Tecnologia põe em órbita satélites do tamanho de um pão de forma

Enquanto foguetes e exploração humana recebem a maior parte da atenção, uma transformação silenciosa e muitas vezes despercebida vem ocorrendo na maneira como os satélites são fabricados e operados

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Por Christian Davenport
Atualização:
Assim como os computadores diminuíram de gigantes do tamanho de uma sala para um iPhone que cabe no bolso, os satélites também encolheram drasticamente Foto: Reuters

A avalanche foi um desastre impressionante: 7 milhões de metros cúbicos de gelo glacial e neve rolando pela cordilheira tibetana a 300 quilômetros por hora. Nove pessoas e dezenas de animais morreram nesse evento que surpreendeu cientistas de todo o mundo.

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Enquanto pesquisavam por que a avalanche ocorrera com tanta força, os pesquisadores que estudam as mudanças climáticas analisaram imagens tiradas nos dias e semanas anteriores e viram que rachaduras sinistras tinham começado a se formar no gelo e na neve. Então, examinando as fotos de uma geleira próxima, eles notaram fendas semelhantes se formando, o que disparou uma corrida para avisar as autoridades locais que essa região também estava prestes a desabar.

As imagens das geleiras vieram de uma constelação de satélites do tamanho de uma caixa de sapatos, em órbita a 450 quilômetros de altitude. Operados pela empresa Planet, que tem sede em São Francisco, os satélites, chamados Doves (ou “pombos”), pesam pouco mais de 5 quilos cada e voam em “bandos” de 175 até unidades. Se um deles falha, a empresa o substitui e, à medida que surgem baterias, painéis solares e câmeras melhores, a empresa atualiza seus satélites da mesma forma que a Apple apresenta um novo iPhone.

A revolução na tecnologia que transformou a computação pessoal, colocou alto-falantes inteligentes nas casas e deu origem à era da inteligência artificial e do aprendizado de máquina também está transformando o espaço. Enquanto foguetes e exploração humana recebem a maior parte da atenção, uma transformação silenciosa e muitas vezes despercebida vem ocorrendo na maneira como os satélites são fabricados e operados. O resultado é uma explosão de dados e imagens de órbita.

Assim como os computadores diminuíram de gigantes do tamanho de uma sala para um iPhone que cabe no bolso, os satélites também encolheram drasticamente. Em vez de ter o tamanho de um caminhão de lixo e custar até US$ 400 milhões, os satélites agora geralmente não são maiores do que um micro-ondas ou um pão de forma. Custam uma fração de seus antecessores, às vezes menos de US$ 1 milhão, e podem ser produzidos em massa dentro de fábricas ou, em alguns casos, numa garagem ou numa sala de aula de faculdade.

À medida que o tamanho e os custos dos satélites diminuíram, sua quantidade cresceu significativamente. O número de satélites em operação mais do que dobrou de 1.381 em 2015 para cerca de 3.371 no final do ano passado, de acordo com a Bryce Space and Technology, uma consultoria que acompanha o setor. Em 2011, foram lançados 39 satélites que pesavam menos de 600 kg, de acordo com a Bryce. Em 2017, o número foi de 338 e, no ano passado, quando a SpaceX começou a lançar centenas de satélites Starlink projetados para transmitir internet em áreas rurais, o número saltou para mais de 1.200.

A indústria está pronta para continuar seu rápido crescimento à medida que a SpaceX e outras empresas lançam constelações de milhares de satélites destinados a servir áreas sem acesso à banda larga. O incrível encolhimento dos satélites deu origem a foguetes menos caros, projetados especificamente para lançar lotes de satélites pequenos. E a competição entre os lançadores continua a reduzir o custo de colocar um artefato em órbita.

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Dinheiro no jogo

Agora, o setor vem chamando a atenção de investidores de risco, que financiam empresas como a Planet. Nas últimas semanas, duas empresas de satélite, a Spire Global e a Black Sky, abriram capital por meio de uma fusão conhecida como empresa de aquisição para propósito específico, ou SPAC, na sigla em inglês.

Empresas de todo o mundo estão trabalhando para desenvolver satélites pequenos. A AAC Clyde Space, uma empresa com sede na Suécia, lançou 10 satélites, alguns conhecidos como cubesats, por causa de suas pequenas caixas que pesam apenas alguns quilos.

Assim como a Planet, a empresa oferece “serviços de espaço”, o que significa que as pessoas podem comprar acesso aos dados de seus satélites, sem se preocupar com o lançamento ou a construção da espaçonave.

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“Você não precisa se preocupar em projetar os satélites, acompanhar a produção, fazer os testes”, disse Rolf Hallencreutz, presidente do conselho da empresa. “Você só precisa dizer: ‘Quero esse tipo de dado’. E nós fornecemos esses dados. Para nós, isso muda o jogo, porque nos permite atender a vários clientes com a mesma constelação”.

A indústria de satélites pequenos também chamou a atenção do Pentágono e das agências de inteligência que adorariam ter enxames de satélites que podem ser facilmente lançados e substituídos para espiar atrás das linhas inimigas.

A Planet foi fundada em 2010 por um trio de jovens cientistas e engenheiros que trabalhavam no Ames Research Center da Nasa, no Vale do Silício, naquela que se tornou uma história clássica de startups de tecnologia: jovens movidos pelo idealismo, trabalhando até tarde no seu próprio tempo e aproveitando suas tendências nerds para construir seus próprios satélites, que eram menores e mais baratos.

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Sim, foi o que eles fizeram, numa garagem em Cupertino, Califórnia, onde fica a sede da Apple. Desde então, a Planet lançou com sucesso 452 satélites e se tornou a vanguarda da indústria.

Agora tem mais de 500 funcionários e seu total de usuários ativos vem crescendo em média 40% ao ano desde 2018.

Os satélites da empresa circundam o globo em órbitas cuidadosamente projetadas que “varrem a Terra linha a linha” – tirando fotos precisas de massas de terra que, juntas, criam uma imagem do planeta, todos os dias. Isso dá aos cientistas e pesquisadores uma visão das condições locais, para que eles possam rastrear mudanças em florestas, áreas costeiras, tráfego marítimo e terras agrícolas quase em tempo real.

As imagens podem ajudar na segurança da fronteira, no rastreamento de refugiados e no socorro em caso de desastres. Como a empresa compilou um vasto arquivo de imagens dos últimos anos, seus assinantes podem visitar o passado, observando como as coisas mudaram: álbum de fotografias da Terra ao longo do tempo.

“As fotos não mentem”, disse Will Marshall, cofundador e presidente-executivo da Planet.

Andreas Kääb, glaciologista da Universidade de Oslo, descobriu tudo isso enquanto explorava o que causou a devastadora avalanche no Tibete. Ele e outros cientistas notaram “que a geleira vizinha também estava se comportando de um jeito esquisito”, disse ele por e-mail. Os pesquisadores tentaram contatar as autoridades locais no Tibete, passando por contatos na China, para avisá-las de que o país também estava prestes entrar em colapso. Mas a mensagem demorou cerca de um dia até ser transmitida. E, a essa altura, “a geleira já tinha desmoronado”, disse ele.

Ninguém se feriu, mas o “caso mostra que as imagens diárias de alta resolução são muito importantes na gestão de desastres e claramente têm potencial para fazer avisos rápidos e antecipados”.

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A organização sem fins lucrativos Amazon Conservation Association usa as imagens de satélite para monitorar a extração ilegal de madeira e as minas de ouro na Amazônia andina. No passado, usava satélites governamentais tradicionais, que tiravam fotos “a cada oito dias e, se o tempo estivesse nublado, era preciso esperar mais oito dias”, disse Matt Finer, diretor de Monitoramento do Projeto Amazônia Andina.

Essas imagens tinham resolução de 30 metros, o que era razoável, mas não muito bom quando você estava tentando contar árvores. Então a Agência Espacial Europeia lançou um satélite com resolução melhorada, mostrando objetos de 10 metros de diâmetro. Mas os satélites da Planet foram uma melhoria bem-vinda, com resolução de 3 metros e imagens que estão disponíveis diariamente.

“É um monitoramento em tempo real, na escala de dias ou horas”, disse Finer. “Muitas vezes, estamos olhando para uma imagem de hoje ou de ontem”.

Os dados do governo eram gratuitos e o grupo teve de pagar uma taxa de assinatura pelas imagens da Planet. Mas valeu a pena, disse Finer. “Estamos falando de saltos de melhoria na capacidade visual e analítica”, disse ele.

Usando alguns dos satélites da próxima geração da Planet, os quais fornecem resoluções ainda mais altas, “podemos ver cada árvore. Podemos ver os campos de extração de madeira”, disse ele. Dá para ver até as lonas azuis que os mineiros erguem como telhados improvisados para se proteger da chuva e do sol.

Dados os altos custos dos satélites, as operadoras tradicionais costumam utilizar tecnologias que sabem ser confiáveis, mas podem não ser as mais atualizadas, disse Marshall.

“Adotamos uma abordagem de risco diferente”, disse ele. “Você tem mais satélites chegando e, se alguns deles falharem, não tem muito problema. É isso que nos permite pegar a tecnologia mais recente”.

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O lançamento de satélites pequenos é mais barato – o que propicia um novo modelo de pequenos foguetes projetados para serem mais baratos e lançados sob demanda. O Rocket Lab, que faz lançamentos da Nova Zelândia e, em breve, da costa leste da Virgínia, é líder nesse mercado relativamente novo.

Ainda este ano, a empresa planeja lançar um satélite do tamanho de um micro-ondas para a lua. O satélite voará na mesma órbita lunar que a Nasa quer usar para a estação espacial que pretende operar lá – a Gateway.

Outras empresas de foguetes estão entrando rapidamente nesse mercado, entre elas a Virgin Orbit, startup fundada por Richard Branson.

Em vez de lançar seu foguete verticalmente a partir de uma plataforma, a empresa amarra seus propulsores à asa de um avião 747 que os carrega a mais ou menos 40 mil pés. O foguete é solto, depois liga seus motores e decola.

Isso dá à empresa a capacidade de fazer lançamentos quase em qualquer lugar onde haja uma pista de decolagem – o que é de grande interesse não apenas para cientistas e conservacionistas que desejam obter satélites rapidamente, mas também para o Pentágono e agências de inteligência.

Após o primeiro lançamento bem-sucedido da Virgin Orbit em janeiro, o general Jay Raymond, chefe de operações espaciais da Força Espacial, parabenizou a empresa no Twitter. E Will Roper, então o principal oficial de aquisição e tecnologia da Força Aérea, twittou que a capacidade era “uma grande conquista – e, esperançosamente, um impedimento – para futuros conflitos espaciais. Esse satélite é como ter um ás na manga... do avião”.

Os satélites já fornecem avisos de mísseis, GPS, comunicações e reconhecimento, além de orientar projéteis de precisão. Quanto menores e mais eficientes os satélites ficam, mais o Pentágono se mostra interessado em usá-los.

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“Esses pequenos satélites agora são essenciais para as missões”, disse Dan Hart, presidente-executivo da Virgin Orbit.

Outro benefício importante é que, se uma unidade tiver algum mal funcionamento ou for derrubada por um adversário, “podemos substituir por outra rapidamente – e podemos fazê-lo de qualquer lugar da Terra”, disse ele. Usando um 747 como lançador, o Pentágono também poderia fazer isso secretamente.

Impulso

Grande parte do aumento de satélites em órbita foi impulsionado pela SpaceX, de Elon Musk, que lançou mais de 1 mil de seus satélites Starlink no ano passado. A empresa pretende construir uma constelação de milhares de satélites, cada um pesando cerca de 250 quilos, que enviariam sinal de internet para locais remotos e rurais que não são atendidos por banda larga.

No final do ano passado, a SpaceX recebeu US$ 886 milhões da Comissão Federal de Comunicações como parte de um esforço para ajudar a levar o serviço de internet a comunidades carentes. O contrato traria “boas notícias para milhões de americanos rurais e desconectados que por muito tempo estiveram do lado errado da exclusão digital”, disse na época o então presidente da FCC, Ajit Pai.

Várias outras empresas têm planos semelhantes.

A OneWeb, que recentemente saiu da falência, tem mais de 100 satélites em órbita e planeja lançar centenas mais. A empresa diz que consegue construir um satélite em um dia, em vez das semanas ou meses necessários para se construir um artefato maior. E esses satélites custam cerca de US$ 1 milhão cada, em comparação com os US$ 150 milhões a US$ 400 milhões dos satélites maiores que vivem em órbitas mais distantes e podem durar anos.

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A Amazon planeja lançar uma constelação chamada Kuiper, que instalaria cerca de 3.200 satélites. A empresa tem até 2026 para lançar metade desses satélites se quiser manter a aprovação da Comissão Federal de Comunicações.

Mas não são mais necessários milhões de dólares para fazer e lançar um satélite.

O Departamento de Educação está patrocinando uma competição entre escolas secundárias de todo o país para construir protótipos de satélites pequenos. Recentemente, anunciou cinco finalistas cujas propostas visavam: determinar se os acampamentos de sem-teto na Califórnia estão em áreas de alto risco de incêndio; estudar as maneiras como as áreas urbanas e rurais absorvem o calor; e analisar como o crescimento populacional de uma cidade da Carolina do Norte afeta “a qualidade do ar, o uso do solo e a temperatura”.

Na Universidade de Michigan, a turma de engenharia do professor Brian Gilchrist trabalhou para construir um satélite que faria testes usando o campo magnético da Terra para propulsão. Se tivesse sucesso, teria permitido que pequenos satélites orbitassem a Terra sem ter de transportar combustível, permitindo-lhes permanecer no ar por períodos mais longos. Foi um projeto inovador para a turma. “Nenhum dos alunos envolvidos neste projeto jamais havia construído uma espaçonave antes”, disse Gilchrist.

O custo foi de cerca de US$ 500 mil, pagos em parte pela universidade e pela Nasa. As peças vieram de fornecedores industriais, entre eles alguns da Amazon, disse Gilchrist.

Enquanto isso, disse ele, alguns deles estão de volta ao laboratório “e agora já estão trabalhando em ideias para o próximo projeto”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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