Política

Telegramas mostram que Ernesto Araújo mobilizou Itamaraty para garantir cloroquina, revela jornal

Documentos obtidos pela "Folha de S.Paulo" indicam mobilização do aparato diplomático para conseguir remédio ineficaz contra Covid-19
Ex-chanceler Ernesto Araújo, durante entrevista coletiva no dia 2 de março Foto: EVARISTO SA / AFP
Ex-chanceler Ernesto Araújo, durante entrevista coletiva no dia 2 de março Foto: EVARISTO SA / AFP

RIO - Telegramas diplomáticos revelam que o ex-chanceler Ernesto Araújo mobilizou o Itamaraty para garantir fornecimento de cloroquina, droga comprovodamente ineficaz para o tratamento da Covid-19. A mobilização do aparato diplomático do Brasil para conseguir a cloroquina começou pouco tempo depois de Bolsonaro falar em “possível cura para a doença”, em 21 de março de 2020. Os documentos foram obtidos pelo jornal "Folha de S.Paulo".

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"Hospital Albert Einstein e a possível cura dos pacientes com Covid-19. Agora há pouco os profissionais do hospital Albert Einstein me informaram que iniciaram um protocolo de pesquisa para avaliar a eficácia da cloroquina nos pacientes com Covid-19", escreveu Ernesto.

Em declaração durante reunião do G-20, em 26 de março, relatada em telegrama, Bolsonaro apontou para “testes bem-sucedidos, em hospitais brasileiros, com a utilização de hidroxicloroquina no tratamento de pacientes infectados pela Covid-19, com a possibilidade de cooperação sobre a experiência brasileira”.

Em janeiro, o colunista da revista Época, Guilherme Amado, mostrou que telegramas obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação pela agência Fiquem Sabendo , especializada no tema, comprovavam que o Itamaraty intermediou a compra de hidroxicloroquina entre empresas brasileiras e indianas.

Os documentos mostram e-mails trocados pelo menos desde março, quando começou a pandemia, entre o diplomata Elias Luna Santos, da embaixada do Brasil em Nova Délhi, capital da Índia, com empresas indianas.

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Em uma das conversas, Elias Santos trata de um acordo em que empresas indianas forneceriam ingredientes de hidroxicloroquina a empresas brasileiras que, em contrapartida, venderiam comprimidos da substância à Índia.

"Esta proposta garantiria continuidade da produção em ambos os países e ajudaria a manter os fluxos de comércio bilateral no setor farmacêutico neste momento de crise, o que pode ser benéfico para Brasil e Índia agora e no futuro", diz o diplomata em um dos e-mails.

Segundo o jonral, houve inúmeros pedidos do Itamaraty para obtenção de cloroquina durante todo o mês de abril.

O documento mostra ainda que o Itamaraty teria pedido à Organização Pan-Americana de Saúde que entrasse em contato com o governo indiano para conseguir a liberação de um lote de milhões de doses de hidroxicloroquina. Já no dia 24 de abril, o ministério pediu apoio para uma farmacêutica brasileira importar hidroxicloroquina.

Ernesto na CPI da Covid

Próximo alvo da CPI da Covid, Ernesto Araújo avalia concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados no ano que vem ou, enquanto a eleição não se aproxima, pleitear um posto diplomático no exterior. Ele perdeu o cargo há pouco mais de um mês, após entrar em atrito com senadores — cabe ao Senado aprovar o nome de embaixadores, o que deve atrapalhar parte dos planos do ex-chanceler.

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Ernesto, que está lotado na secretaria de gestão administrativa do Itamaraty, tem usado o Twitter e seu blog para fazer uma defesa da própria gestão, negando ter atrapalhado a compra de vacinas ao se insurgir contra a China, fabricante de insumos e imunizantes — tema que será investigado pela comissão. No início do mês, no entanto, fez críticas ao governo federal, descrito por ele como uma gestão “sem alma”. Segundo interlocutores, o novo chanceler, Carlos França, não o repreendeu em função da proximidade de Ernesto com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).