Economia

UE abre sua 1ª investigação formal antitruste contra o Facebook. Reino Unido também inicia apuração

Ações ampliam ofensiva contra a 'big tech' americana para regular atuação da companhia, coibir práticas irregulares e o domínio de mercado
Europa e Reino Unido iniciam investigações para apurar se o Facebook atua de forma irregular, levando vantagem sobre concorrentes e sobre seus próprios anunciantes Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP
Europa e Reino Unido iniciam investigações para apurar se o Facebook atua de forma irregular, levando vantagem sobre concorrentes e sobre seus próprios anunciantes Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP

LONDRES - A União Europeia abriu nesta sexta-feira sua primeira investigação formal contra o Facebook por práticas anticompetitivas que envolvem comércio digital e publicidade on-line. O movimento foi acompanhado pelo Reino Unido, onde os órgãos reguladores também iniciaram uma investigação paralela contra a gigante de tecnologia.

O objetivo nos dois casos é apurar o uso de dados de internautas que compram e vendem pelo marketplace do Facebook para obter vantagem sobre os concorrentes no segmento de anúncios na web.

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Lançado em 2016, o marketplace do Facebook é usado em 70 países para compra e venda de produtos de 7 milhões de empresas e está sob escrutínio da União Europeia desde 2019. Mas as investigações até agora eram preliminares.

A acusação que recai sobre a companhia é de que ela cruza dados dos usuários para indentificar suas preferências e, assim, direcionar anúncios para esses internautas, competindo indevidamente com outros anunciantes que não têm acesso a essas informações.

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— Na economia digital de hoje, dados não devem ser usados de forma a distorcer a competição — afirmou Margreth Vestager, comissária europeia para concorrência. — Vamos olhar no detalhe se o uso dos dados dá ao Facebook uma vantagem indevida, em particular no segmento de classificados on-line.

De olho no site de namoro

O comércio on-line ganhou ainda mais importância durante a pandemia de Covid-19. Em abril, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, disse que mais de um bilhão de pessoas visitam e compram em seu marketplace todo mês.

A investigação europeia pode resultar num processo, com aplicação de multas visando a mudar a forma como o Facebook opera. O movimento dos reguladores europeus é mais um golpe no modelo de negócios da empresa e amplia a ofensiva europeia para frear as big techs americanas.

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A UE já investiga outras gigantes justamente por usarem seu domínio num segmento econômico para obter vantagens em outro. Por exemplo, a Amazon se posicionou como o maior varejista on-line para depois se tornar um importante player no setor streaming de vídeo.

Já a Apple usou o iPhone e o iPad para operar um dos maiores serviços de pagamentos móveis do mundo, o Apple Pay, além de amarrar os desenvolvedores de aplicativos à sua loja de App Store. A UE também já aplicou mais de € 8 bilhões em multas ao Google.

O Facebook também já foi multado, mas por outra razão: falhas em fornecer informações corretas sobre a aquisição do WhatsApp.

A investigação do Reino Unido é mais ampla que a da UE. Além da questão do marketplace , os reguladores britânicos vão investigar o uso do login único para acesso a outros sites, além de como a companhia se beneficia de sua plataforma de namoro.

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“Pretendemos investigar exaustivamente o uso de dados do Facebook para avaliar se suas práticas de negócios estão dando a ele uma vantagem injusta nos setores de namoro on-line e de classificados”, informou o presidente-executivo da Autoridade de Concorrência e Mercados (CMA), Andrea Coscelli, em um comunicado

“Qualquer vantagem nesse sentido pode dificultar o sucesso de empresas concorrentes, incluindo novos e pequenos negócios, e pode reduzir as escolhas para o consumidor”, complementou.

O Facebook informou que vai colaborar com as investigações da Europa e do Reino Unido “para provar que elas não têm mérito”. “O mercado e o namoro oferecem mais opções às pessoas. Ambos os produtos operam em um ambiente altamente competitivo com muitos grandes operadores”, disse a empresa em nota.

Google investigado

Também nesta sexta, o órgão de defesa da concorrência da Alemanha disse que abriu uma investigação sobre o produto de notícias do Google, News Showcase.

Segundo os reguladores alemães, embora a cooperação com o Google possa ser atraente para os editores de conteúdo, “é preciso assegurar que isso não leve à discriminação entre editores individuais”. “Nem a forte posição do Google no acesso aos usuários finais pode levar à exclusão de ofertas rivais de editores ou outros fornecedores de notícias”, disse a instituição.

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Em resposta, o Google afirmou que o Showcase é uma das muitas formas pelas quais a empresa apoia o jornalismo, construindo produtos e reunindo fundos com os quais todos os editores podem se beneficiar.

Acusações contra 'big techs' na Europa

Google

Há mais de uma década a gigante de buscas vem sendo alvo de queixas na Europa. Já em 2009, o site britânico de comparação de preços Foundem registrou reclamações na Comissão Europeia sobre o sistema de buscas da Google.

No ano seguinte,  União Europeia abre uma investigação antitruste baseada nas alegações de que o Google abusou de sua posição dominante na pesquisa on-line, depois de receber várias reclamações de rivais e críticos da empresa, incluindo editores de notícias e ferramentas de busca especializados, como Expedia e Tripadvisor.

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Em abril de 2013, o Google ofereceu concessões relacionadas a buscas e a seu sistema de anúncios AdSense para resolver preocupações da União Europeia, mas sem admitir qualquer ação indevida.

Em 2015, a UE apresentou suas primeiras acusações contra o Google, acusando a empresa de distorcer os resultados de pesquisa para favorecer seu serviço de compras. Margrethe Vestager também abre uma investigação sobre a conduta da empresa em relação ao seu sistema operacional móvel Android.

Em 2018, a UE estabeleceu uma multa recorde, ao impor penalidade de € 4,34 bilhões ao Google após uma investigação de três anos.

Um ano depois, a UE impõs uma multa de € 1,49 bilhão ao Google por práticas abusivas em publicidade on-line. A empresa recorreu.

Este ano, a gigante americana é alvo de uma investigação na Alemanha contra práticas anticoncorrência na e estaria perto de fazer um acordo com os reguladores da França para encerrar outro escrutínio antitruste.

Apple

No caso da dona do iPhone, o foco maior é em sua loja de aplicativos, a AppStore. Em abril, a UE acusou a Apple de violar regras antitruste com sua política de pagamentos na App Store.

Para a UE, a Apple manteve práticas anticompetitivas e abusou do controle sobre a distribuição de aplicativos ao pressionar rivais a utilizarem sua loja virtual para venderem seus conteúdos.

Um mês antes, o órgão regulador da concorrência do Reino Unido abriu uma investigação sobre a Apple após queixas de que os termos e condições da fabricante do iPhone para desenvolvedores de aplicativos são injustos e anticompetitivos.

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Em 2020, um grupo liderado pelo ativista de privacidade Max Schrems abriu um processo junto às autoridades de proteção de dados da Alemanha e da Espanha sobre a ferramenta de rastreamento on-line da Apple, alegando que ela violava a lei europeia ao permitir que iPhones armazenassem dados de usuários sem seu consentimento.

Foi a primeira ação importante contra a empresa americana relacionada às regras de privacidade da União Europeia.

Amazon

A gigante do comércio eletrônico passou a ser alvo em 2020 de duas investigações da União Europeia sobre o tratamento que dá a vendedores terceirizados.

Na avaliação da UE, a Amazon vem recolhendo dados de terceiros que vendem seus produtos no site, usando essas informações para competir contra eles, por exemplo lançando produtos similares a preços mais baixos.

No fim do ano passado, o bloco afirmou que a empresa de Jeff Bezos violou as leis de concorrência  ao usar injustamente seu tamanho e acesso a dados para prejudicar comerciantes menores que, dependem dela para alcançar os clientes.

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A Europa também iniciou uma investigação paralela das políticas da Amazon em torno de seu "carrinho de compra", uma importante ferramenta no site da empresa que torna mais fácil para os consumidores clicarem rapidamente para fazer uma compra.

E estuda se a Amazon dá tratamento preferencial para a compra de seus próprios produtos e de outros vendedores que pagam para usar os serviços de logística da companhia.

Legislação contra aquisições

Este ano, a legislação proposta na União Europeia para regular mais fortemente gigantes de tecnologia como Google, Facebook, Amazon e Apple deve ser reforçada para permitir que os reguladores examinem suas aquisições de rivais iniciantes, afirmaram autoridades de Alemanha, França e Holanda no final de maio.

Os reguladores devem usar a proposta de Digital Markets Act (DMA), ou lei de mercados digitais, para resolver este problema, disseram os ministros.

A DMA tem como objetivo combater a concorrência desleal na indústria, e também está sendo proposta uma lei de serviços digitais (Digital Services Act, ou DSA), que força as empresas de tecnologia a assumirem mais responsabilidade por tolerarem comportamentos ilegais em suas plataformas, sob pena de multas pesadas, e até desmembramento de seus negócios.