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Cultura Música

Em dois novos álbuns, Guinga põe um pé no subúrbio e outro no Japão

Um dos principais compositores brasileiros da atualidade evoca a infância e gravações feitas em Tóquio
O compositor Guinga Foto: Renato Mangolin / Divulgação
O compositor Guinga Foto: Renato Mangolin / Divulgação

Reconhecido, aos 71 anos, como um dos principais violonistas e compositores brasileiros da atualidade, Guinga tem um pé no mundo e outro no subúrbio carioca. Assim são os dois álbuns que está lançando: “Japan tour 2019” (Biscoito Fino)— realizado com a cantora Mônica Salmaso e os músicos Teco Cardoso e Nailor Proveta —e “Zaboio” (Vogas), trabalho recente que ele classifica como “brejeiro”.

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O neologismo “zaboio” é uma corruptela de “meus aboios”. Evoca a infância que Guinga (nascido Carlos Althier de Souza Lemos Escobar) passou em Vila Valqueire, na fronteira da Zona Norte com a Zona Oeste. Ele revisita o bairro com frequência e, às vezes, observa a casa onde morou, na Rua das Margaridas.

— Valqueire era uma grande fazenda. Parecia filme de caubói: tinha charrete, e a gente via corrida de cavalos na Estrada da Boiúna — recorda.

O tio materno, que comprava e vendia cavalos, obrigava o sobrinho a cuidar dos animais.

— Eu odiava. Nunca montei, e o cheiro de esterco me enjoava. Só mais velho passei a admirar — conta ele, que gostava de ficar no Jockey Club olhando os cavalos e apreciando a relação dos jóqueis com eles.

Em “Zaboio”, que tem produção de Kassin, as lembranças de criança estão, por exemplo, em “Sábia negritude”, “Meu pai”, “Saíra-apunhalada” e na faixa-título. O tom autobiográfico também reveste “A bailarina e o vagalume”, dedicada à sua neta de 3 anos, Catarina. Por causa da pandemia, ele pouco a vê e não pode beijá-la.

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Das 11 músicas, duas são instrumentais e nove foram letradas pelo próprio Guinga. Ele, que teve parceiros como Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc, retomou a prática de escrever, sobretudo durante a pandemia.

— Mas, agora, não estou conseguindo compor. É inútil profissionalmente, porque não tem onde tocar, está tudo parado. Quero estar vivo no ano que vem, me encontrar com a vida.

Ele tinha apresentações marcadas na Califórnia em agosto e acompanharia a Brooklyn Orchestra, de Nova York, tocando uma suíte de sua obra em outubro. As restrições a viajantes brasileiros, por causa da situação descontrolada da Covid-19 por aqui, não o deixarão ir aos EUA.

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No ano pré-pandêmico de 2019, Guinga tocou composições suas em Yamagata, Osaka e Tóquio. Na capital japonesa, também gravou em estúdio parte das faixas do CD que está saindo agora. O concerto em Yamagata foi a convite de uma sociedade de admiradores da música brasileira. Mônica Salmaso conta que, após a apresentação, o presidente do grupo disse que as criações de Guinga o haviam remetido ao Japão de sua infância.

— A linguagem do Guinga está amarrada numa raiz que é a história da música brasileira. Mas é uma árvore que já gerou muitos galhos, aqui e no exterior — destaca a cantora.

Ela deu a partida para se tornar uma das principais intérpretes da obra de Guinga após vê-lo em São Paulo, na década de 1990, sem que a tivessem avisado do que se tratava.

—Eu pirei. Percebi que estava diante de uma coisa do tamanho do Tom, do Chico, do Hermeto, do Egberto, do Baden — recorda.— Eu me sinto muito privilegiada de conviver com o Guinga, porque com outros heróis eu não pude conviver. E ainda é um herói que às vezes me chama para cantar com ele.

Ela participa de duas canções de “Zaboio”, uma delas feita em sua homenagem: “Paulistana sabiá”. A letra começa assim: “Pássaro canoro/ Paulistana sabiá/ Lágrima garoa/ Rabiscando teu olhar”.

— Quando ele me mandou ainda sem letra e disse “fiz pra você”, já chorei muito. Quando mandou com a letra, aí foram baldes — lembra a cantora.

Predominam no álbum japonês parcerias com Aldir Blanc, mas há uma letra própria que também evoca o seu passado suburbano: “Mello baloeiro”. O disco está nas plataformas, assim como “Zaboio”, que posteriormente sairá em vinil, mas não em CD.