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Cultura

João Máximo: Nelson Sargento 'era muito maior do que parecia ser'

Inteligente, observador, carioquíssimo em suas tiradas cheias de humor e malícia, sambista era um grande artista do povo
Rio de Janeiro (RJ) - 01/02/1994 - Nelson Sargento (sambista) - Cada vez mais cultuado, Nelson Sargento inicia temporada de shows no Café Laranjeiras - Foto Fernando Quevedo / Agência O Globo - Negativo: 94-1743 Foto: Agência O Globo
Rio de Janeiro (RJ) - 01/02/1994 - Nelson Sargento (sambista) - Cada vez mais cultuado, Nelson Sargento inicia temporada de shows no Café Laranjeiras - Foto Fernando Quevedo / Agência O Globo - Negativo: 94-1743 Foto: Agência O Globo

Dois anos antes, a Mangueira tinha sido vice com um samba dele, de Alfredo Português e Jamelão: “Brilha no céu o astro rei com fulguração, abrasando a terra, anunciando o verão...” Agora, terça-feira do carnaval de 1957, ele aparecia no Capelinha do Ponto ao lado de Cícero, Darcy e outros bambas verde-e-rosa para uns goles matinais e um punhado de sambas com que haviam enriquecido a bagagem do morro próximo. Aquela visita pós-desfile nunca mais saiu da memória do grupo de jovens que os admiravam no velho Ponto de 100 Réis.

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Mangueira e Vila Isabel sempre foram mais do que próximas, separadas apenas pela linha do trem e unidas pela amizade que um dia aproximou Noel de Cartola. A visita de mangueirenses ao bairro não eram raras. Aquela, para mim, foi apenas o primeiro dos muitos e inesquecíveis momentos que vivi com Nélson Sargento nas seis décadas seguintes. Éramos amigos.

Sempre soube que ele era muito maior do que parecia ser. Seus sambas, mesmo os mais imperfeitos, sempre soaram à Mangueira. Sua voz – da qual muito se orgulhava – jamais poderia competir com a dos grandes sambistas cantores, de Ataulfo a Paulinho, passando pelo parceiro Jamelão. Mesmo assim, era, como se costuma dizer, uma “voz com alma”. Seus quadros, sinceras homenagens à sua gente, ao seu mundo. Orgulho-me de possuir alguns deles, um dos quais o “pagamento” pelo texto do encarte de um dos seus CDs (nele, lembro a historinha passada naquela manhã de 1957). Além disso, ele tinha grande presença de palco, participando de ótimos shows mesmo depois de ultrapassar a barreira dos 90.

Era mesmo maior do que parecia. Inteligente, observador, carioquíssimo em suas tiradas cheias de humor e malícia. Não foi por acaso que criou, em forma de samba, um atestado de perenidade para a mais brasileira das músicas, volte e meia ameaçada de extinção pela moda do momento: “Agoniza, mas não morre”. Assim, Nélson Sargento resistia e, com ele, resistia o samba. Talvez a frase, por ser tão repetidamente citada, fique para sempre como uma espécie de lema, marca, legado, ou lá o que seja, de um grande artista do povo.