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Política CPI da Covid

Pazuello cria encruzilhada para o Exército após ato com Bolsonaro e é aconselhado por militares a passar para a reserva, mas resiste

Comandante da Força discute nesta quinta com Bolsonaro caso do ex-ministro da Saúde, que transgrediu regras militares ao subir em palanque com o presidente
Pazuello resiste a passar para a reserva, solução defendida por militares para atenuar o desgaste do Exército Foto: SERGIO LIMA
Pazuello resiste a passar para a reserva, solução defendida por militares para atenuar o desgaste do Exército Foto: SERGIO LIMA

BRASÍLIA — Ao se encontrar com o presidente Jair Bolsonaro, em São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas, nesta quinta-feira, o ministro da Defesa, Braga Netto, e o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, terão uma das mais espinhosas missões de suas carreiras: conseguir abrir um caminho para a encruzilhada em que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello colocou a Força. No último domingo, ele subiu em um palanque com Bolsonaro no Rio, transgredindo a rígida legislação da caserna que proíbe militares da ativa de participar de atos políticos. O gesto obriga o comandante a puni-lo, sob pena de prevaricação. A única solução para que haja uma saída menos traumática para o problema é Pazuello aceitar os apelos que lhe têm sido feitos, por inúmeros colegas de farda, e pedir a sua passagem para a reserva. Ele, no entanto, resiste à ideia.

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Resolver a questão Pazuello é representativa de uma encruzilhada ainda maior que as Forças Armadas, e o Exército, em particular, têm lidado e terão de continuar a lidar até o fim do governo. A impulsividade Bolsonaro, traduzida em palavras e em diversas ações que têm custado caro às Forças, que têm visto a sua imagem ser atingida, o que preocupa a todos. Por isso, gostariam e consideram necessário que surgisse uma espécie de muro de contenção para ajudar os militares a ficarem mais protegidos dos arroubos do presidente. Hoje, esse muro não existe e o desfecho do caso Pazuello servirá de paradigma também para a Marinha e a Aeronáutica, mesmo não estando diretamente envolvidas neste caso. Daí a dificuldade de aproveitar este encontro na fronteira amazônica — Bolsonaro passará a noite no interior do estado, de onde fará a live semanal — para se tentar construir um consenso que traga o mínimo de prejuízos ao Exército, assim como ao próprio presidente, que pode ser insuflado a achar que uma punição a Pazuello pode sugerir ameaça à sua autoridade.

O comandante e Braga Netto têm em suas mãos uma delicada tarefa. Mostrar a Bolsonaro a impossibilidade de não punir Pazuello, ainda que ele tenha ido ao Rio a convite do presidente. No Estatuto dos Militares e no Regulamento Disciplinar do Exército, há vedações expressas sobre militares participarem de manifestações políticas coletivas. O artigo 45 do Estatuto diz, por exemplo, que são “proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”. Como chefe das Forças Armadas, Bolsonaro pode suspender eventual punição imposta a Pazuello.

O principal argumento do comandante é que Pazuello está de volta às fileiras do Exército e não mais na Esplanada dos Ministérios. Assim, precisa seguir as regras estabelecidas, sob pena de prevaricação, além de poder ser questionado pelo Ministério Público Militar. A principal preocupação, no entanto, é com a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas.

Pazuello resiste à ida para a reserva porque está no olho do furacão da CPI da Covid e acaba de ser reconvocado para prestar depoimento aos senadores. Na opinião de militares ouvidos pelo GLOBO, no entanto, não resta a Pazuello outra alternativa, depois do problema e do constrangimento criado por ele ao Exército com sua participação no ato pró-Bolsonaro. Para eles, Pazuello está deslumbrado com o poder e precisa “deixar de olhar para o próprio umbigo” em nome da proteção da Força.

A expectativa dos militares é que, depois de todo o apoio que teve, Pazuello entregue suas justificativas, reconhecendo o erro cometido, que já confessou a vários colegas, e, ato contínuo, faça o pedido oficial de deixar o serviço ativo. Pazuello já era pressionado a ir para a reserva desde que assumiu o comando do Ministério da Saúde. A preocupação do comando do Exército era que a Força herdasse o desgaste pela condução da pandemia.

Ao mesmo tempo que transcorre o prazo para a apresentação da defesa de Pazuello, amigos do ex-ministro estão divulgando nas redes sociais mensagens justificando a sua ida ao palanque com o presidente. Alegam que Pazuello não cometeu nenhuma transgressão  "porque Bolsonaro não é filiado a partido político e o ato no Rio foi promovido por motociclistas", "o que permitiria a presença de generais e militares em geral". Prosseguem dizendo ainda que "portanto, nem Pazuello, nem o presidente Bolsonaro agiram à margem da lei". Essa versão, no entanto, é rechaçada por militares ouvidos, que alegam que se isso fosse levado em consideração a hierarquia e a disciplina das forças seriam atingidas  e que qualquer solução que não seja a punição ao ex-ministro, deixará graves consequências nas forças porque você estará abrindo a guarda para os militares participarem de atos políticos.

Desempenho na CPI

Os militares até acharam que Pazuello foi bem no depoimento à CPI da Covid, mas sua participação na manifestação bolsonarista do último domingo foi considerada um “desatino”. A avaliação é que ele expôs a Força e colocou o Exército em mais uma saia justa, considerada “inaceitável”. A irritação foi generalizada.

Quanto a Bolsonaro, a avaliação entre os militares é a de que ele age impulsivamente, como fez no fim do ano passado, quando foi para a porta do Quartel General do Exército, em Brasília, participar de uma manifestação que, entre outras coisas, atacava o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso.

O problema, no entendimento desses oficiais, é que falta alguém que esteja ao lado do presidente e consiga conversar com ele e aconselhá-lo a brecar os atos impulsivos. Eles criticaram, por exemplo, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), que é general e estava ao lado de Bolsonaro no último domingo, por não ter feito este papel. Para esses oficiais, Ramos deveria ter alertado Bolsonaro dos perigos da presença de Pazuello na comitiva e, mais ainda, no palanque.

No início do governo, esse papel conciliador chegou a ser feito pelo general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. Ele acabou, no entanto, se afastando dessa tarefa para, inclusive, evitar atritos com os filhos do presidente. Atualmente, não há quem faça esse papel de ajudar a prevenir possíveis crises. Hoje, caberá ao comandante do Exército e ao ministro da Defesa, na reunião que terão com Bolsonaro, o papel de mostrar as consequências desse ato e a necessidade de punir Pazuello, sem qualquer ação contrária do presidente em relação a isso.

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Nas Forças Armadas não se acredita que Bolsonaro revogaria eventual punição a Pazuello, porque ele teria consciência do tamanho do prejuízo que causaria à instituição, que sairia desmoralizada do episódio. Todos têm pressa para que esse assunto seja resolvido o mais rápido possível, para evitar desgaste maior do Exército e dos envolvidos.

A crítica do ex-porta-voz

Em artigo publicado no portal “Metrópoles”, intitulado “Os limites da obediência”, o general Otávio Santana do Rêgo Barros, ex-porta-voz do governo Bolsonaro, afirma que “é preciso reforçar o muro que separa o estamento militar dessas pendengas políticas-partidárias-pessoais” e ressalta que “o agente político das Forças Armadas é o Estado”.

Para Rêgo Barros, eventual interferência nos níveis subalternos do processo decisório não produzirá o efeito desejado. “Será apenas ‘um manda o outro obedece’ sem aprofundamento na liturgia e na missão dos respectivos deveres hierárquicos”, diz ele, citando frase dita por Pazuello ao ser desautorizado por Bolsonaro na Saúde. (*Especial para O GLOBO)

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