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Com 92,1% das urnas contabilizadas no Peru, Pedro Castillo reduz vantagem de Keiko Fujimori

Diferença entre os candidatos é de 4 mil votos; últimas urnas a serem apuradas vêm de regiões rurais, redutos do sindicalista
Keiko Fujimori cumprimenta apoiadores em um bairro pobre de Lima, onde tomou café da manhã antes de votar neste domingo Foto: SEBASTIAN CASTANEDA / REUTERS
Keiko Fujimori cumprimenta apoiadores em um bairro pobre de Lima, onde tomou café da manhã antes de votar neste domingo Foto: SEBASTIAN CASTANEDA / REUTERS

Com 92,1% das urnas contabilizadas, a eleição para presidente do Peru ainda não tem um vencedor. Segundo dados oficiais da Oficina Nacional de Processos Eleitorais (Onpe), Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, lidera com 50,01% dos votos, enquanto o sindicalista de ultraesquerda Pedro Castillo contabiliza 49,99%.

Continue acompanhando a apuração aqui: Com 92,6% dos votos contabilizados, Pedro Castillo ultrapassa Keiko Fujimori na disputa pela Presidência do Peru

A diferença entre ambos, atualmente de pouco mais de 4 mil votos, vem diminuindo conforme a apuração avança, já que os últimos votos a serem contabilizados vêm de áreas rurais e do interior, região onde o apoio a Castillo é maciço. A participação na eleição de domingo foi de 76,8%, com 17,4 milhões de peruanos indo às urnas.

Uma pesquisa de boca de urna realizada no domingo à noite pelo instituto Ipsos, apontou Fujimori e o seu partido Força Popular com leve vantagem sobre Castillo, que representa a sigla Peru Livre: 50,3% e 49,7% dos votos, respectivamente. A margem de erro era de 3%.

O próprio instituto Ipsos, no entanto, realizou uma contagem rápida extraoficial — uma projeção baseada em 1.700 atas eleitorais — que inverteu a boca de urna e colocou Castillo à frente: 50,02% a 48,8%. Neste caso, a margem de erro é um pouco menor, de 1%.

Pouco após a divulgação da boca de urna, Keiko demonstrou otimismo, mas pediu calma:

— Estamos felizes com o resultado, mas diante da margem de diferença, é preciso manter a prudência. E digo isso para todos os peruanos — disse ela, em um breve pronunciamento em Lima. — Temos que buscar a paz e a unidade entre todos os peruanos. Desde já peço prudência, calma e paz aos que votaram e não votaram na gente.

Castillo, por sua vez, publicou uma carta às autoridades eleitorais pedindo a revisão de todas as atas e convocou seus apoiadores a ir para as ruas "em defesa da democracia":

"Convoco o povo peruano de todos os cantos do país para ir em paz às ruas, para estar vigilante na defesa da democracia", escreveu o professor em seu Twitter, enquanto esperava o resultado em Tacabamba, na serra. Mais tarde, a apoioadores, pediu calma a seus apoiadores, ressaltando que os votos rurais seriam contados por último.

A escolha de lugares para acompanhar a apuração, por si só, retrata a polarização no país: enquanto Castillo chega a acumular 81% dos votos nas regiões montanhosas de Apurimac e Ayacucho, Fujimori tem mais de 68% dos votos na populosa Lima, mantendo porcentagens similarmente altas em outras regiões ricas do país.

Seguidores de ambos os candidatos foram às ruas da capital na noite de domingo, encontrando-se na praça Bolognesi, nas proximidades da sede de ambos os partidos. Houve pequenos confrontos, mas a polícia conseguiu evitar enfrentamentos maiores e os grupos se dissiparam por volta de meia-noite.

Pedro Castillo acena a apoiadores depois de votar em Tacabamba, na província de Cajamarca, no Nordeste do Peru Foto: ERNESTO BENAVIDES / AFP
Pedro Castillo acena a apoiadores depois de votar em Tacabamba, na província de Cajamarca, no Nordeste do Peru Foto: ERNESTO BENAVIDES / AFP

Em busca da imunidade

Para Keiko, vencer a eleição seria a única maneira de obter imunidade. Processos por suposta corrupção contra a candidata avançam na Justiça peruana e poderiam levá-la, novamente, à prisão. De 2018 a 2019, Keiko passou 13 meses detida preventivamente, acusada de lavagem de dinheiro, entre outros crimes.

Nas últimas semanas, especulou-se que, caso fosse derrotada, Keiko usaria suas influências para obstaculizar e até mesmo destituir um eventual governo de Castillo. Aliada a outros partidos conservadores, a filha de Fujimori poderia, avaliam analistas, exercer pressão no Congresso, derrubar Castillo e provocar a convocação de novas eleições. Tudo em nome da necessidade de imunidade. Um dos que fez esse alerta publicamente foi o ex-fujimorista e ex-presidente do Congresso Daniel Salaverry.

O Ministério Público peruano assegura ter 14 depoimentos contundentes contra Keiko, que confirmam sua responsabilidade em crimes de lavagem de dinheiro. Também poderia ser preso seu marido, Mark Vito Villanella, que chegou a fazer greve de fome quando sua mulher esteve detida.

A campanha de Keiko para o segundo turno teve dois eixos centrais: pedido de perdão pelos erros passados do fujimorismo —  seu pai está preso, condenado por corrupção e crimes contra a Humanidade —  e a promoção de um clima de terror diante do risco de vitória de Castillo. Bancos, companhias de eletricidade e shoppings de Lima instalaram tapumes de madeira para prevenir supostos ataques terroristas que seriam promovidos, segundo seguidores de Keiko, por grupos aliados a Castillo. Foi a maneira que grandes grupos econômicos que optaram por Keiko na reta final da eleição encontraram de contribuir com a campanha de medo instalada pelo fujimorismo.

A base desta campanha são supostos vínculos entre Castillo e grupos relacionados à guerrilha maoista Sendero Luminoso. No entanto, até hoje não foi provado qualquer tipo de relação entre o candidato e a guerrilha. Existiram sim, contatos entre membros de seu partido Peru Livre — ao qual ele se uniu há poucos anos —  e um braço político do Sendero, criado para defender a libertação do líder do grupo, Abimael Guzmán, preso em 1992 e condenado à prisão perpétua.

Esta é a terceira campanha presidencial de Keiko, derrotada nas duas anteriores pelos ex-presidentes Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018). Em ambos os pleitos, a filha de Fujimori enfrentou candidatos com uma base de apoio maior do que a de Castillo e, também, com mais recursos econômicos. Na atual disputa, apontam jornalistas locais, Keiko e Castillo terminaram empatados porque desta vez a ex-deputada teve um rival mais vulnerável.

— As campanhas anteriores foram milionárias, com todos os meios de comunicação a respaldando, com campanhas de medo, mas ela (Keiko) perdeu. A diferença hoje é que Castillo não é Humala nem PPK, que eram candidatos mais preparados, com partidos fortes — explica Ángel Paez, editor do jornal La República.

Medo move apoios

Castillo é um sindicalista cujo maior mérito, até hoje, é ter liderado uma greve nacional contra o governo de PPK. Seu maior problema chama-se Vladimir Cerrón, fundador do Peru Livre, condenado por corrupção e com vínculos públicos com os governos de Cuba e Venezuela. Não está claro, ainda, quais seriam os limites do esquerdismo de Castillo, em pleno processo de aliança com outros setores da esquerda peruana, que lhe garantiria alguma governabilidade caso seja eleito presidente. Espera-se, por exemplo, uma posição moderada sobre a Venezuela de Maduro, e a busca de alianças com outros governos de esquerda, como o do Movimento ao Socialismo (MAS), na Bolívia.

—  No dia de hoje, acima de tudo, deve vencer o Peru — declarou o candidato, após votar.

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Castillo transformou-se num fenômeno eleitoral graças, principalmente, ao voto do interior do Peru. De setores marginalizados da população, ainda mais empobrecidos desde que a pandemia assolou o país e provocou, em 2020, queda de 11% do PIB. Seu surgimento, com uma força inesperada, assustou os que pretendem, apesar da crise, preservar um modelo de crescimento profundamental desigual. O medo de Castillo é tão grande que personalidades da política e da cultura tradicionalmente antifujimoristas optaram por respaldar a candidatura de Keiko.

— Espero que Keiko cumpra a promessa de convocar um Gabinete de unidade nacional, sem sectarismo político — declarou Pedro Cateriano, ex-presidente do Conselho de Ministros do governo de PPK.

Segundo ele, "Castillo pretende capturar o poder e buscar saídas fora do marco constitucional". O que o candidato do Peru Livre defendeu, enfaticamente, foi uma reforma da Constituição.

— É fácil dizer que o modelo não funciona quando estamos pagando o custo de um Estado empresarial que empobreceu milhões de peruanos — argumentou Cateriano, considerado uma espécie de porta-voz do establishment local.

Até pouco tempo atrás, o ex-presidente do Conselho de Ministros era um dos mais acérrimos críticos do fujimorismo, assim como o escritor Mario Vargas Llosa, que virou quase garoto propaganda de Keiko.

De um lado, os que defendem a continuidade do modelo econômico em aliança com os que buscam impunidade. Do outro, um esquerdismo ainda cheio de incógnitas, que provoca temores na sociedade.

Keiko pediu perdão até o cansaço, ciente de que estava diante de sua melhor chance de conquistar a Presidência e, quem sabe, ter em suas mãos o poder de indultar o próprio pai, que cumpre pena de 25 anos de prisão.

— Peço perdão aos afetados (pelo fujimorismo), e faço isso com humildade e sem ressalvas — disse a candidata.

Sobre sua cabeça paira um pedido de 30 anos de prisão por associação criminosa.