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Cultura

O 'pênis' da Fiocruz: Entenda as referências arquitetônicas (não fálicas) do prédio

O que a 'Capitã Cloroquina' pensou ser um pênis é, na verdade, desenho da torre do edifíicio; memes invadem a internet após declaração de secretária
Olhado de fora, apresenta-se em tons sóbrios no avermelhado dos tijolos das paredes externas e no revestimento de cobre das duas torres. Foto: Genílson Araújo / O Globo
Olhado de fora, apresenta-se em tons sóbrios no avermelhado dos tijolos das paredes externas e no revestimento de cobre das duas torres. Foto: Genílson Araújo / O Globo

Um dos momentos mais constrangedores do depoimento da secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, à CPI da Covid, na última terça (25), se deu quando ela insistiu que havia “um pênis na porta da Fiocruz” . O senador Omar Aziz, presidente da CPI, até cogitou que ela tivesse dito “tênis”, mas a “Capitã Cloroquina”, confirmou: referia-se, de fato, a um falo. A internet, obviamente, não perdoou e uma enxurrada de memes se seguiu à declaração da secretária (confira alguns no texto) .

No entanto, o que Pinheiro pensou que fosse um pênis era, na verdade, o logo criado para comemorar os 120 anos das da Fundação Oswaldo Cruz, estabelecida em 25 de maio de 1900. Idealizado pelo designer Diego Destro, o logo remete às torres do castelo onde funciona a instituição, construídas no estilo neomourisco ou neoárabe.

Logo comemorativo dos 120 da Fiocruz, idealizado por Diego Destro Foto: Reprodução
Logo comemorativo dos 120 da Fiocruz, idealizado por Diego Destro Foto: Reprodução

Também conhecido como Pavilhão Mourisco, Palácio de Manguinhos e Palácio das Ciências, o prédio foi projetado pelo arquiteto português Luiz Moraes Júnior, começou a ser erguido em 1905 e foi inaugurado em 1918.  O projeto foi baseado em esboços do próprio Oswaldo Cruz, que faleceu em 1917. O castelo é o edifício principal do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), abriga repartições administrativas da Fiocruz e, em tempos pré-pandêmicos, era aberto à visitação. Em 1981, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O Castelo da Fiocruz é considerado “eclético” por misturar diferentes tradições arquitetônicas, oriundas, principalmente da Península Ibérica islamizada. Segundo o ensaio “Pavilhão Mourisco no contexto do ecletismo carioca”, assinado por Renato da Gama-Rosa Costa e Inês El-Jaick Andrade, há diversas explicações para a escolha das referências mouriscas, à época “tão inusual estilo para uma casa de ciência”. Uma dessas explicações seria a própria ascendência árabe do arquiteto. Outra seria a opção de Oswaldo Cruz por “chamar atenção do público leigo, dando à sua sede uma aparência espetacular”.

Por dentro da História

Castelo da Fundação Oswaldo Cruz

tem inspiração no estilo neomourístico

Castelo

Fiocruz

MARÉ

100m

5º PAVIMENTO

4º PAVI-

MENTO

3º PAVI-

MENTO

2º PAVI-

MENTO

1º PAVIMENTO

A escadaria central tem 101 degraus, que vão do térreo ao quarto andar. É de ferro forjado inglês e mármore de Carrara. Outros 130 degraus estreitos ligam o subsolo ao quinto andar.

O nome do engenheiro-arquiteto Luiz Moraes Júnior está escrito numa pedra em frente ao castelo. Português, ele também atuou na restauração da fachada da Igreja da Penha, em 1902

No subsolo, funcionavam a tipografia e a usina elétrica, além de serralheria e carpintaria

Na varanda do 3º andar, sobre o piso que simula tapetes de inspiração árabe, o cientista Albert Einstein posou para a famosa fotografia que registra sua visita, em 1925

Nas quinas do edifício, os tijolos não recebem cortes ou emendas. Importados da França, foram fabricados em formato específico.

Laboratório onde Adolpho Lutz atuou, entre 1908 e 1940. O pesquisador começou a trabalhar ali quando tinha 53 anos

Em cada andar, pisos e paredes são diferentes. No terceiro, uma galáxia reveste o chão, e as paredes são cobertas por um jardim de flores.

O laboratório em que Oswaldo Cruz trabalhava abriga hoje um museu em sua memória. Seus objetos estão preservados.

CASA DE OSWALDO CRUZ/ARQUIVO

A coleção de insetos de Oswaldo Cruz e outros cientistas está catalogada e armazenada em grandes armários climatizados. Ali, é possível ver o primeiro inseto registrado por Oswaldo Cruz, em 1909: Anopheles lutzi, em homenagem a Adolpho Lutz

Neste ponto, é possível ver sem ser visto. No acesso pela escada secundária, o vão entre os andares permite um olhar oculto através dos nichos, traço típico da arquitetura mourisca que inspira o castelo

No quarto andar, a escuridão não é por acaso. Foi tudo pensado para favorecer a revelação de fotos no laboratório, que usava negativos de vidro

O andar “quatro e meio” abriga áreas de serviço. Ali, o grande vitral do teto do quarto andar parece ser o piso do quinto. Apenas meio metro separa o mosaico de vidro em cores fortes do piso de tijolos transparentes do andar de cima

Iniciado por Oswaldo Cruz, o Museu da Patologia tem 857 peças

O elevador foi trazido da Alemanha e instalado em 1909. É o mais antigo ainda em funcionamento no Rio

Em estilo neomourisco, a biblioteca tem paredes brancas e madeiras escuras, que contrastam com a explosão de cores nas demais áreas sociais do castelo. O lugar guarda obras raras, como o livro de receitas médicas feitas com plantas e partes de animais, de 1703

O quinto andar era destinado a dormitórios. Voltado para a face da frente, um quarto pequeno, mas bem decorado, era usado por Oswaldo Cruz. Hoje, abriga a Presidência da Fiocruz

Pelo quinto andar, é possível ter acesso ao terraço, onde há duas torres revestidas de cobre. São cópias fiéis da Sinagoga de Berlim, outra influência na construção do castelo

CRISTO

REDENTOR

Escadas em caracol levam ao topo, onde é possível ver o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a Baía de Guanabara e a Floresta da Tijuca. A torre não estava prevista no projeto inicial

FLORESTA

DA TIJUCA

Fonte: Fiocruz / Créditos: Felipe Nadaes (Editoria de Arte)

Por dentro da História

Castelo da Fundação Oswaldo Cruz

tem inspiração no estilo neomourístico

Castelo

Fiocruz

MARÉ

100m

A escadaria central tem 101 degraus, que vão do térreo ao quarto andar. É de ferro forjado inglês e mármore de Carrara. Outros 130 degraus estreitos ligam o subsolo ao quinto andar.

O nome do engenheiro- arquiteto Luiz Moraes Júnior está escrito numa pedra em frente ao castelo. Português, ele também atuou na restauração da fachada da Igreja da Penha, em 1902

No subsolo, funcionavam a tipografia e a usina elétrica, além de serralheria e carpintaria

Nas quinas do edifício, os tijolos não recebem cortes ou emendas. Importados da França, foram fabricados em formato específico.

Laboratório onde Adolpho Lutz atuou, entre 1908 e 1940. O pesquisador começou a trabalhar ali quando tinha 53 anos

Na varanda do 3º andar, sobre o piso que simula tapetes de inspiração árabe, o cientista Albert Einstein posou para a famosa fotografia que registra sua visita, em 1925

CASA DE OSWALDO CRUZ/ARQUIVO

Em cada andar, pisos e paredes são diferentes. No terceiro, uma galáxia reveste o chão, e as paredes são cobertas por um jardim de flores.

O laboratório em que Oswaldo Cruz trabalhava abriga hoje um museu em sua memória. Seus objetos estão preservados.

A coleção de insetos de Oswaldo Cruz e outros cientistas está catalogada e armazenada em grandes armários climatizados. Ali, é possível ver o primeiro inseto registrado por Oswaldo Cruz, em 1909: Anopheles lutzi, em homenagem a Adolpho Lutz

Neste ponto, é possível ver sem ser visto. No acesso pela escada secundária, o vão entre os andares permite um olhar oculto através dos nichos, traço típico da arquitetura mourisca que inspira o castelo

No quarto andar, a escuridão não é por acaso. Foi tudo pensado para favorecer a revelação de fotos no laboratório, que usava negativos de vidro

O andar “quatro e meio” abriga áreas de serviço. Ali, o grande vitral do teto do quarto andar parece ser o piso do quinto. Apenas meio metro separa o mosaico de vidro em cores fortes do piso de tijolos transparentes do andar de cima

Iniciado por Oswaldo Cruz, o Museu da Patologia tem 857 peças

O elevador foi trazido da Alemanha e instalado em 1909. É o mais antigo ainda em funcionamento no Rio

Em estilo neomourisco, a biblioteca tem paredes brancas e madeiras escuras, que contrastam com a explosão de cores nas demais áreas sociais do castelo. O lugar guarda obras raras, como o livro de receitas médicas feitas com plantas e partes de animais, de 1703

O quinto andar era destinado a dormitórios. Voltado para a face da frente, um quarto pequeno, mas bem decorado, era usado por Oswaldo Cruz. Hoje, abriga a Presidência da Fiocruz

Pelo quinto andar, é possível ter acesso ao terraço, onde há duas torres revestidas de cobre. São cópias fiéis da Sinagoga de Berlim, outra influência na construção do castelo

Escadas em caracol levam ao topo, onde é possível ver o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a Baía de Guanabara e a Floresta da Tijuca. A torre não estava prevista no projeto inicial

CRISTO

REDENTOR

FLORESTA

DA TIJUCA

Fonte: Fiocruz / Créditos: Felipe Nadaes (Editoria de Arte)

Costa e Andrade listam três grandes influências na construção do Castelo da Fiocruz: o Observatório de Montsouris, construído para a Exposição Universal de 1867, realizada em Paris e visitado algumas vezes por Oswaldo Cruz durante  sua passagem pelo Instituto Pasteur; o Palácio dos Leões de Alhambra, complexo arquitetônico erguido no século XIV, em Granada (Espanha); e a Nova Sinagoga de Berlim, edificada entre 1859 e 1866.

Construído sobre uma base de granito negro e revestido por tijolos alaranjados, o Pavilhão Mourisco da Fiocruz tem cerca de 50 metros de altura e 45 metros de largura. As varandas são decoradas com azulejos portugueses e mosaicos franceses inspirados na tapeçaria árabe (na CPI, Pinheiro afirmou que a Fiocruz estava coberta por tapetes de Che Guevara). As portas são de peroba amarela entalhada e as maçanetas são de bronze dourado.

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A decoração do Castelo da Fiocruz foi inspirada na geometria de Alhambra. Oswaldo Cruz mantinha um livro sobre a arquitetura do complexo palaciano, editado pelo engenheiro e explorador inglês Albert F. Calvert, em sua biblioteca. O livro hoje integra o acervo de obras raras da instituição.

O Pavilhão Mourisco da Fiocruz já estampou até a cédula de 50 cruzados. Ao longo de seus mais de 100 anos de história, o prédio sempre impressionou quem circulava nos arredores da Avenida Brasil. Nem todos, no entanto, enxergam imagens fálicas na fachada do Palácio da Ciência. O médico e literato Pedro Bloch (1914-2004), por exemplo, descreveu o Castelo como “visão que agride a paisagem” e “berro arquitetônico fugido de alguma capital do Oriente”.