Saúde

Estudo estima que 1,5 milhão de crianças no mundo perderam um dos responsáveis para a Covid-19

No Brasil, pesquisadores indicam que mais de 130 mil foram afetadas por essas mortes
Em Manaus, filho deixa homenagem no túmulo da mãe morta pela Covid-19 Foto: Fotoarena
Em Manaus, filho deixa homenagem no túmulo da mãe morta pela Covid-19 Foto: Fotoarena

RIO — Pelo menos 1,5 milhão de crianças no mundo perderam o pai, a mãe, um avô ou avó ou um responsável em razão da Covid-19 durante a pandemia, segundo estudo publicado ontem na revista científica The Lancet. No Brasil, segundo estimativa dos pesquisadores, 130.363 crianças vivem essa situação.

O estudo oferece, pela primeira vez, estimativas mundiais de crianças que enfrentaram a morte de um responsável por sua criação. O levantamento foi feito a partir de dados de 21 países, considerando estatísticas de mortalidade e fertilidade e usando métodos semelhantes aos da Unaids (programa da ONU para HIV/Aids) para estimar o número de crianças órfãs devido à Aids.

“A cada duas mortes de Covid-19 em todo o mundo, uma criança é deixada para trás para enfrentar a morte de um pai ou responsável”, Susan Hillis, pesquisadora dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA e uma das autoras do estudo.

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Segundo os especialistas, crianças que perdem o responsável correm o risco de efeitos adversos profundos de curto e longo prazos em sua saúde, segurança e bem-estar, como aumento do risco de doenças, problemas de saúde mental, abuso físico, violência sexual e gravidez na adolescência.

Assim, os pesquisadores cobram políticas públicas para amparar as crianças e os que se tornam responsáveis por elas.

“Precisamos apoiar parentes e famílias adotivas para cuidar das crianças, com fortalecimento econômico, programas de apoio e acesso à escola. É preciso agir rápido porque, a cada 12 segundos, uma criança perde seu cuidador para a Covid”, escreve Lucie Cluver, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e outra autora do estudo.

Tabu

A pesquisa aborda ainda a importância dos avós na criação dos netos, tanto no sentido afetivo quanto no apoio prático e financeiro. A porcentagem de crianças que vivem em lares que incluem avós é de 38% em todo o mundo e, segundo o estudo, no Brasil, 70% das crianças recebem apoio financeiro dos avós.

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Para a psicóloga Andréia Mutarelli, do setor de pediatria do Hospital Sírio-Libanês, o luto já se configura como mais um problema de saúde pública provocado pela pandemia:

— Várias questões se acumulam ao luto da perda de um responsável, que já é importante, como a perda dos rituais presenciais, as perdas financeiras e o isolamento social. Uma rede de apoio indisponível ou insuficiente é um fator de risco complicado para o luto.

Denise Lopes Madureira, coordenadora da Equipe de Cuidados Paliativos do Sabará Hospital Infantil, ressalta ainda a importância de quebrar o tabu em torno da morte:

— A sociedade precisa aprender a encarar a morte e discutir o tema na escola, na igreja e em família para que o assunto não seja empurrado para debaixo do tapete. Não tem como esconder o momento histórico que estamos vivendo, está na mídia, na televisão e nas conversas. Fica difícil afastar a criança dessa realidade. Espero que haja uma mudança de concepção.

E, para Sandra Mutarelli Setúbal, especialista de um programa infantil também do Sabará, aumenta a necessidade de acolher as crianças que enfrentam essa dor:

— Importante saber que ela é um ser em desenvolvimento, e cada faixa etária tem uma noção da morte. É preciso conversar e acolher. Poupar uma criança do luto familiar é isolá-la no seu sofrimento.