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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|A Turquia e o Brasil no balaio

A corrida ao dólar na Turquia se intensificou na semana que passou, por motivos que contêm certa dose de esquisitice

Foto do author Celso Ming
Atualização:

A economia da Turquia derrete e, com ela, se intensifica a fuga de dólares. Como o mundo mete os emergentes no mesmo balaio, o Brasil também acaba por enfrentar as ondas de choque que começam a chegar também a nossas praias. Mas vamos por partes.

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A corrida ao dólar na Turquia se intensificou na semana que passou, por motivos que contêm certa dose de esquisitice. O governo de Donald Trump tomou as dores do pastor norte-americano Andrew Brunson, preso pelo governo turco sob acusação de ter conspirado em 2016 contra o presidente Recep Erdogan. Foi a principal razão pela qual Trump anunciou que castigaria a Turquia com um aumento de 100% das tarifas alfandegárias sobre o aço e o alumínio, para 20% e 50%, respectivamente. Esse enfrentamento foi apenas o pretexto para a disparada do dólar que em apenas uma semana subiu de 5,08 para 6,43 liras turcas. (Veja o gráfico.)

Os analistas esperavam que a fuga de dólares seria detida com forte aumento dos juros, para que se criassem condições de que os turcos aplicassem seu dinheiro em títulos que rendessem juros, e não em dólares. Mas o banco central não mexeu nos juros, que estão na altura dos 17,75% ao ano, diante de uma inflação que, apenas em junho, foi de 16%. Na sexta-feira, Erdogan avisou que os juros não subiriam mais. Essa declaração foi tomada como indicação de que o banco central da Turquia não atua com autonomia.

Para conter a crise, Erdogan apelou para o espírito patriótico dos turcos. Mais do que pediu, conclamou-os a sacar seus dólares, euros e ouro de dentro do forro dos seus colchões e que os transformassem prontamente em liras, com objetivo de aumentar a oferta de moeda estrangeira e reverter a escalada do câmbio. Esse pronunciamento soou, é claro, mais como ato de desespero do que de recurso de política cambial.

Os turcos poderiam até atender à convocação do seu presidente, mas eles também não são dados a queimar dinheiro. Se semana após semana, o mesmo dólar rende mais liras do que na semana anterior, parece improvável a redução do entesouramento, com fervor patriótico e tudo.

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As reservas da Turquia até que não são baixas. Alcançavam em junho os US$ 98,4 bi, equivalentes a pouco mais de cinco meses de importações. Mas o rombo externo (déficit em conta corrente) está crescendo. Era de US$ 32,1 bi em 2015, saltou para US$ 47,4 bi em 2017 e apenas no primeiro semestre de 2018 acumulou US$ 31,2 bi.

Como quase sempre acontece, por trás das fugas de capitais, está a deterioração das contas públicas. A dívida está em US$ 241 bi, a maior parte denominada em moeda estrangeira. Quanto maior a escalada do câmbio, maior o volume de liras necessário para honrar a dívida. Outro problemão a enfrentar é o de que grandes bancos europeus estão fortemente expostos a títulos da Turquia, fato que começou a preocupar o Banco Central Europeu, que aparentemente teme o impacto sobre a situação patrimonial desses bancos de eventual calote da Turquia.

Saída rápida e praticamente inevitável consiste em chamar os bombeiros do Fundo Monetário Internacional que, em troca de recursos novos, exigirá mudança de comportamento fiscal. Por enquanto, Erdogan não passou sinal de que dará esse passo.

Às incertezas políticas e econômicas enfrentadas pelo Brasil, junta-se mais essa nova onda de mau humor do mercado internacional para com os emergentes de forma geral.

Na última sexta-feira, o dólar no câmbio brasileiro pulou 1,75% apenas por conta desse novo fator de convulsão. E a Bolsa tomou rumo oposto (queda de 2,86%) porque os investidores seguiram a onda de fuga ao risco. O Brasil está vulnerável não só porque é país emergente, mas porque as contas públicas estão em péssima situação. Se as reformas estivessem encaminhadas, a situação seria outra.

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A conferir, nas próximas semanas, quanto o fator Turquia continuará a ser uma das principais fontes de turbulência no mundo e aqui.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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