Rio

Ministério Público do Rio anuncia força-tarefa para investigar operação que terminou com 28 mortos no Jacarezinho

Ação, que teve a participação de mais de 200 policiais, terminou com seis presos e 23 armas apreendidas
Promotores falam da operação que terminou com 28 mortos no Jacarezinho Foto: Carolina Heringer / O Globo
Promotores falam da operação que terminou com 28 mortos no Jacarezinho Foto: Carolina Heringer / O Globo

RIO — O procurador geral de Justiça, Luciano Mattos, anunciou na manhã desta terça-feira a criação de uma força-tarefa para investigar a operação na Favela do Jacarezinho , na Zona Norte do Rio, que terminou com 28 mortos, entre eles um policial civil. Mattos afirmou que foi feita essa opção pela complexidade do caso. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) havia suspendido as operações policias, exceto em casos excepcionais.

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— Nós identificamos a necessidade de criar uma força-tarefa para esse procedimento investigativo criminal — afirmou Mattos, que explicou ainda que o trabalho deve ser concluído em quatro meses, podendo ser prorrogado por mais quatro.

Durante a coletiva de imprensa, o procurador-geral e o promotor André Cardoso, responsável pela força-tarefa, evitaram comentar as denúncias de execução e excessos que podem ter ocorrido durante a operação, sob a justificativa de que a investigação do MP ainda é "embrionária". Os membros do MP também não apresentaram quaisquer conclusões dos exames de necrópsia, acompanhados na sexta-feira por um perito do órgão. Mattos e Cardoso afirmaram que aguardam a conclusão dos laudos.

— Em relação a essa situação de que presos teriam carregado corpos, estamos colhendo depoimentos. Faz parte da investigação, que está embrionária. Não temos como comentar se isso aconteceu. Em relação aos laudos, eles ainda não estão prontos. Não tenho conhecimento do que aconteceu — disse Cardoso.

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Ao ser questionado se o MP requisitaria a perícia nas armas usadas na operação, André afirmou que essa hipótese está sob análise, mas descartou que todo armamento usado pela polícia passe por perícia. Ele ressaltou que não há necessidade de periciar armas que tenham sido usadas por policiais que se mantiverem apenas no entorno do Jacarezinho, por exemplo, sem entrar na favela:

— Já requisitei ao delegado que enviasse todos os autos de apreensão dessas armas. Já solicitei os nomes dos policiais que participaram da operação e vamos analisar a necessidade de requisitar essas armas.

Pelo menos 26 dos 27 mortos durante a operação já chegaram sem vida ao hospital. De acordo com informações da secretaria municipal de Saúde, só no Hospital municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, foram 20 pessoas que foram encaminhadas para o Instituto Médico-Legal (IML), onde foram identificados. Outros cinco corpos foram levados ao CER Ilha. No Hospital Municipal Salgado Filho, para onde o policial André Frias foi socorrido ainda com vida, um homem também já chegou morto. Na segunda-feira, Rodrigo Mondego, procurador de Direitos Humanos da OAB Rio, declarou que o fato de já chegarem mortos ao hospital indica que as cenas de crime foram desfeitas, o que impediria a perícia nos locais com os corpos.

Segundo Cardoso,  o MP vai acompanhar as investigações da Polícia Civil e, além disso, terá sua apuração independente. O objetivo é observar se ocorreram casos de eventuais abusos.

— Tudo pode ser trazido ao MP. A gente pode arquivar o caso ou não. Não tenho como responder sobre a impressão do que aconteceu no Jacarezinho. Temos que apurar. Não tenho como antecipar uma opinião sobre esses fatos — explicou o promotor,  que vai trabalhar com outros três profissionais.

O promotor Thiago Veras, do grupo temático para acompanhamento da ADPF 635, afirmou que de junho do ano passado até abril deste ano, o MP abriu 44 procedimentos investigatórios criminais para apurar as circunstâncias das operações.

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A operação da polícia no Jacarezinho, que teve a participação de 200 agentes, terminou com apenas seis presos e 23 armas apreendidas. Ela tomou por base um processo por associação ao tráfico da 19ª Vara Criminal. A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) teria ido à favela, com o apoio de outras unidades, para cumprir o mandado de prisão contra 21 pessoas denunciadas pelo Ministério Público do Rio (MPRJ), sob a suspeita de aliciar menores.

De acordo com Luciano Mattos, as operações da polícia não dependem da autorização do MP. O órgão, no entanto, fará a fiscalização do que ocorreu na ação, que é uma atividade policial.

— Não é dever do MP proibir as operações. O MP não pode impedir a Civil de instaurar inquérito quando há hipótese de uma infração penal praticada por quem quer que seja. Um membro do MP acompanha esse inquérito. Todos os inquéritos da DH também serão acompanhados, além do procedimento investigatório criminal próprio do MP - afirmou Luciano Mattos, questionado se havia preocupação de falta de isenção da Polícia Civil para conduzir a investigação sobre as mortes.

A promotora Patricia Leite Carvão, coordenadora geral da promoção da dignidade da pessoa humana, afirmou que na segunda-feira esteve com às famílias dos mortos na ação. O objetivo, segundo ela, é dar assistência humanizada:

— Daremos um atendimento humanizado para dar todo tipo de atendimento necessário. Algumas pessoas foram ouvidas mas até pelo sigilo do caso não é possível.

Marcas de tiros em uma das casas do Jacarezinho. Confrontos ocorreram em pelo menos 10 pontos da comunidade Foto: Domingos Peixoto / Domingos Peixoto
Marcas de tiros em uma das casas do Jacarezinho. Confrontos ocorreram em pelo menos 10 pontos da comunidade Foto: Domingos Peixoto / Domingos Peixoto

Do total de 27 mortos na favela do Jacarezinho durante operação policial realizada na última quinta-feira, apenas 4 eram alvo da chamada operação Exceptios. Além disso, dois dos mortos não tinham qualquer anotação criminal, o que contradiz a Polícia Civil, que declarou na semana passada que todos morreram em confronto com os agentes de segurança e tinham antecedentes. As informações constam em um relatório sigiloso da Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil, ao qual o GLOBO/Extra teve acesso, e que foi realizado três dias após a ação. De acordo com o documento, dos 27 apenas 12 tinham anotações por crimes relacionados ao tráfico .

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