Política CPI da Covid

Kátia Abreu faz dura crítica a Ernesto: 'O senhor nos direcionou para o caos, para um iceberg, para um naufrágio'

Renan, Aziz, Randolfe e outros parlamentares também reclamaram do ex-chanceler por mentir em diversas respostas
Senadora Kátia Abreu (PP-TO) durante CPI da Covid Foto: Reprodução
Senadora Kátia Abreu (PP-TO) durante CPI da Covid Foto: Reprodução

BRASÍLIA — Durante o depoimento do ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo na CPI da Covid, no Senado, a senadora Kátia Abreu (PP-TO) fez duras críticas ao ex-chanceler, chamando-o de um “negacionista compulsivo” e “omisso”. Ao criticar sua “memória seletiva”, a parlamentar relembrou momentos em que Araújo fez ataques à China e o acusou de sujar a imagem internacional do Brasil, levando o país à “irrelevância”. O ex-chanceler também ouviu reclamações do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), além de outros parlamentares.

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— O senhor deve desculpas ao país. O senhor é um negacionista compulsivo, omisso. O senhor no MRE (Ministério das Relações Exteriores) foi uma bússola que nos direcionou para o caos, para um iceberg, para um naufrágio. Bússola que nos levou para o naufrágio da política externa brasileira — afirmou Abreu.

Em seu depoimento, Araújo minimizou declarações contrárias à China — a exemplo do artigo em que chamou o vírus de "comunavírus" — e disse que não fez ataques ao país, o que o levou a ser chamado de "mentiroso". Após afirmar que nunca teve "atritos" com o país asiático, o ex-chanceler foi repreendido por Omar Aziz (PSD-AM), que lembrou as postagens feitas por Araújo nas redes sociais.

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— Quero alertá-lo de que o senhor está sob juramento de falar a verdade. Vossa Excelência deu várias declarações anti-China. Inclusive, se indispôs, por várias vezes, com o embaixador chinês (...) Você fez uma alusão, erroneamente, em relação a que a pandemia era para ressuscitar o comunismo, porque deixa as pessoas em casa, dependendo do Estado, e uma série de coisas. Quer dizer, na minha análise pessoal, Vossa Excelência está faltando com a verdade. Então, eu peço a Vossa Excelência que não faça isso — disse o presidente da CPI.

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Kátia Abreu também rebateu a negativa de Araújo sobre ter causado atritos com a China e afirmou que o ex-chanceler tem "memória seletiva". A senadora, que não faz parte da CPI, participou da sessão desta terça-feira como representante da bancada feminina no Senado.

— Eu imagino que o senhor tenha uma memória seletiva, para não dizer uma memória leviana. O senhor não se lembra de nada do que importa e do que ocorreu efetivamente. E se lembra de questões mínimas, supérfluas, e até mesmo não verdadeiras como o senhor vem fazendo aqui todo esse momento — disse.

Quando questionado sobre a viagem da comitiva brasileira a Israel para conhecer um spray nasal contra a Covid-19, que ainda está em teste, Ernesto Araújo tentou justificar que o Brasil procurou se antecipar em acordos. O ex-ministro não soube dizer porque o assessor do Planalto Max Moura estava no grupo e foi repreendido pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que disse que a viagem da comitiva custou meio milhão de reais aos cofres públicos.

— Em informação encaminhada à bancada do PSOL na Câmara dos Deputados, é dito aqui pelo Itamaraty: "Logo após a assunção do General Gabi Ashkenazi ao cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros, em maio de 2020, o então Ministro das Relações Exteriores foi convidado a visitar Israel". Ou seja, em maio, ainda no começo da pandemia. E nesse documento não fala nada especificamente sobre remédios para Covid, sobre vacina. O que está faltando com a verdade: é o senhor aqui ou o documento oficial do Itamaraty à Câmara dos Deputados? — questionou Randolfe.

O senador Otto Alencar (PSD-BA) também afirmou que as declarações de Araújo não eram verdadeiras. O ex-ministro disse que o Brasil foi o primeiro país a participar da reunião da Covax Facility — consórcio da Organização Mundial da Saúde para disribuição de vacinas — e foi rebatido por Alencar.

— Em abril, foi a primeira reunião, não tinha um representante do Brasil nem da diplomacia do Brasil naquela reunião. A outra reunião foi em maio, liderada pela Espanha, pela França, pelos países árabes, e não tinha um representante do Brasil. Só tomou iniciativa em junho. Então, o Ministro faltou com a verdade. Ele não falou aquilo que realmente aconteceu.

Em entrevisra à imprensa, Renan Calheiros afirmou que Ernesto “mentiu muito”. O senador Randolfe Rodrigues, que estava ao seu lado, minimizou dizendo que “apesar de ele ter se omitido e ter sido confuso em vários momentos, Ernesto trouxe contribuições necessárias para o relatório”.

"Abandonado" por governistas

Pressionado pelos senadores independentes e de oposição, que estão em maioria na CPI da Covid, Ernesto Araújo não foi defendido dos ataques por aliados do governo que compõe a comissão. Randolfe Rodrigues, opositor do presidente Jair Bolsonaro, afirmou que a "base do governo não veio para socorrer" o ex-chanceler e sugeriu que ele estava "abandonado". Ao rebater o vice-presidente da comissão, o governista Marcos Rogério (DEM-RO) acabou confirmando o distanciamento.

— Os senadores que são da base do governo não têm que sair na defesa de quem quer que seja que esteja depondo na CPI. O que nos interessa aqui é apenas a verdade, nada mais do que isso, esteja ela onde estiver. Agora, esse patrulhamento que é feito, em que se indaga o depoente e não o deixa nem responder, nem raciocinar, a sociedade está acompanhando.

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Coube ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e não integrante da CPI, fazer uma defesa mais enfática do governo e do ex-chanceler. Ele foi até a sala onde ocorre a reunião e discursou sobre algumas ações do governo, como o repatriamento de brasileiros que não conseguiam retornar ao país no início da pandemia.

— Hoje a oposição teve mais um dia difícil aqui nesta CPI, porque o seu depoimento muito transparente, objetivo, esclarecedor e não cair em provocações sobre possíveis desavenças com o presidente da República, ou com alguns outros ministros, nos dão a clareza de que o governo fez e continua fazendo tudo que está ao seu alcance para evitar que mais vidas se percam e que o desemprego cresça de uma forma avassaladora — disse Flávio.

Motivo da demissão

As razões para a demissão de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores também foi rememorada pelos senadores. Em março, o ex-ministro sugeriu em suas redes sociais que a pressão do Congresso para sua saída não tinha relação com a compra de vacinas, mas sim com o debate sobre a implantação da tecnologia 5G no Brasil, e citou uma conversa com Kátia Abreu.

"Em 4/3 recebi a Senadora Kátia Abreu para almoçar no MRE. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: 'Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado.' Não fiz gesto algum", escreveu na época.

Na época, a senadora já tecia duras críticas ao então chanceler e respondeu a postagem dizendo que o 'Brasil não pode mais ter a face de um marginal'. Nesta terça, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) perguntou se Araújo não gostaria de pedir desculpas a Abreu, mas o ex-ministro se recusou:

— Na referência que eu fiz a determinado comportamento da senadora Kátia Abreu, eu simplesmente disse a verdade, relatei um fato. Então jamais vou me arrepender de dizer a  verdade.

Discussão entre senadores

Entre os outros senadores que participam do colegiado, o momento de maior tensão foi quando o independente Otto Alencar (PSD-AM), que é médico, rebateu alguns dados sobre vacinação citados pelo governista Eduardo Girão (Podemos-CE). Em seguida, Alencar também disse que havia muito charlatão receitando remédio sem eficácia para a Covid-19 e Girão chamou o colega de mentiroso.

— Prescrever medicação, sem ser médico, é charlatão mesmo! — disse Alencar.

— Quem que está prescrevendo? Quem que está prescrevendo aqui? — rebateu Girão.

— Vossa Excelência, a toda hora — respondeu Alencar.

— Não, eu defendo a autonomia médica! — devolveu Girão.

Os dois continuaram a bater boca, e o presidente da CPI, Omar Aziz, chamou a atenção de Alencar para dizer que essa era justamente a estratégia dos governistas para congestionar os trabalhos da CPI. Como a discussão continuou, Aziz precisou suspender a sessão por dez minutos.