Exclusivo para Assinantes
Cultura Música Comportamento

'João Gilberto eterno' reúne artistas do Brasil e Japão para homenagear o músico, que completaria 90 anos hoje

Produção do disco, que traz convidados como Leila Pinheiro e Lisa Ono, foi dividida por Mario Adnet e Shigeki Miyata
João Gilberto em Nova York, em 1977
Foto: Hirosuke Doi
João Gilberto em Nova York, em 1977 Foto: Hirosuke Doi

Embora tantas vezes tratado por aqui como um personagem folclórico, João Gilberto devotou ao Brasil um amor de vida inteira. O Japão foi o seu amor do século XXI, o encontro entre almas gêmeas, unidas por silêncio e respeito. Faz sentido que parta de produtores dos dois países uma das poucas — mas significativa — homenagens ao artista nos 90 anos que ele completaria neste 10 de junho.

“João Gilberto eterno” é o nome do álbum a ser lançado no dia 16 nas plataformas digitais — e também em CD no Japão. Do lado de cá, a produção foi do músico e arranjador Mario Adnet. Do lado de lá, de Shigeki Miyata, responsável pelas três viagens a seu país daquele a quem considera um deus. No encarte, há uma foto de João feita pelo japonês Hirosuke Doi em Nova York, em 1977 (a mesma série que ilustra essa reportagem).

João Gilberto : As raridades que vieram à luz após a morte do pai da bossa nova

Entre os participantes estão Mônica Salmaso e Guinga (“Chega de saudade”), Moreno Veloso (“Bim bom”), Jean Charnaux (“Um abraço no Bonfá”), João Donato e Antonio Adnet (“Minha saudade”), Rosa Passos (“Doralice”), Leila Pinheiro (“Você e eu”) e Joyce Moreno (“Estate”).

Os japoneses são Lisa Ono (“Valsa da despedida”), Febian Reza Pane (“Bebel”), Goro Ito (“João Marcelo”) e Mika Stoltzman, com seu marido, o americano Richard Stoltzman (“All of me”).

O conjunto de 15 faixas concilia standards do repertório do inventor da bossa nova com músicas não tão conhecidas. Concilia versões em que as diferenças em relação às de João são sutis com outras em que são profundas.

— É o que ele fazia. Homenageava tudo o que tinha ouvido quando garoto, adolescente, e rearranjava, acrescentando diferenças — diz Adnet, que em dez faixas assina os arranjos e toca violão.

João Gilberto : Tributos de aniversário são adiados

Adnet desejava fazer um trabalho semelhante muito antes de o baiano de Juazeiro morrer, em 6 de julho de 2019 . No início de 2020, ciente de que um projeto como esse só seria viável com recursos do exterior, entrou em contato com Miyata. Veio a pandemia, e as gravações se tornaram um desafio logístico. Parte dos brasileiros gravou num estúdio do Rio. Os demais, em estúdios caseiros. O processo foi equivalente em Tóquio. A mixagem de tudo coube a Gabriel Pinheiro.

Miyata conheceu Adnet em 2001, quando esteve no Rio para convencer João a realizar uma turnê. Não foi recebido. Mas com delicadeza. O artista enviou um filé para Miyata jantar e conversou com ele por telefone ao longo de meia hora (em português, língua de que o produtor não sabia patavinas). Antes da conversa, lamentara: “Sinto muito não poder ir ao Japão. Desculpe-me”. Dois anos depois, estava lá para apresentações em Tóquio e Yokohama.

— A primeira vez em que encontrei João foi na véspera do primeiro concerto — conta Miyata em mensagem enviada ao GLOBO. — Ele olhou para o meu rosto e disse: “Você deve ser Miyata”, e me abraçou. Sussurrou nos meus ouvidos: “Better late then never” (melhor tarde do que nunca). E falou: “Miyatinha, you are my best friend” (você é o meu melhor amigo).

Em Tóquio, foi aplaudido por 25 minutos ao fim de um concerto. Transformou a noite de 12 de setembro no CD “In Tokyo”, lançado no ano seguinte, quando retornou para se apresentar na capital e em Osaka. Em 2006, mais uma vez em Tóquio, cantou a sua música “Je vous aime, Japão”.

A ‘Garota’ e Izaura

“João Gilberto eterno” começa com “Garota de Ipanema”, o hit maior de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Por sugestão de Daniel Jobim, neto do maestro, Adnet ouviu de novo a primeira versão do samba, lançada em 1962, no show do Au Bon Gourmet, em Copacabana, que reuniu João, Tom, Vinicius e Os Cariocas.

— Encontrei um frescor que me ajudou a fazer algo diferente com a “Garota”. Decidi contar a história arranjística da música. Fazer um passeio por arranjos que ela recebeu — explica Adnet, que canta juntamente com Daniel e Dora Morelenbaum.

No álbum também há sambas antigos que foram reinventados pelo baiano. É o caso de “Izaura” (de Herivelto Martins e Roberto Riberti), com Mario e Antonia Adnet recriando o duo feito por João e Miúcha em 1973.

“Izaura” encerrou o disco “João Gilberto”, que ficou conhecido como o “álbum branco” do artista. À época, não causou grande impacto, mas se tornou aos poucos o disco mais cultuado de João. São dez faixas de voz e violão, com algumas intervenções do baterista americano Sonny Carr. Chega agora às plataformas digitais, também celebrando os 90 anos.