O Brasil foi um dos países com o menor percentual de trabalhadores remotos da América Latina no auge da pandemia e permanece bem abaixo de vizinhos como Argentina, Chile, Peru e Uruguai. A informação é da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Em relatório lançado esta semana, a OIT diz que 23 milhões de pessoas trabalharam remotamente na região no segundo semestre de 2020. Embora venha em queda desde então e ao longo de 2021, ante seguidas flexibilizações das medidas de isolamento, o percentual de pessoas assalariadas que trabalhavam de suas casas, ou seja, que tinham vínculo empregatício, saltou de uma média de 3% para algo entre 20% e 30% nos países latino-americanos. O Brasil, assinala a OIT, é exceção.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid-19 (IBGE), mostram que, entre os assalariados brasileiros, o pico de teletrabalho foi de apenas 16%, o que aconteceu entre abril e junho do ano passado. Essa parcela cai a 13% quando considerados todos os ocupados, o que inclui trabalhadores informais e por conta própria, que têm ainda menos oportunidade de home office.
Para ambos os públicos, o índice de teletrabalho caiu 2 pontos percentuais a cada trimestre, chegando a 12% dos assalariados no fim do ano passado e em queda permanente segundo o diretor da OIT para a América Latina e o Caribe, Vinícius Carvalho.
Quando observados somente assalariados do setor privado, o percentual cai a 11,4%. Entre servidores estatutários e militares, esse percentual vai a 24,6%, o que carrega o número total. Como o Brasil também tem proporcionalmente mais funcionários públicos que os países vizinhos, a disparidade no mercado privado é ainda maior.
Na Argentina, o trabalho remoto alcançou 26% de toda a população ocupada, proporcionalmente o dobro do verificado no Brasil. Fenômeno parecido aconteceu no Chile e Costa Rica, que assistiram a um pico de 22% dos ocupados em teletrabalho somente no terceiro trimestre de 2020. No Peru, onde só existem dados sobre assalariados, esse contingente chegou a 30% nos primeiros trimestre de pandemia, com queda acentuada para 17% e 14% nos trimestres seguintes. No Uruguai, o pico da parcela em teletrabalho também ficou acima dos 20%.
Em 2018, antes da pandemia, o Brasil tinha 3,8 milhões de pessoas trabalhando de casa segundo o IBGE. O número saltou para 8,6 milhões em medição realizada no fim de junho de 2020, o equivalente a 12,4% da população ocupada.
“Foi um aumento expressivo, mas proporcionalmente abaixo da vizinhança. Isso se deve, em grande medida, às políticas de confinamento bem menos severas no Brasil do que em países como Argentina, Peru e Chile", diz Pinheiro. “Há, também, uma questão estrutural do mercado de trabalho. O Brasil tem, comparativamente, contingente bem maior de informais e formais que não podem migrar para o modelo à distância."
Ele cita o peso maior dos empregos do setor de serviços no mercado brasileiro e como esses postos, com menores qualificação e remuneração, ficaram inviabilizados no contexto de pandemia. “O contingente que saiu da força de trabalho foi proporcionalmente maior no Brasil que em outros países", diz. Além disso, as políticas que permitiram suspensão de contrato e o auxílio emergencial, ainda que necessárias, também funcionaram como contrapesos aos esforços de ampliação do home office.
Apesar das diferenças estruturais, Carvalho cita estudo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que estima a parcela potencial de ocupados que poderiam migrar ao teletrabalho: 26,5%. O percentual é muito próximo ao de países como Chile (25,74%) e Uruguai (27,28%), e o terceiro maior entre os 12 latino-americanos presentes na lista de 86 países do estudo — em que o Brasil figura na 45ª colocação. O fato denota a influência de medidas de isolamento social mais brandas no menor esforço do mercado ou do próprio governo em promover o teletrabalho.
“O Brasil não aproveitou o potencial que tinha em relação ao teletrabalho, o que permitiria manutenção da atividade produtiva com distanciamento e, tão logo, números de casos e mortes menores", diz Pinheiro.
Segundo o especialista, no entanto, isso não deve prejudicar o incremento do home office mais à frente, quando as empresas não estiverem mais pressionadas pela pandemia e passarem a optar pela modalidade como opção de negócio, para baratear custos.
A OIT prevê que o teletrabalho encolha significativamente em todo o mundo com o fim da pandemia, e estacione em patamares pouco acima dos verificados antes da crise, para depois experimentar crescimento sustentado.