Governo Bolsonaro publica foto de homem armado para parabenizar o dia do agricultor — Foto: Reprodução/Twitter
A Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República publicou uma foto de um homem armado em sua conta no Twitter, na manhã desta quarta-feira (28), para fazer uma homenagem ao Dia do Agricultor.
O tuíte foi apagado à tarde, após críticas. A postagem também foi excluída da página do Instagram da Secom.
Um dos usuários do Twitter apontou a origem da fotografia, retirada do banco de imagens iStock, que é pago. Neste site, a foto tem a seguinte a descrição: "Silhueta de caçador carregando espingarda no ombro e observando".
Na noite desta quarta, a Secom divulgou nota dizendo que "alterou uma imagem da série de publicações em homenagem ao Dia do Agricultor. A imagem utilizada anteriormente, em referência à segurança no campo, deu margem a interpretações fora do contexto".
E que "o Governo Federal reafirma a importância dos trabalhadores rurais, categoria que não parou durante a pandemia e que assegurou a produção de alimentos".
"O governo continuará adotando medidas que proporcionem mais tranquilidade e segurança em respeito ao agricultor e à sua família", concluiu.
O Ministério da Agricultura disse que não vai se manifestar.
Após críticas, governo exclui publicação com homem armado em homenagem ao Dia do Agricultor
O G1 também consultou organizações ligadas ao Agro. A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) disse que não vai se pronunciar. E a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não respondeu até a última atualização da reportagem.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) afirmou que "repudia totalmente essa postagem feita nas redes oficiais do governo e, enquanto representante dos agricultores e agricultoras familiares, expressa a sua indignação".
O Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) afirmou que a manifestação "é uma demonstração indigna de quem tomou o lado do escravagista, do jagunço, do capitão do mato, do grileiro e do desmatador, que ignora a realidade de um país que ainda não se reconciliou com seu passado, marcado pela destinação da terra a endinheirados, marginalizando a população".
"É, sobretudo, um escárnio para com as muitas famílias e vítimas da violência no campo, como as do massacre de Eldorado dos Carajás, que completou 25 anos recentemente", disse a entidade, em nota.
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) afirmou que "rechaça o simbolismo armamentista promovido pelo governo federal nas áreas rurais do país" e que a postagem demonstra "desconhecimento da realidade da agricultura familiar no Brasil, marcada pela solidariedade, generosidade e dedicação para prover alimentos de verdade para as famílias brasileiras".
"A segurança no campo não depende de armas, mas sim de políticas públicas de desenvolvimento rural, reforma agrária e tecnologia apropriada, geração de trabalho e renda", disse a entidade.
Política armamentista
Desde que chegou ao poder, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem assinado decretos para ampliar o acesso a armas. Ele já falou, em várias ocasiões, sobre o desejo de ver toda a população armada.
Em 2019, Bolsonaro sancionou uma lei que ampliou a posse de arma para toda a extensão de uma propriedade rural. Até então, a posse era restrita apenas à sede de uma fazenda, por exemplo. A legislação é válida para qualquer propriedade, independentemente do tamanho da área.
Já em fevereiro de 2020, o governo federal editou um "pacote de mudanças" em decretos de 2019, flexibilizando os limites para compra e estoque de armas e cartuchos.
Uma dessas alterações elevou de quatro para seis o número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo.
Um outro decreto deu permissão para que atiradores e caçadores registrados comprem até 60 e 30 armas, respectivamente, sem necessidade de autorização expressa do Exército.
Em apenas três anos, o Brasil dobrou o número de armas nas mãos de civis, segundo um Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no dia 15 deste mês.
Em 2017, segundo a Polícia Federal, o Sistema Nacional de Armas (Sinarm) contabilizava 637.972 registros de armas ativos. Ao final de 2020, o número subiu para 1.279.491 – um aumento de mais de 100%.
Além disso, o número de pessoas físicas que pediram registros para atuarem como caçadores, atiradores desportivos e colecionadores aumentou 43,3% em um ano: de 200,1 mil pessoas, em 2019, para 286,9 mil, em 2020.
Os conflitos no campo também cresceram e bateram um novo recorde em 2020, ao atingir 2.054, um aumento de 8% na comparação com o ano anterior, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Ao todo, mais de 914 mil pessoas estavam envolvidas nas ocorrências relacionadas a uma área superior a 77 milhões de hectares.
A maior parte dos casos aconteceu por causa de terra, sendo registrados 1.576. Destes, 41,6% envolveram indígenas.