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Jeferson De filma vida de Luiz Gama para voltar ao passado da luta antirracista

Cineasta lança 'Doutor Gama', longa que mostra a história do jurista e abolicionista do Brasil imperial

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Isabél Zuaa vive a mãe de Luiz Gama, Luísa Mahin, no filme

Isabél Zuaa vive a mãe de Luiz Gama, Luísa Mahin, no filme "Doutor Gama", de Jeferson De Divulgação

São Paulo

Jeferson De é mais um de vários cineastas que precisaram segurar a ansiedade no decorrer dos últimos meses, já que os cinemas estiveram abrindo e fechando por causa da pandemia e as estreias, por causa disso, foram em grande parte adiadas.

No caso de seu novo longa, “Doutor Gama”, no entanto, a espera pode ter contribuído para dar força ao trabalho. Com o atraso, o mundo que cerca a obra entrou em rebuliço e questões que dialogam com ela se acumularam —o Black Lives Matter deslanchou, a Fundação Palmares derrubou páginas de ícones negros de seu site e o Oscar criou regras pró-diversidade.

Também surgiram novidades relacionadas ao biografado nesse meio tempo. Luiz Gama, jurista e líder abolicionista que tem sua trajetória contada no filme, recebeu há pouco o título de doutor honoris causa pela Universidade de São Paulo e será tema de dez volumes que vão recuperar toda a sua obra literária.

São todos acontecimentos que, diz o cineasta, se relacionam com a trama e com sua motivação para levar tudo às telas. “Vivemos num mundo com tanta violência direcionada aos negros. O que proponho com ‘Doutor Gama’ é abrir uma janela para que a gente perceba o quanto avançamos e o que ainda precisamos fazer. É um diálogo com a luta antirracista de hoje”, diz.

Segundo Jeferson De, o momento atual da carreira pedia que ele deixasse um pouco de lado o “estado das coisas” e filmasse também “como chegamos a esse estado”. “Porque a gente vê hoje os resultados de uma construção, de uma maneira de pensar da sociedade brasileira que já havia sido questionada há muito tempo pelo Luiz Gama.”

No longa que chega agora aos cinemas, acompanhamos a trajetória do jurista, de sua infância até um dos vários julgamentos nos quais ele garantiu a liberdade de negros escravizados no Brasil da segunda metade do século 19. É difícil precisar a quantidade de pessoas que ele ajudou a libertar, mas falam em centenas.

Gama foi, ele próprio, um escravo. Filho de mãe negra e de pai branco, o baiano foi vendido aos dez anos. Só aos 17 ele se familiarizou com aquelas que seriam a matéria-prima de seu ofício, as palavras.

“É importante falar do Luiz Gama hoje, porque fazemos um resgate. Nossa sociedade tem uma relação com a história negra que é de negligenciar, abafar, esconder. O método dos racistas é o de jogar com a nossa ignorância”, afirma Jeferson De. “Até pouco tempo atrás a gente só lembraria da princesa Isabel ao falar da abolição, como se o fim da escravidão tivesse sido um ato de bondade de uma pessoa branca, sem haver luta.”

De fato, Luiz Gama vem recebendo bastante atenção ultimamente. Até Sérgio Camargo, presidente da Palmares que atacou Zumbi e chamou o movimento negro de “escória maldita”, já declarou gostar do jurista. Os fãs que ele acumula à direita e à esquerda no espectro político formam um fato curioso e quase inexplicável, diz Jeferson De.

Independentemente disso, o cineasta se mostra feliz ao poder contar a história de um homem negro ao lado de uma equipe em grande parte negra. Talvez por isso, ele é por vezes comparado ao americano Spike Lee, com sua ainda jovem, mas premiada carreira.

Jeferson De já assinou uma série de trabalhos na Globo e seu filme mais recente, “M-8: Quando a Morte Socorre a Vida”, garantiu a ele o prêmio do público de direção no Festival Sesc Melhores Filmes. Bem antes disso, em 2010, ele levou quatro Kikitos em Gramado, com “Bróder” —filme, direção, montagem e música.

Ele, no entanto, rejeita comparações com o americano. Diz que sim, os dois têm uma trajetória que se assemelha em diversos sentidos, mas é impossível falar num “Spike Lee brasileiro”, como muitos fazem. “Aqui no Brasil nós temos uma realidade diferente da dele, então a questão racial também é abordada de maneira diferente nas nossas obras.”

“Fora que essas comparações falam muito de um desejo de ser americano, o que a gente não é. Eu não tenho a história do Spike Lee, a minha história está conectada à do Zózimo Bulbul, à da Adélia Sampaio, à do Waldir Onofre.”

Ele se anima com a quantidade de cineastas negros que vêm ganhando terreno e, consequentemente, abrindo espaço para as novas gerações, mas reconhece que ainda há uma longa estrada pela frente. As regras pró-diversidade anunciadas pelo Oscar no ano passado —uma espécie de sistema de cotas—, acredita, podem acelerar esse movimento.

Mas não basta discursar e clamar por justiça e diversidade sem falar em prazos e metas, ele reitera. A mudança em Hollywood, de qualquer forma, se aproxima e deve impactar a indústria brasileira.

Nos breves 90 minutos que compõem “Doutor Gama”, vale destacar, são raros os momentos de violência e sangue. Mesmo falando de um período tão sombrio da história, Jeferson De preferiu fazer um filme para que pais e filhos pudessem ver juntos e, assim, conhecer a contribuição “política, intelectual e social” de um homem negro para o país.

“Não se trata de levar o filme para um romantismo ingênuo e bobo. Falamos de um lugar de dor, mas é um lugar que não vai ter sangueira. Às vezes vemos nas telas corpos negros sendo violentados o tempo todo, gratuitamente, e não tiramos nada disso. Não que esse tipo de violência não aconteça, mas eu queria propor outra coisa com ‘Doutor Gama’.”

Para o papel de Gama, o cineasta escolheu três atores para as diferentes fases da vida retratadas —Pedro Guilherme, Angelo Fernandes e César Mello. Também estão no elenco Isabél Zuaa, Zezé Motta, Johnny Massaro, Mariana Nunes e Nelson Baskerville.

Doutor Gama

  • Quando Estreia nesta quinta (5), nos cinemas
  • Elenco César Mello, Zezé Motta e Isabél Zuaa
  • Produção Brasil, 2021
  • Direção Jeferson De
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