BRASÍLIA — A confirmação de que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello vai prestar depoimento à CPI da Covid e a possibilidade de que outros integrantes do núcleo duro da pasta durante sua gestão possam ser convocados aumentou a pressão sobre o Palácio do Planalto e as Forças Armadas. Pontos sensíveis na atuação da “tropa de Pazuello”, que já estão na mira de investigações do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) e também serão rastreados pela comissão, preocupam os dois núcleos.
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Ex-auxiliares de Pazuello estão envolvidos na demora para a aquisição de vacinas, na compra e estímulo ao uso de remédios ineficazes para combater o novo coronavírus e na falta de controle do estoque de oxigênio hospitalar e de medicamentos necessários à intubação, entre outros pontos que serão explorados pelos senadores. A atuação — ou, em alguns casos, a omissão — aparece em documentos e em declarações públicas ao longo da pandemia.
O grupo mais próximo a Pazuello tem seis integrantes: o coronel do Exército Élcio Franco, que foi secretário-executivo, segundo posto na hierarquia da pasta; o coronel e ex-secretário de Atenção Especializada Luiz Otávio Franco Duarte; o marqueteiro Marcos Soares, conhecido como Marquinhos Show; a secretária de Gestão do Trabalho, Mayra Pinheiro; o secretário de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos, Hélio Angotti; e o ex-assessor Airton Antônio Soligo, conhecido como Airton Cascavel. Pazuello se referia a parte dos auxiliares de confiança como “os condenados”.
A caserna teme que o envolvimento de oficiais na gestão da Saúde traga danos significativos à imagem do Exército e, diante da crise, militares ainda acompanham a CPI com relativa distância, mas admitem que poderão mudar a estratégia ao longo dos trabalhos da comissão.
A principal diretriz é evitar que a imagem das Forças Armadas seja afetada pelas ações de oficiais em cargos civis. Uma fonte da cúpula do Exército disse que, mesmo acompanhando o assunto ainda de longe, a instituição deverá prestar algum tipo de auxílio a Pazuello e outros militares que forem arrolados na CPI. “A gente não abandona ninguém pelo caminho”, disse o oficial. Ainda não está definido, no entanto, se o grupo será preparado por assessores militares antes dos depoimentos à CPI. Por outro lado, o Palácio do Planalto já organizou os treinamentos, como O GLOBO antecipou.
A tendência é que, conforme as convocações forem concretizadas — o depoimento de Pazuello ocorrerá na quarta-feira —, grupos especializados passem a monitorar o assunto diretamente. Procurado, o Ministério da Defesa disse que caberá à Assessoria Parlamentar da pasta acompanhar o assunto.
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Se o discurso entre os militares é de cautela, no Planalto já foram feitos movimentos claros de proteção a Pazuello, que, recentemente, viajou duas vezes ao lado do presidente Jair Bolsonaro. O aliado Élcio Franco foi nomeado para o cargo de assessor especial da Casa Civil, comandada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, general da reserva. Na função, ele vai ajudar a coordenar o trabalho do grupo que está organizando informações e dados sobre a atuação do governo federal. Na prática, o militar, que tocava o dia a dia da Saúde, ganhou um cargo para se dedicar a fazer a defesa do grupo de Pazuello na pasta.
Sem “vacinas chinesas”
A maior preocupação é com relação à compra de vacinas, insumos e o chamado “tratamento precoce”, feito à base de medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19, como a cloroquina. Membros da CPI enviaram requerimentos ao Ministério da Defesa para verificar a participação do Exército na compra e fabricação desses remédios — o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército foi usado para esta finalidade.
Élcio Franco esteve envolvido diretamente nas principais negociações feitas pela pasta durante a pandemia, com destaque para as tentativas de aquisição de vacinas. Ele chegou a ir ao Senado, no início de março, para falar sobre as ações do governo no combate à pandemia.
Em um inquérito da Procuradoria do Distrito Federal, Franco é questionado sobre as negociações e os valores disponibilizados para a compra dos imunizantes. Em outubro do ano passado, ele chegou a afirmar que não havia intenção de “compra de vacinas chinesas” por parte do governo, em referência à aquisição de doses da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, do governo de São Paulo, em parceria com o laboratório chinês Sinovac, hoje o principal imunizante usado no país. Por sua posição de alto comando na pasta na gestão Pazuello, Franco também foi questionado pelos procuradores a respeito das propagandas feitas pelo Ministério da Saúde no âmbito do combate à Covid-19.
No caso do coronel Luiz Otávio Franco Duarte, que ocupava a secretaria de Atenção Especializada do Ministério da Saúde e foi um dos líderes das ações da pasta durante o colapso no Amazonas, o foco está na demora e nas falhas no processo de transferência de pacientes. A operação não teve um planejamento próprio e foi baseada em uma simulação de ataque terrorista nos Jogos Olímpicos do Rio, como mostrou O GLOBO. Também está na mira a queda de repasses. No início do ano, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) denunciou a diminuição no financiamento de leitos de UTI. Os dados mostraram que o número de leitos de terapia intensiva exclusivos para pacientes com Covid-19 financiados pelo Ministério da Saúde caiu 71% entre julho de 2020 e março de 2021.
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Outro posto estratégico da pasta ainda é ocupado por Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho, também alvo de uma ação do MPF pelo colapso no Amazonas. Conhecida nos corredores como “capitã cloroquina”, distribuiu ofícios a secretarias de Saúde estimulando o uso do remédio. Saiu de sua pasta o projeto de um aplicativo para auxiliar médicos a prescreverem o chamado kit Covid, o TrateCov, que recomenda remédios sem eficácia.
O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti, é outro dos remanescentes da gestão Pazuello na administração do atual ministro, Marcelo Queiroga. Processado pelo MPF no Amazonas, Angotti cuida da área responsável pelo fornecimento de medicamentos para intubação e outros insumos essenciais, como oxigênio. A área apresentou grave crise nos últimos meses, com estoques escassos em várias regiões do país.
Erros de comunicação
Um dos depoimentos mais esperados pelos senadores é o do marqueteiro Markinhos Show. Ele esteve à frente da estratégia de comunicação da pasta durante parte da gestão de Pazuello. Relatório do TCU e investigações conduzidas pelo Ministério Público apontam falhas na comunicação do governo durante a crise.
Na ação movida pelo Ministério Público Federal contra Pazuello, os procuradores criticaram a estratégia de comunicação do ministério durante o colapso do sistema de saúde no Amazonas, em janeiro. Segundo os investigadores, apesar de a pasta saber da gravidade da situação, o ministério preferiu centrar suas estratégias de comunicação na disseminação do tratamento precoce.
Há frestas também no lado político. Empresário e ex-deputado de Roraima, Airton Antônio Soligo, conhecido como Cascavel, aproximou-se de Pazuello durante a Operação Acolhida, que recebia venezuelanos no país, e foi assessor especial do Ministério da Saúde em junho de 2020. Na pasta, auxiliava no contato com governadores e parlamentares e participava de perto das decisões sobre compra de vacinas e insumos, além de ajudar a resolver questões logísticas de socorro aos estados e municípios.