Política

'Arroubo retórico', diz ministro do STF sobre ameaça de Bolsonaro

Marco Aurélio Mello disse que é preciso dar um desconto para que os ânimos não sejam acirrados
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal Foto: Aílton de Freitas/Agência O Globo
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal Foto: Aílton de Freitas/Agência O Globo

BRASÍLIA — O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, classificou como um "arroubo de retórica" o discurso em que o presidente Jair Bolsonaro ameaçou editar um decreto contra as medidas restritivas adotadas por prefeitos e governadores. Durante um evento sobre a tecnologia 5G no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que, se publicar um decreto com esses termos, ele "não será contestado por nenhum tribunal".

O discurso foi visto como mais um ponto de tensão entre a Presidência e o Supremo Tribunal Federal, relação desgastada desde o início do governo Bolsonaro. O ministro Marco Aurélio, entretanto, disse que é preciso não acirrar os ânimos em um momento em que mais de 400 mil pessoas já morreram por causa do novo coronavírus.

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— Foi um arroubo de retórica. Vivemos em uma República, numa democracia em que, evidentemente, não se pode afastar do Judiciário. E, em se pronunciando o Judiciário, se o clima é democrático, há observância do que foi decidido. Foi um arroubo de retórica. Precisamos dar um desconto e não acirrar os ânimos — afirmou o ministro.

A tentativa de minimizar o discurso também foi seguida por outros ministros. O presidente do STF, Luiz Fux, disse a um interlocutor considerar que a declaração do presidente foi uma “retórica para plateia” e uma “cortina de fumaça”. Fux avalia que Bolsonaro não tem o apoio para colocar em prática o que deseja.

Procurada, a assessoria de imprensa do presidente do STF disse que ele não se manifestaria.

Durante o discurso na manhã desta quarta-feira, Bolsonaro afirmou que a decisão do STF, de abril do ano passado, que garantiu autonomia para governadores e prefeitos tomarem medidas restritivas durante a pandemia é uma "excrescência" por ter dado "competências esdrúxulas".

— O Brasil não pode ser um país condenado ao fracasso porque alguém delegou competências esdrúxulas a governadores e prefeitos — disse, acrescentando depois: — Que poder é esse que foi dado a governadores e prefeitos? Isso é uma excrescência.

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Apesar de colocar panos quentes no discurso de Bolsonaro, o ministro do Supremo garantiu que, se for provocado em relação a qualquer assunto, a Corte, assim como qualquer outra instância do Poder Judiciário, irá tomar uma decisão.

— O tribunal não contesta. Quem busca impugnação são os interessados. Se o Judiciário se pronuncia, a decisão se cumpre sendo presidente ou não. Assim como, quem estiver inconformado com a decisão pode impugná-la — afirmou.