Saúde Coronavírus

Brasil ultrapassa 500 mil mortes por Covid-19

Cientista à frente do grupo Ação Covid-19, José Paulo Guedes Pinto alerta que ainda há espaço para o vírus crescer no país: 'Vamos parar em 1 milhão, 2 milhões de óbitos?'
500 mil mortos Foto: O Globo
500 mil mortos Foto: O Globo

SÃO PAULO — O Brasil chegou neste sábado a 500.022 mortes por Covid-19. A perda de meio milhão de vidas, registrada pelo consórcio de imprensa do qual O GLOBO faz parte, impõe a pergunta: quantas mortes ainda teremos? Não há estudos, mas nos últimos meses, sob o clamor da CPI da Covid-19, pesquisadores têm se permitido opinar sobre o que as políticas públicas trouxeram e suas consequências.

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No mesmo dia em que o país registra o marco de 500 mil mortes, milhares de manifestantes foram às ruas contra o governo Bolsonaro. Os atos pedem o impeachment do atual presidente da República e o avanço da vacinação em meio a críticas à gestão da pandemia no Brasil.

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No momento, cerca de 11,5% dos brasileiros receberam duas doses da vacina. Levando em conta o baixo isolamento social atual, o índice vacinação mínimo para frear a pandemia é acima de 40%, diz o grupo Ação Covid-19, que envolve diversos especialistas em modelagem matemática. Se o isolamento cair a zero, o grupo afirma que seria preciso 70% da população imunizada (ou sobrevivente de infecção prévia) para conter o coronavírus.

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José Paulo Guedes Pinto, cientista da Universidade Federal do ABC à frente do Ação Covid-19, lembra que os casos registrados não chegam a 10% da população — ou seja, ainda há espaço para o vírus crescer:

— Se a gente deixar todo o resto se infectar, quantos vão morrer? Não vão ser 5 milhões, porque jovens e crianças morrem menos que os mais velhos, que estão mais vacinados. Mas vamos parar em 1 milhão, 2 milhões? Não sei.

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Pedro Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas, concorda que a questão é complexa:

— Quantas pessoas ainda podem morrer na pandemia no Brasil depende de muitos “se”. Mas podemos dizer, por exemplo, que se a vacinação continuar como foi no último mês, e se as medidas não farmacológicas não forem ampliadas, podemos nos preparar para manter uma média diária acima de 1.500 óbitos por dois ou três meses.

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Isso implicaria mais 150 mil mortes de hoje até o fim de setembro, e a pandemia provavelmente ainda não estaria controlada pela vacina. Em junho, o ritmo de vacinação se acelerou para uma média de quase 1 milhão de doses aplicadas por dia. Nessa velocidade, o Brasil só atingiria em dezembro uma parcela de 70% da população imunizada: o limiar estimado da chamada “imunidade de rebanho”, para segurar a expansão da epidemia.

Mortes evitáveis

A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunização (PNI) por oito anos, afirma que, mesmo com atraso, a vacina pode diminuir a carga de mortes que estaria por vir:

— Os 70% são o limiar para diminuir drasticamente a incidência da transmissão do vírus, mas é possível que a gente consiga observar antes disso um impacto na diminuição da carga de óbitos da doença.

Hallal é um dos cientistas que têm usado o número de mortos como medida do fracasso do combate à pandemia. Em janeiro, o pesquisador publicou comentário na revista científica Lancet afirmando que o Brasil poderia ter evitado três quartos dos óbitos caso tivesse tido um desempenho apenas razoável na contenção do vírus.

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Atualizando o cálculo, o pesquisador vê uma situação pior: como o Brasil possui 2,7% da população mundial, explica Hallal, seria natural que registrássemos uma proporção similar nas mortes pela doença. O país, porém, registrou até hoje 12,8% dos óbitos globais por Covid-19. Isso significa que um desempenho mediano em evitar mortes teria sido capaz de salvar 408 mil vidas.

— Essa conta não é um artigo científico sobre mortes evitáveis, mas uma explicação simples para a população dimensionar o tamanho da tragédia que é a Covid-19 no Brasil — ressalta Hallal.

Ainda mais vítimas

Há um ano, quando o Brasil tinha menos de 30 mil mortes por Covid-19, Paulo Lotufo, professor de epidemiologia na USP, afirmou que o país poderia ter sofrido um terço delas. Hoje, o cientista não se manifesta sobre qual seria a parcela das mortes evitáveis entre as 500 mil registradas, mas alerta para o problema real da subnotificação de óbitos por Covid-19— provavelmente, há mais mortos do que registram as estatísticas oficiais.

— Não dá para cravar nada a partir da mortalidade excedente no país [comparação entre óbitos totais antes e depois da pandemia] — explica. — Mas tenho uma estimativa para o município de São Paulo, por exemplo, de que aqui temos na verdade 20% a mais de mortes pela Covid-19 do que o registrado.

Se aplicado o cálculo em todo o país, chegaríamos hoje à perda de inacreditáveis 600 mil brasileiros pela pandemia.