parte apostava numa alta de 0,5 ponto percentual. O aumento da Selic para 2,5% era esperado por 15 das instituições consultadas pelo GLOBO. Um delas, a Novus Capital, projetava aumento de 0,75 ponto percentual.

Para o fim do ano, o patamar de 5% é estimado por seis consultorias. A marca de 4% é mencionada por quatro e a de 4,5% é estimados por três.

O Boletim Focus divulgado na segunda-feira pelo Banco Central, que reúne expectativas de analistas de mercado, prevê a Selic em 4,5% ao fim de 2021.

O peso da inflação

A inflação medida pelo IPCA surpreendeu ao ficar em 0,86% em fevereiro, bem acima das expectativas do mercado. Foi o maior resultado para o mês desde 2016. Com isso, as projeções para a inflação e Selic para o fim do ano também foram elevadas.

No Boletim Focus desta semana a projeção é que o IPCA feche o ano em 4,60%, ante alta de 3,98% na semana anterior, bem acima do centro da meta para 2021, de 3,75%.

— Anteriormente, a minha perspectiva era de que o Copom começaria a subir a Selic após o primeiro semestre de 2021, de forma gradual. Contudo, isso era embasado com expectativa de inflação que não ameaçaria a meta — afirma Paloma Brum, analista de investimentos da Toro Investimentos.

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Segundo a especialista, fatores domésticos e externos contribuem para pressão inflacionária e para a desvalorização do real, como o risco-país mais elevado e o aumento das expectativas de alta na inflação americana.

Isso porque, um possível aumento dos juros nos EUA para conter o avanço dos preços no futuro eleva o rendimento dos títulos de longo prazo do Tesouro americano, o que costuma levar a uma fuga de capital de ativos de risco e das economias emergentes, como o Brasil.

Com a saída de dólares do Brasil, a moeda americana se valoriza contra o real, o que afeta preços de insumos importados, por exemplo, com impacto para o custo da produção de bens pela indústria e outros setores.

Preços das commodities

Para o superintendente executivo de pesquisas macroeconômicas do Santander, Mauricio Oreng, as pressões inflacionárias também ocorrem devido a um forte choque no preço das commodities, em especial no setor agropecuário.

— Estes choques de preços de matérias-primas e custos de produção se propagam de maneira ainda mais intensa que o usual na economia brasileira, dada a tendência de depreciação cambial, e contando ainda com alguma contribuição adicional da postura expansionista das políticas fiscal e monetária — afirma.

Aumento no preço de commodities como a soja também impacta na inflação. Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Aumento no preço de commodities como a soja também impacta na inflação. Foto: Fotoarena / Agência O Globo

Em relatório, o BTG Pactual avalia que o quadro geral da economia piorou desde a última reunião do Copom, em 20 de janeiro, “alterando as expectativas do mercado em relação não apenas ao início do ciclo de alta da Selic, mas também o debate sobre a velocidade adequada desta retomada”.

Para o BTG, entre os fatores que contribuíram para esse novo cenário estão a piora da pandemia do coronavírus e a retomada da economia americana numa velocidade maior que a esperada, em meio ao avanço da campnha de imunização.

Para o banco, que aposta em uma alta de 0,5 ponto percentual, o BC não terá tanto tempo para fazer ajustes graduais, precisando agir para conter a depreciação do real e a aceleração das expectativas de inflação.

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Em janeiro, a aposta do BTG era de uma Selic a 3,75% e no fim do ano. A Bradesco e a Guide Investimentos esperavam altas na taxa, mas não a partir do encontro do Copom em março.

Ritmo de alta

Para Oreng, que também acredita em aumento de 0,5 ponto percentual na reunião de hoje, um ritmo mais acelerado de altas pode ser visto mais à frente, a depender do cenário econômico.

— Reconhecemos que não são desprezíveis uma elevação de 0,75 ponto percentual. É possível que esse ritmo seja observado em reuniões subsequentes, dependendo da evolução do cenário.

Ele continua:

— Ainda que o BC possivelmente indique intenção inicial de calibrar os juros de forma a manter algum estímulo ao final do processo, acreditamos que o Copom deverá explicitar que a velocidade e intensidade do ajuste será condicional à evolução do cenário prospectivo para a inflação e o balanço dos riscos.

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Para Paloma, da Toro Investimentos, pode-se esperar novas altas em 2021. Ainda que isso não signifique a retomada dos juros em patamares tão elevados quanto em outros momentos. Resta saber, nos próximos meses, o quanto as pautas econômicas do governo conseguirão avançar e o quão prejudicada estará a situação fiscal do país

— Caso o BC demore a iniciar o movimento de alta da Selic, estará incorrendo no risco de ter que fazê-lo tardiamente, o que pode causar uma disparada inflacionária mais forte, levando ao aumento do nível de preços a um patamar mais difícil de se controlar no futuro.

O que esperar dos outros BCs

EUA

O Comitê Federal de Mercado Aberto do Fed, que fez sua segunda reunião do ano hoje, manteve  a taxa de juros na faixa de 0% a 0,25%.

Presidente do Fed, banco central americano, Jerome Powell durante sessão no Senado americano. Investidores aguardam posicionamento da autoridade monetária sobre os juros no país. Foto: POOL New 01/12/2020 / REUTERS
Presidente do Fed, banco central americano, Jerome Powell durante sessão no Senado americano. Investidores aguardam posicionamento da autoridade monetária sobre os juros no país. Foto: POOL New 01/12/2020 / REUTERS

Inglaterra

As taxas de juros britânicas estão em 0,1%. O Banco da Inglaterra se reúne na sexta-feira, e economistas esperam um aperto da política monetária, com alta dos juros.

Mas a instituição disse que isso não acontecerá até que haja evidências claras de que a capacidade ociosa  da economia britânica está sendo eliminada e que o país está mais perto de atingir de forma sustentável sua meta de inflação de 2%

Rússia

O Banco da Rússia também deve manter sua política monetária inalterada, embora os analistas vejam uma crescente  postura de aperto da política monetária conforme a inflação aumenta no país. A taxa de juros hoje é de 4,25%.

Japão

Espera-se que o Banco do Japão revele uma série de ajustes em sua estrutura de política monetária, em sua reunião entre 18 e 19 de março.

Em janeiro, o banco central nipônico manteve a taxa em -0,1% para os juros de curto prazo e em torno de 0% para os rendimentos dos títulos de 10 anos.

Segundo as projeções de analistas para a Reuters, apesar da revisão prevista, as taxas devem ser mantidas.

Turquia

A taxa de juros do país está atualmente em 17%. Na reunião das autoridades monetárias na sexta-feira, é esperado um aumento na taxa, para combater a inflação no país, que está em 15%, uma das maiores entre os mercados emergentes.