Cultura

Morre o jornalista, dramaturgo e escritor Artur Xexéo, aos 69 anos

Colunista de O GLOBO, ele lutava contra um linfoma e estava internado na Clínica São Vicente
Artur Xexéo: jornalista estava internado na clínica São Vicente Foto: Divulgação/ TV Globo
Artur Xexéo: jornalista estava internado na clínica São Vicente Foto: Divulgação/ TV Globo

Morreu neste domingo, aos 69 anos, o jornalista, escritor e dramaturgo Artur Xexéo, um dos principais representantes da imprensa cultural do país. Xexéo havia descoberto um linfoma há duas semanas e começou o tratamento na última quinta-feira. Ele teve uma parada cardiorrespiratória na sexta-feira, e morreu na Clínica São Vicente, na Zona Sul do Rio, onde estava internado.

Xexéo iniciou a carreira jornalística em 1975, como estagiário da editoria de Geral no Jornal do Brasil. Após trabalhar em redações de revistas em São Paulo, voltou para o JB em 1985, agora como subeditor do Caderno B, suplemento cultural do diário carioca.

Veio para O GLOBO em 2001 como editor do Rio Show e, dois anos depois, assumiu o Segundo Caderno. Um de seus desafios, na época, era privilegiar reportagens e entrevistas com apelo do que as notícias mais quentes. Outras de suas marcas foi valorização da crítica de cinema e teatro em um momento em que estes espaços escasseavam nos jornais.

Em 2010, ele deixou o cargo de editor e passou a se dedicar apenas a sua coluna no jornal, onde escrevia duas vezes por semana. Diariamente, conversava com Carlos Heitor Cony e Viviane Moss, na rádio CBN. Em 2015, ele se desligou do GLOBO, mas retornou como colunista um ano depois. Xexéo também foi comentarista da rádio CBN e do “Estúdio i”, do canal GloboNews.

Ancelmo Gois : 'O luto é de todos os leitores'

Em suas colunas semanais, publicadas aos domingos no Segundo Caderno, Xexéo imortalizou expressões como os seus “17 leitores” e as inesquecíveis “fitas-banana”, como chamava as polêmicas que se estendiam por semanas nas colunas, sempre com participação ativa dos leitores. A referência vinha dos muitos nomes da fita crepe, ela própria motivo de intermináveis debates sobre sua denominação em diferentes regiões do país. O humor ácido, uma de suas maiores marcas, também se fazia presente nos textos, como nas premiações criadas ao longo do tempo, como o “Prêmio Zum de Besouro” (referência à música “Açaí”, de Djavan, oferecido a canções com letras herméticas), ou o autoexplicativo “Prêmio Mala do Ano”.

'Dramaturgo acidental'

Apaixonado por teatro, Xexéo costumava se classificar como um “dramaturgo acidental”. Suas peças homenageavam figuras da história cultural carioca. Em 2010, ele escreveu o musical “A garota do biquíni vermelho”, que reverenciava a vedete Sonia Mamede. Dirigida por Marília Pêra, a peça procurava recuperar a importância da atriz e humorista, além de cantora de sucessos como “Maria Chiquinha”. Com o espetáculo, Xexéo teve a experiência de se lançar como compositor, criando as letras e as melodias de duas canções presentes no musical.

Dois anos depois, o jornalista escreveu a peça “Nós sempre teremos Paris”. Com direção de Jacqueline Laurence, e tendo no elenco Françoise Forton e Aloísio de Abreu, a comédia romântica trazia pérolas conhecidas e outras nem tanto do cancioneiro francês do século XX. Ele também traduziu o espetáculo musical “Xanadu”, dirigido por Miguel Falabella; o espetáculo “Love Story, o musical”, dirigido por Tadeu Aguiar e escreveu os musicais “Cartola — O mundo é um moinho” e “Minha vida daria um bolero”. Já em 2019 fez a adaptação do musical “A cor purpura”, de Alice Walker, com direção de Tadeu Aguiar.

Memória : Veja as colunas de Artur Xexéo no GLOBO

Xexéo narrou a vida de grandes damas da televisão em livros como “Janete Clair — A usineira dos sonhos” (1996), sobre a lendária autora de folhetins. Em 2017, ele publicou “Hebe: A biografia”, que conta toda a trajetória da irreverente apresentadora Hebe Camargo. Ele também lançou os livros “O torcedor acidental” (Rocco, 2010) e “Liberdade de expressão” (Futura, 2003), com Carlos Heitor Cony e Heródoto Barbeiro. Cinéfilo, ele comentou várias edições da transmissão do Oscar na TV Globo.

Ator em peças como "Nós sempre teremos Paris" e "Um Natal prá nós dois", além de diretor de  "A cor púrpura", Tadeu Aguiar lamentou a morte do amigo:

— Meu grande amigo. Meu incrível parceiro. Meu amado irmão. Tínhamos muitos projetos juntos. Estou dilacerado. O Brasil perde um pensador. Um crítico das injustiças. Um artista das palavras. Um apaixonado pela arte. Um homem ético. O Brasil perde muito. Sem ele, uma voz a menos contra a imbecilidade que assola parte significativa desta nação.

Saudade : Amigos e colegas de profissão lamentam a morte de Artur Xexéo

Companheira de "Estúdio I", na Globo News, Maria Beltrão destacou a forma com que o jornalista conseguia transformar o lado mais banal do cotidiano em observações primorosas:

— Era impressionante como o Xexéo usava um fato corriqueiro, podia ser comer uma salada no Leblon, como ponto de partida para mostrar que a vida era um grande acontecimento. Conviver com Xexéo foi um dos grandes privilégios da minha vida — disse a apresentadora.

Amigo de décadas, Zuenir Ventura, de quem Xexéo se dizia "afilhado" no jornalismo, resumiu a perda:

— Estou arrasado, imprestável, só consigo dizer: perdi meu filho profissional.

Colunista de O GLOBO, Ancelmo Góis destacou o valor do colega para as artes em geral:

— O jornalismo e, mais que ele, a cultura brasileira, perde um personagem importante, de grande valor, que, através da sua escrita, celebrou nosso cinema, nosso teatro, nossas artes e, mais que isso, a vida. Era um cronista que transformava assuntos banais numa coisa grandiosa e com profundo recado.

No Twitter, o imortal e colunista do GLOBO Merval Pereira lamentou: "A morte surpreendente do Artur Xexéo acrescenta uma dor às dores que vivemos. Não apenas por causa da COVID-19 , mas,  sobretudo, pelo ambiente tenebroso que envolve a cultura nacional que ele representava como jornalista, mas também autor teatral e escritor. A vida piora".

O jornalista Arthur Dapieve definiu como "um vazio imenso" a perda do cronista. Astrid Fontenelle, que esteve ao lado de Xexéo em programa da CBN, contou ter sido muito bem recebida por ele, quando estreou na rádio.

— O que mais aprendi com ele foi a arte da televisão. Foi um mestre generoso que foi muito gentil comigo.

Amiga pessoal do jornalista, a crítica de TV do GLOBO, Patrícia Kogut, falou dele com carinho.

—  Onde ele botava a mão, a coisa prosperava, florescia, tinha um texto maravilhoso. Era um cara com um conhecimento muito grande e sem nenhum preconceito, lia sobre tudo, do mais pop ao mais sofisticado. Era um amigo muito próximo, a gente se falava todo dia . Era um dos maiores textos do jornalismo, com humor refinado e cultura ampla. Perdi um irmão.

Nas redes sociais, a atriz Monica Martelli fez o seguinte post no Insagram:

— Ácido, inteligente, bem humorado, necessário. Se vai mais uma grande mente do nosso país.

Xexéo deixa o companheiro, Paulo Severo, com quem estava há 30 anos.