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Entenda em 10 perguntas a posição do Brasil na cúpula sobre o clima de Biden

Governo Bolsonaro reivindica recursos para combater devastação da Amazônia e zerar emissões de gases estufa, mas promove políticas de desmonte ambiental
Expansão de fazenda em área de queimada no Mato Grosso: governo afirma que precisa de mais recursos para fiscalizar a Amazônia Foto: VICTOR MORIYAMA/NYT/31-8-2019 / Arte O Globo
Expansão de fazenda em área de queimada no Mato Grosso: governo afirma que precisa de mais recursos para fiscalizar a Amazônia Foto: VICTOR MORIYAMA/NYT/31-8-2019 / Arte O Globo

RIO — De país exemplar a pária climático, o Brasil sofreu uma reviravolta em sua política ambiental nos últimos cinco anos. O país recebeu recursos da ONU por reduzir o desmatamento entre 2014 e 2015 e doações bilionárias da Noruega e da Alemanha, mas elas tiveram sua aplicação congelada após a extinção de comitês gestores pelo governo. Agora, o presidente Jair Bolsonaro chega à Cúpula de Líderes sobre o Clima reivindicando US$ 10 bilhões anuais para que o país neutralize as emissões de carbono até 2050, antecipando o prazo original, que era de 2060 , para adequá-lo ao proposto por EUA e União Europeia. É uma cobrança incomum e de valor arbitrário, diferente das propostas apresentadas por outras nações nos documentos em que revisam suas metas do Acordo de Paris. Veja abaixo as principais questões que envolvem a participação do Brasil na cúpula, que foi convocada pelo presidente americano Joe Biden e ocorrerá em 22 e 23 de abril.

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Quais foram as metas apresentadas pelo Brasil no Acordo de Paris, de 2015?

O Brasil assumiu, no documento climático, o compromisso voluntário de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030 , em relação aos níveis constatados em 2005. Também estabeleceu que o desmatamento ilegal da Amazônia seria zerado em 2030. O país foi elogiado na comunidade internacional por abrir um canal de diálogo entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos, que tinham diferenças históricas sobre a divisão de responsabilidades para evitar as mudanças do clima.

Cinco anos depois, em 2020, o que mudou?

O Brasil manteve a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030, assim como os percentuais para a redução de emissões de carbono — 37% até 2025 e 43% até 2030, ante os níveis de 2005. No entanto, o índice de liberação de poluentes em 2005, o ano de referência, foi revisado, o que permitirá que o país cumpra o compromisso internacional mesmo se o desmatamento da Amazônia for superior a 13 mil km². Para comparação, a devastação da floresta em 2020 foi de 11.088 km².

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Além disso, o país previu a neutralização das emissões de carbono apenas em 2060 — os EUA e a União Europeia estimam cumprir esta meta uma década antes. O governo federal, no entanto, afirmou que poderia antecipar o resultado, caso receba US$ 10 bilhões anuais de países desenvolvidos.

Essa cobrança é válida?

Não há um impedimento legal, mas não é um procedimento comum. Muitos países entregam à ONU suas metas para redução de emissões detalhando planos que poderiam ser realizados caso recebam verbas adicionais. O Brasil, porém, está determinando o valor que quer receber e não mostra como pretende usar os recursos — quais ações tomará, em que prazo, com que parceiros e eventuais riscos.

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Como foi a repercussão internacional?

A revisão do compromisso brasileiro foi considerada decepcionante, e o país não foi convidado a discursar em uma cerimônia em homenagem aos cinco anos do Acordo de Paris , em dezembro do ano passado, onde mais de 70 nações apresentaram os avanços de suas políticas ambientais. O Itamaraty apelou, sem sucesso, para que o país fosse incluído no evento.

O governo já recebeu recursos por reduzir o desmatamento?

Sim. Em 2019, o Brasil obteve US$ 96,5 milhões (cerca de R$ 540 milhões) do Fundo Verde do Clima (GCF, na sigla em inglês), devido à redução do desmatamento entre 2014 e 2015. O GCF foi criado pelo Acordo de Paris e financia projetos que contribuem para a redução das mudanças climáticas.

Além disso, o país conta com o Fundo Amazônia, iniciativa de doação de recursos pela Alemanha e pela Noruega. No entanto, novos repasses foram suspensos após o governo extinguir comitês que orientavam quais projetos seriam financiados. O país conta com cerca de R$ 2,9 bilhões parados em caixa desde 2019 , segundo levantamento do Observatório do Clima enviado ao STF.

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O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também reivindicou que o país receba US$ 1 bilhão na cúpula desta semana para combater o desmatamento da Amazônia. Parte dos recursos seria usada na mobilização da Força Nacional, que reforçaria a fiscalização da floresta.

Os países desenvolvidos devem dinheiro às nações em desenvolvimento?

Em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a criar um fundo anual de US$ 100 bilhões até 2020 para financiar projetos climáticos em nações em desenvolvimento. O Brasil cobra recursos, mas, para isso, precisa apresentar os projetos em que pretende investir. Além disso, mais de 150 países concorrem à verba, entre eles os africanos e os Estados insulares , que podem desaparecer até o fim do século, devido ao aumento do nível do mar.

O desmatamento é fonte de mais de metade da liberação de poluentes pelo país. Como pode ser reduzido?

A medida mais cobrada seria injetar mais recursos na área ambiental. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) previsto para 2021 é o menor desde o início do século . Houve, também, uma redução de 29,1% da destinação de recursos para o Ibama e de 40,4% para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) este ano, em relação aos valores de 2019. Para compensar a perda de recursos financeiros e humanos das autarquias do MMA, ambientalistas defendem que as Forças Armadas deem suporte às operações do Ibama.

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Qual será o plano apresentado pelo governo na cúpula?

O Brasil deve levar à mesa o Plano Amazônia 2021/2022, assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão na última quarta-feira, que visa nortear a conservação do bioma nos próximos dois anos. O programa, no entanto, é pouco ambicioso, porque permite que a taxa de desmatamento atinja 8,7 mil km² ao final de 2022, um valor 16% superior ao visto em 2018 , último ano antes do início do governo Bolsonaro. Além disso, o texto não informa o contingente e o orçamento necessários para sua realização, e institui um prazo muito curto — em alguns casos, de apenas 15 dias — para que ministérios comecem a adotar medidas complexas, como o deslocamento de servidores e infraestrutura para a conservação da floresta.

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Como as organizações ambientalistas reagiram?

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, avalia que o plano é uma “carta de despedida do Mourão”, que preside o Conselho Nacional da Amazônia: “Em alguns trechos, o plano diz: ‘o governo precisa planejar’. Não quer dizer nada”. Fabiana Alves, coordenadora da Campanha de Clima do Greenpeace, considera o plano “vazio” e “uma tentativa desesperada de receber recursos externos sem, de fato, se comprometer em conter as mudanças climáticas”.

Que meta ambiciosa poderia ser assumida pelo governo?

Paulo Moutinho, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), destaca que o governo federal deve dar uma finalidade às terras públicas não destinadas — uma área de 50 milhões de hectares, equivalente ao tamanho da Espanha, onde ocorre até 30% do desmatamento do país, e extensivamente usada para grilagem. De acordo com a lei, ela deve ser convertida em unidades de conservação ou territórios indígenas.

O climatologista Carlos Nobre recomenda a criação de uma PEC que proteja o Código Florestal de projetos de lei e medidas provisórias ligadas à regularização fundiária, que, em última instância, podem contribuir para a anistia ao desmatamento ilegal — foi o caso da MP 910, conhecida como MP da Grilagem, que caducou em maio do ano passado no Congresso . O governo Bolsonaro é favorável à reforma do Código.