• Paulo Gratão
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Loja do Rei do Mate no Shopping Blumenau, em Santa Catarina (Foto: Divulgação)

Loja do Rei do Mate no Shopping Blumenau, em Santa Catarina (Foto: Divulgação)

Os primeiros meses de 2021 já mostraram que os desafios enfrentados pelo varejo ao longo do ano passado estão longe de acabar. Há meses, boa parte do comércio tem funcionado com restrições severas nas maiores cidades do país, por conta da nova onda da pandemia, com o agravante de lidar com (ainda) menos renda no mercado. Em 2020, o setor de franquias encolheu 10,5%, e agora, mais "acostumado" à imprevisibilidade, luta para reverter o cenário.

Neste novo ciclo, as redes precisaram recalcular rotas e também repensar benefícios concedidos ao longo da primeira fase da quarentena aos franqueados, como a isenção ou descontos uniformes em royalties ou outras taxas devidas à marca.

Isso foi mais fácil para quem já tinha um contato próximo com a rede de franqueados, ou que conseguiu estreitar os laços ao longo de 2020. “As redes estão colhendo agora os frutos que plantaram antes da pandemia. Quem era mais presente e tinha mais contato com os franqueados, está se saindo melhor”, analisa a especialista no setor, Ana Vecchi.

O segmento de Saúde, Beleza e Bem-Estar surpreendeu no ano passado por ter um dos menores impactos financeiros, de acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF), mesmo dependendo mais da presença física do cliente nas lojas. A Sóbrancelhas, por exemplo, conseguiu passar pela primeira fase da pandemia com venda de vouchers para utilização futura, venda de produtos de marca própria e até ajuda psicológica para que os franqueados encarassem o momento com mais inteligência emocional. Agora, 77% das unidades estão com as portas fechadas novamente.

Luzia Costa, fundadora da Sóbrancelhas (Foto: Sebrae - SP)

Luzia Costa, fundadora da Sóbrancelhas (Foto: Sebrae - SP)

Dessa vez, a rede decidiu apostar ainda mais fichas na venda de produtos, com o programa Parceiros Sóbrancelhas. “Cada franquia poderá realizar suas vendas pelo e-commerce oficial da marca por um link exclusivo da unidade e ser comissionado pelas vendas, sem ter que mexer no seu estoque e ter gastos com envio, por exemplo”, explica a CEO da marca, Luzia Costa.

A franqueadora também passou a investir em uma ação de tráfego personalizada e regional, para gerar clientes para as unidades, além de manter algumas das iniciativas que deram certo no ano passado, como a venda de vouchers com desconto para a utilização futura.

Apoio em renegociações

Para ajudar os franqueados a equilibrar as contas das lojas, a Sóbrancelhas disponibiliza um consultor de negócios, que orienta, por exemplo, na renegociação de custos de ocupação com shopping centers, quando necessário.

Desde o final do ano passado, franquias e shopping centers têm travado discussões sobre o reajuste dos contratos de locação, baseado no IGP-M / IGP-DI, que fecharam em mais de 23% em 2020, e na cobrança de décimo terceiro aluguel. A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) foi questionada por PEGN sobre quais têm sido as medidas de descontos ou prorrogação de pagamentos durante a restrição de funcionamento dos shopping centers na nova onda da pandemia, mas não respondeu até o fechamento deste texto.

Em um post nas redes sociais há duas semanas, o presidente da entidade, Glauco Humai, mencionou que as perdas dos shopping centers estão ainda mais severas em 2021. "O tombo no nosso setor é irreparável. Além de termos fechado 2020 com queda de 32% nas vendas em relação ao ano anterior, 2021 já apresenta queda de 30% se comparado ao mesmo período de 2020."

Na rede de alimentação Rei do Mate, a renegociação tem ficado a cargo do franqueado, pois há relacionamento mais próximo com o centro comercial, de acordo com a marca. No entanto, o empreendedor conta com apoio da franqueadora na retaguarda.

“Temos ajudado com os argumentos, com o caminho a ser feito. Levantamos comparativos de desempenho no mesmo segmento para que ele possa usar. Mas se ele precisar de ajuda, a franqueadora entra. No geral, essa proximidade foi o que mais deu resultado até agora”, explica a diretora de operações da rede, Adriana Lima. Atualmente, 54% das lojas do Rei do Mate estão fechadas.

Bibi Calçados: rede de franquias incentivou venda pelo Whatsapp (Foto: Divulgação)

Bibi Calçados (Foto: Divulgação)

Já a Calçados Bibi assumiu as negociações com os shopping centers. A presidente da marca, Andrea Kohlrausch diz que não encontrou dificuldades até o momento, pelo bom relacionamento que a marca tem com os centros comerciais. “Nosso principal objetivo é conversar, buscar as melhores negociações e passar por este momento de forma saudável, utilizado indicadores mais adequados para o momento como IPCA.”

Concessão de benefícios e descontos ganha novas métricas

Ao longo de 2020, a Calçados Bibi teve um crescimento de mais de 200% nos canais digitais. A rede traçou diversas estratégias, como Bibi em Casa, Delivery, Drive e Clique e Retire para que as lojas pudessem continuar a vender, mesmo com as portas fechadas. O e-commerce se tornou parte integrante do jogo: se um franqueado tiver o produto no raio de atendimento da venda, é ele quem entrega e fatura. Toda a rede tem acesso ao estoque das unidades. Além disso, a rede criou modelos de expansão que favorecem a abertura de lojas em cidades menores, fora de shopping centers.

Cerca de 40% das lojas da rede estão fechadas nessa nova fase da pandemia, e a avaliação da concessão de descontos em royalties tem sido feita de acordo com cada decreto local: em algumas regiões, as lojas funcionam parcialmente, já em outras estão completamente paradas. “Os impactos podem ser diferentes e por isso a Bibi tem entendido as necessidades de cada negócio e apoiado de forma personalizada”, explica Kohlrausch.

A Sóbrancelhas também retomou os descontos em concessões sobre os pagamentos devidos à franqueadora. “Diferentemente da primeira vez, temos uma métrica com relação ao comportamento da unidade e do franqueado neste cenário para então calcular o benefício, individualmente”, explica Costa.

O Rei do Mate conta que desenvolveu, no último trimestre do ano passado, uma tabela progressiva de possíveis descontos nas taxas pagas à franqueadora, de acordo com o desempenho da unidade. O faturamento do mês é comparado com o mesmo exercício do ano anterior. Agora, por exemplo, o franqueado tem o balanço comparado a abril de 2020.

Assim, empreendedores mais prejudicados pelos fechamentos conseguem ser mais amparados pela franqueadora, sem comprometer a remuneração da marca. “Temos um grupo de supervisão de campo que fica na linha de frente com o franqueado, mantém contato constante, muitas vezes, semanal, e os ajuda em tudo que for necessário”, diz Lima.

Ana Vecchi explica que as métricas nunca foram tão valorizadas pelo franchising quanto em 2020. O acesso aos números de cada unidade ajudou as franqueadoras a entenderem a realidade individual de cada franqueado e traçar ações direcionadas. Na visão dela, esse é um legado que deve permanecer, para que o suporte prestado à rede seja cada vez mais eficiente. “Vimos muitos franqueados sendo transformados em empresários, de fato, e franqueadores pegando mais na mão dele, apoiando. Agora, vamos ver os frutos disso.”

Os desafios das marcas agora, de acordo com a especialista, são esclarecer para a rede quais serviços deixarão de ser prestados ao franqueado pelo desconto ou isenção concedida, e qual será a forma adotada para demonstrar resultados dos últimos dois anos para novos candidatos. “A história antes de 2019 não pode ser apagada. O que a marca era faz parte do que ela construiu, mas a pergunta crucial é como ela sairá disso tudo. Como ela será? Por quanto tempo será necessário conceder benefícios ou criar novas estratégias? Ninguém sabe.”