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Política Eleições 2018

'Manter candidatura de Lula não é capricho’, diz Fernando Haddad ao GLOBO

Candidato a vice-presidente na chapa do PT admite situação ‘incomum’ no partido e mostra disposição para atuar na corrida eleitoral
Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e vice de Lula pelo PT Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e vice de Lula pelo PT Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

SÃO PAULO — Após entrevista ao GLOBO, Fernando Haddad posou para foto em frente à janela do comitê da campanha presidencial do PT, coberta por uma persiana em tiras verticais. A luz do sol invadia o ambiente, e ele fez uma observação que, em tom de brincadeira, revela sua disposição. “Dependendo do ângulo, parece que estou no Alvorada”, disse, em referência à residência oficial dos presidentes. Ele repetiu que manter a candidatura de Lula não é capricho, mas compromisso político. Reconheceu que, se o PT chegar ao poder, seria difícil governar, mas aposta numa reformulação partidária já a partir do ano que vem.

Como Lula está preso e inelegível por força da lei da Ficha Limpa, Haddad, formalizado como vice, foi o convidado do PT para a série de entrevistas com presidenciáveis.

Qual autocrítica o senhor faz do envolvimento de petistas em casos de corrupção?

Eu lastimo o envolvimento geral e irrestrito de pessoas com a corrupção.

Sim, mas no caso do PT?

Veja bem, toda agremiação, qualquer que seja, igreja, família, partido, pode ter condutas desviantes, e é sempre lastimável quando alguém comete um erro. Defendo que a pessoa pague na proporção da lesividade de seu crime. Quando é na sua casa, é mais difícil. Mas é importante frisar que nosso sistema de financiamento eleitoral estava todo comprometido, então PSDB e PT, que governaram esse pais numa situação de normalidade nos últimos 20 anos, deveriam ter tomado providência para blindar o sistema politico de situações terríveis. Eu lamento que não tenham sido tomada essas providências por esses partidos.

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Sua administração na prefeitura de São Paulo foi acusada por um delator de ter criado uma empresa de fachada para administrar o Theatro Municipal. O denunciante disse que teve aval do senhor para criar essa empresa. Qual sua resposta para esta questão?

Esse caso de corrupção foi desbaratado pela minha administração. Quem identificou os membros da quadrilha foi o meu controlador-geral. Nós interviemos na organização social por ação judicial e bloqueamos o patrimônio dessas pessoas. E obviamente eu tenho problemas com o promotor Marcelo Millani. Representei contra ele por outras razões.

Como o senhor vê essa crítica do PT, de que uma eventual chapa Haddad e Manuela é muito acadêmica e fala pouco com os mais pobres?

O que fala com as classes mais pobres é o que você fez na vida. A atuação do Lula dispensa comentário. Qualquer que seja o desfecho, a Manuela tem uma ação incrível em relação às causas sociais. Eu penso que, como ministro e como prefeito, sempre demarquei aquilo que beneficia as camadas populares. Penso que o Lula estará bem acompanhado.

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O que se ouve é que o senhor e a Manuela não teriam poder de atuação nessas classes porque o presidente Lula sabe, por exemplo, falar sobre o preço do botijão de gás. Aliás, o senhor sabe o preço do botijão de gás?

Sei quanto custa porque ficou famoso o preço do botijão (sem falar o valor).

O programa de governo do PT critica a situação econômica, mas quando a Dilma saiu o país já tinha 11,4 milhões de desempregados. Essa crise não é dividida entre o PT e o governo de Michel Temer?

Entendo que, a partir de 2013, sobrecarregamos o orçamento com uma pauta grande demais: Simples, desonerações, energia, combustíveis. Isso era sustentável no médio e longo prazo? Não. Era necessário fazer um ajuste, que teria um custo, mas um custo muito menor que veio a ter.

Existe uma certa desilusão das pessoas com a política. O senhor não acha que essa candidatura do PT com três nomes na chapa pode causar ainda mais confusão?

Estamos vivendo uma situação incomum. Temos um candidato que lidera as pesquisas, mas está preso sem provas. Se ele [Lula] tivesse sido condenado com provas, estaríamos discutindo em outras circunstâncias. Nossa posição é que não abriríamos mão de nenhum recurso para levar a candidatura Lula até as últimas consequências, denunciando o casuísmo. Isso faz com que haja essa situação (confusa), dentro e fora do PT, dado a um ineditismo que exige soluções também novas.

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Mas se esse cenário se estender até 20 dias antes da eleição, prazo final para Lula poder ser substituído, o processo político não fica ainda mais desgastante?

Primeiro, temos um compromisso moral com o Lula. Segundo, todas as pesquisas que fazemos revelam o sinal claro de que o eleitor não quer abrir mão do Lula. Se a Justiça vai tomar uma decisão casuística, a decisão é dela, não pode ser nossa. Manter a candidatura dele não é um capricho, é um posicionamento político.

Pode parecer que a campanha servirá para a defesa de Lula.

Não, nós fomos os primeiros a apresentar um programa de governo. E fomos muito transparentes no nosso propósito.

Por que a proposta de limitar a atuação do STF foi retirada do programa de governo do PT?

Porque não era consenso entre os juristas essa transformação do STF em Corte constitucional, e não era uma limitação, mas uma desoneração. Na verdade, elevaríamos o STF a uma categoria superior, deixando de julgar casos específicos e atuando em teses.

Se consideramos potenciais aliados do mesmo campo político (PT, PCdoB, PSB e PDT), um eventual governo do PT teria, num cenário muito otimista, um terço da Câmara como base. Como governar?

Concordo com o pressuposto da pergunta, com esse quadro partidário é muito difícil compor maioria. Acredito que teremos uma reformulação partidária a partir do ano que vem. Temos que ter uma agenda para passar reformas importantes, sem preocupação com composição de base de sustentação de governo.

O senhor acha viável compor uma base com partidos que apoiaram o impeachment como o MDB e o PSD?

Não acredito que todos esses partidos vão sobreviver às eleições.

O senhor está confortável de chegar em Alagoas e fazer campanha ao lado do Renan?

Do governador?

Ou o pai, o ex-presidente do Senado?

Não sou partidário de fazer acordo de bastidor, de gabinete. Onde houver coligação e, dependendo das circunstâncias, o presidente Lula rodará o país procurando ampliar o leque de alianças na direção de quem concordar com o plano de governo dele.

O senhor costuma dizer que há necessidade de mais controle externo no setor público. Pode explicar?

Temos um Estado que se autocontrola, que não é padrão no mundo. A polícia controla polícia, desembargador controla desembargador. No mundo desenvolvido há órgãos de controle compostos por pessoas de outras corporações e são objeto de fiscalização. A composição do CNJ, por exemplo, precisa mudar, para que o Judiciário tenha tratamento de controle externo mais efetivo.

O senhor já disse que Geraldo Alckmin é honesto. Após denúncias da Dersa, continua pensando assim?

Eu fui um pouco mais fundo. Nós que temos uma atuação política precisamos ter a dignidade de defender a honra de um adversário. Estava indignado porque nenhum amigo tucano do Lula veio a público defender a honra dele. Trabalhei quatro anos com o Alckmin nunca ouvi comentário maldoso sobre ele.

Como lidar com o Jair Bolsonaro, adversário em segundo lugar nas pesquisas?

Tentando compreender o eleitor, o que está levando um contingente de brasileiros a acreditar nessa proposta que é inconsistente, até porque são poucas e controversas.