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Rio

Operações da polícia no Jacarezinho são as que têm maior taxa de mortes entre as favelas do Rio

De 2007 até março de 2021, segundo um banco de dados mantido por pesquisadores, foram 186 óbitos em 290 incursões na comunidade
Agentes entraram no Jacarezinho na última quinta-feira com a ajuda de blindados devido a barreiras do tráfico Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo
Agentes entraram no Jacarezinho na última quinta-feira com a ajuda de blindados devido a barreiras do tráfico Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo

RIO - As operações policiais no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, são as mais letais entre todas as favelas do Rio, segundo levantamento feito pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), a pedido do GLOBO. A comunidade, onde 28 pessoas morreram , na quinta-feira passada, é a que tem a maior taxa de óbitos por operação entre os dez locais da Região Metropolitana que estão no topo deste ranking. De 2007 até março de 2021, segundo um banco de dados sobre operações policiais mantido pelos pesquisadores, foram 186 mortos em 290 incursões da polícia no Jacarezinho — ou seja, uma taxa de 6,4 mortes a cada dez ações das forças de segurança.

Proporcionalmente, um cenário pior do que o de bairros com grande quantidade de favelas, como Santa Cruz e Costa Barros — que têm taxas, respectivamente, de 5 e 4,8 mortes a cada dez operações e ocupam a segunda e a terceira posições do levantamento. Os complexos da Maré e da Penha aparecem, empatados, no quarto lugar, com taxas de 4,5 mortes a cada dez incursões.

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Os pesquisadores da UFF também contam o número de operações com alta taxa de letalidade — ou seja, que culminam com três ou mais mortes. O Jacarezinho, onde vivem mais de 37 mil pessoas, com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) do Rio, também está no topo dessa lista. Desde 2007, foram registradas 21 incursões policiais com mais de três vítimas na favela, o que resulta numa taxa de 7,2 operações com alta letalidade a cada 100 ações que têm a região como alvo. Santa Cruz e Costa Barros vêm em seguida, com taxas de, respectivamente, 6,6 e 5,2 operações com três ou mais mortes a cada 100 incursões.

Óbitos a cada dez operações policiais Foto: Editoria de arte
Óbitos a cada dez operações policiais Foto: Editoria de arte

Para o coordenador do Geni e professor do Departamento de Sociologia da UFF Daniel Hirata, a proximidade do Jacarezinho com a Cidade da Polícia — complexo das delegacias especializadas da Polícia Civil, vizinho à favela — é um dos fatores que ajudam a explicar esse derramamento de sangue. Ele lembra que um padrão parecido já foi havia sido observado no Complexo da Maré, onde fica a sede do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar.

— A presença de unidades especiais acaba produzindo uma letalidade maior. Em tese, elas deveriam produzir ações menos letais, por conta da capacidade de seus agentes de escolher opções táticas melhores, que causem menor vitimização. Mas não é isso o que acontece na prática. A vizinhança da Cidade da Polícia é um elemento de tensão na relação com a comunidade — analisa Hirata.

Metodologia de checagem

O banco de dados mantido pelo grupo do qual ele participa tem informações sobre 11 mil ações da polícia na Região Metropolitana desde 2007. Ele começou a ser produzido em 2017, após as polícias Civil e Militar terem informado que não contabilizam as operações. Para entender melhor a dinâmica do uso da força no Rio, o grupo passou a computar as ações.

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O levantamento foi feito a partir de dados de operações policiais noticiadas na imprensa, de publicações oficiais das polícias e de relatos em redes sociais sobre incursões em áreas críticas. Os dados, checados por uma equipe de 30 pesquisadores, são atualizados mensalmente.

Número de operações com alta letalidade Foto: Editoria de arte
Número de operações com alta letalidade Foto: Editoria de arte

Quanto ao Jacarezinho, os números mostram que, nos últimos quatro anos, o aumento na letalidade das operações tem uma relação direta com a morte de agentes de segurança na favela. Antes da operação da Polícia Civil da semana passada, o mês com mais registros de incursões com óbitos era agosto de 2017, quando o policial civil Bruno Guimarães Bühler, de 36 anos, o Bruno Xingu, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), foi morto por traficantes. Após o episódio, foram 11 dias seguidos de operações da Polícia Civil — seis delas com mortes.

Contextos parecidos

Já o segundo mês com mais operações letais no período foi janeiro de 2018, quando o delegado Fábio Monteiro, de 38 anos, foi sequestrado por traficantes e morto dentro do Jacarezinho. Na ocasião, ele saía da Cidade da Polícia para almoçar, e acabou abordado por bandidos num dos acessos à comunidade e morto. O cadáver foi encontrado no porta-malas de seu carro, abandonado numa via próxima. Naquele mês, aconteceriam cinco operações com mortes.

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Vinte e sete das mortes no Jacarezinho na semana passada aconteceram num contexto semelhante: logo no início da ação, por volta das 6h, o inspetor André Leonardo de Mello Frias, da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), foi baleado na cabeça por traficantes, após desembarcar de um veículo blindado. Socorrido para o Hospital municipal Salgado Filho, no Méier, Frias acabou não resistindo. A partir dali, os tiroteios se prolongariam, e a ação, que entidades de direitos humanos classificaram como massacre ou chacina, só terminaria à tarde. A polícia nega excessos. Nos dias seguintes à operação, o secretário estadual de Polícia Civil, Allan Turnowski, disse que a conduta dos policiais teve “técnica e maturidade”.