Cultura

Morre, aos 91 anos, José Arthur Giannotti, um dos maiores nomes da filosofia brasileira

Conhecido por seu rigor, filósofo era professor emérito da Universidade de São Paulo e autor de estudos sobre Marx, Heidegger e Wittgenstein
O filósofo José Arthur Giannotti, em sua casa, em São Paulo, em fevereiro de 2020 Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
O filósofo José Arthur Giannotti, em sua casa, em São Paulo, em fevereiro de 2020 Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Faleceu nesta terça-feira (27), aos 91 anos, o filósofo José Arthur Giannotti , professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. A informação foi confirmada por Marcos Nobre , presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela Companhia das Letras. Giannotti estava internado desde a última quinta-feira (22) após sofrer uma uma queda em casa e fraturar várias costelas. Devido à idade, o quadro se complicou provocando infecções múltiplas.

Considerado por seus pares um dos maiores nomes da filosofia brasileira, Giannotti se dedicou ao estudo de autores como Karl Marx , Martin Heidegger e Ludwig Wittgenstein e presidiu o Cebrap durante quatro mandatos. Entre seus livros publicados, estão clássicos da filosofia uspiana, como "Origens da dialética do trabalho: estudo sobre a lógica do jovem Marx", tese de livre-docência defendida em 1966 e publicada em 1985; e "Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade", de 1983. No ano passado, aos 90 anos, lançou "Heidegger/Wittgenstein: confrontos". Em entrevista à revista ÉPOCA, disse que se tratava de seu "melhor livro".

Nos anos 1990, Giannotti era considerado o filósofo mais influente da República, devido a sua amizade de décadas com o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Giannotti apoiou a candidatura de FHC, participou Conselho Federal de Educação por alguns meses em 1996, e às vezes era chamado de "intelectual tucano" pela imprensa, embora nunca tenha sido filiado ao PSDB. Diferentemente de muitos de seus colegas acadêmicos, jamais quis trocar a filosofia pela política ou por cargos públicos. “Nunca pensei que meus colegas detestassem tanto a profissão que escolheram”, disse, em 1994, ao assistir à debandada de intelectuais para o governo de FHC. No início dos anos 1980, chegou a entrar no PT, mas logo se afastou do partido.

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Conhecido por seu rigor, Giannotti era avesso à filosofia que se limitava a comentar textos clássicos, prática que ele chamava de "bordado". Também eram folclóricos o seu mau humor e suas brigas com outro filósofo marxista uspiano, Ruy Fausto , que faleceu no ano ano passado.

'Mocinho inteligente'

Nascido em São Carlos, no interior paulista, em 1930, Giannotti se mudou para São Paulo com a família porque o pai queria dar educação universitária aos quatro filhos: todos estudaram na USP. Adolescente, conheceu Rudá de Andrade (1930-2009) e passou a frequentar a casa do pai dele, o poeta modernista Oswald de Andrade (1890-1954). Na residência dos Andrades, Giannotti conheceu intelectuais como o crítico literário Antonio Candido (1918-2017), que o descreveu como um “mocinho inteligente”, e Vicente Ferreira da Silva (1916-1963). Por sugestão de Oswald, frequentou um curso sobre Platão oferecido por Ferreira da Silva e, quando entrou na Faculdade de Filosofia da USP, já tinha algum conhecimento de filosofia grega.

Em 1956, como era tradição na Faculdade de Filosofia, Giannotti foi enviado à França para aprimorar seus estudos. Voltou em 1958 e organizou o Seminário Marx, um grupo de leitura de "O capital" que reunia jovens intelectuais, como o historiador Fernando Novais, o filósofo Bento Prado Júnior, o economista Paul Singer e FHC, à época um sociólogo promissor. Giannotti apresentou aos colegas um método de leitura aprendido com os franceses: o texto filosófico devia ser lido palavra por palavra, argumento por argumento, de modo a compreender sua arquitetura.

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Em 1968, publicou uma tradução de "Tractatus logico-philosophicus", a principal obra de Wittgenstein. Foi a segunda a tradução do "Tractatus" a ser publicada no mundo, atrás apenas de uma edição em inglês. Já Heidegger, ele começou a ler por insistência do filósofo gaúcho Ernildo Stein, embora, no início, mantivesse um pé atrás devido às ligações do autor de "Ser e tempo" com o nazismo. "Eu dizia: 'Não vou estudar esse nazista!', mas tive de admitir que o nazista é um bom filósofo", disse, no ano passado, a ÉPOCA.

Em 1969, Giannotti foi aposentado compulsoriamente da USP, juntamente com outros professores considerados subversivos pela ditadura militar. Pensou em seguir para a França, mas sua mulher, a poeta Lupe Cotrim, queria continuar no Brasil. Ela morreu em 1970, de câncer, e Giannotti acabou se exilando no Cebrap, que reuniu um punhado de intelectuais afastados de universidades pelo regime. Voltou à USP no início dos anos 1980, aposentou-se definitivamente em 1984, mas continuou ministrando cursos esporádicos na faculdade.

Em sua última entrevista , concedida do GLOBO no ano passado, Giannotti contou andava "apaixonado" pelo filósofo Baruch de Espinosa, um dos grandes racionalistas do século XVII. "É genial como a filosofia tem riachos — e não grandes rios — por todos os lados".

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