Por promessa de vacina, Davati contava com rede de empresas sediadas no exterior

A empresa americana fez ofertas de doses de Astrazeneca e Janssen ao Ministério da Saúde no início deste ano e, quando elas não vingaram

Renata Agostinida CNN

A CNN teve acesso a documentos que mostram pela primeira vez como a Davati Medical Supply tentava montar uma operação com empresas no exterior para sustentar sua promessa de ter acesso a vendedores de vacinas.

A empresa americana fez ofertas de doses de Astrazeneca e Janssen ao Ministério da Saúde no início deste ano e, quando elas não vingaram, seguiu tentando convencer governos estaduais a fecharem negócio, como aponta o material obtido pela CNN.

 

As fabricantes de vacinas dizem que não trabalham com intermediários e negociam diretamente com os governos dos diferentes países. A Davati sustenta que conseguiria honrar as ofertas feitas ao Brasil, pois tem acesso a “alocadoras”. Essas alocadoras teriam direito a comprar os lotes de vacinas dos laboratórios. A companhia americana se recusa a nomear as alocadoras com os quais negociou, sob o argumento de que está impedida por cláusulas de confidencialidade.

Mas documentos assinados pelo presidente da empresa, Herman Cárdenas, aos quais a CNN teve acesso, indicam como a Davati esperava montar a operação com empresas intermediárias sediadas no exterior para ancorar a promessa de venda feita ao Brasil.Um dos documentos se refere a uma “oferta de compra” assinada em 6 de junho deste ano. Nela, Cárdenas trata com uma empresa chamada SCP Tourbillion Monaco de um acordo para a aquisição de 30 milhões de doses da Janssen para “governos brasileiros”.

A SCP Tourbillion Monaco tem sede no principado de Mônaco, não possui site e não há quase referências a ela na internet. Não há qualquer menção à atuação no ramo de vacinas, por exemplo. Em entrevista à CNN, Herman Cárdenas, confirmou a autenticidade da oferta de compra e disse que se tratava de uma tentativa de vender vacinas a “governos estaduais” no Brasil.

Segundo ele, àquela altura, as tratativas com o governo federal já haviam se encerrado, mas a empresa ainda buscava oportunidades no mercado brasileiro. Cárdenas diz, contudo, que a SCP Tourbillion Monaco não era a “alocadora” em si. Ela atuaria como uma intermediária da “alocadora”, que seria por sua vez uma intermediária da fabricante de vacinas.

Outro documento obtido pela CNN indica que a Davati tentou incluir o nome da “Blackstone LLC Investments“  em tratativas com o governo de Minas Gerais para venda de vacinas da Astrazeneca.

O documento, de 27 de maio de 2021, é assinado por Rodrigo Ferreira Matias, subsecretário de Planejamento de Minas Gerais e endereçado à Astrazeneca. Ele diz que o governo do estado estava concedendo “mandato” à Davati Medical Supply e autorizando-a a facilitar a compra de 20 milhões de doses da vacina contra a Covid-19. A venda não foi concretizada.

Uma segunda versão do documento, em posse de representantes da Davati, inclui o nome da “Blackstone Investments LLC” como parte desse mandato. 

O governo de Minas Gerais reconhece a autenticidade da carta de autorização à Davati, mas nega que tenha ocorrido assinatura de qualquer documento com o nome da Blackstone.

De acordo com a Secretaria de Planejamento de Minas, foi registrado inclusive um boletim de ocorrência na Delegacia de Crimes Cibernéticos diante da “circulação de um documento forjado que havia sido produzido com base nos documentos emitidos para a Davati Medical Supply”. 

Ainda segundo o governo mineiro, foi a Davati quem procurou o Estado ofertando vacinas contra a Covid-19, porém, após a formalização de interesse na compra dos imunizantes, a companhia nunca respondeu com a proposta comercial e, por isso, a negociação não foi para frente. A venda nunca foi concretizada.

A Davati Medical Supply informou que, para fazer as propostas ao governo de Minas Gerais,  “buscou diferentes alocadoras e distribuidores para vacinas de diferentes fabricantes.“ A empresa afirmou ainda que as tratativas não avançaram porque “os termos do vendedor das vacinas não condiziam com os termos buscados pelo governo de Minas Gerais.“ Segundo a empresa, “por questões de confidencialidade contratual“, ela não está autorizada a divulgar quem são as alocadoras.

Segundo Cristiano Carvalho, que atuou nas tentativas de venda como representante oficial dos produtos da Davati no Brasil, Herman Cárdenas dava a entender que SCP Tourbillion Monaco e a Blackstone eram as alocadoras das vacinas, incentivando-o assim a perseguir os contatos com os governos brasileiros.

“Herman fazia entender que as empresas citadas nos documentos já eram as próprias alocadoras. Mas, hoje, ele esconde a figura dessas alocadoras e, ao que tudo indica, são apenas empresas de fachada. Estamos convencidos de que ele sabia que não tinha as vacinas. A questão que se coloca é qual era a intenção dele por trás disso tudo. O que ele faria com essas cartas de intenção que tentava obter, por meio do Cristiano, com os governos estaduais“, diz Fábio Henrique Ming Martini, advogado de Carvalho.

Cárdenas diz que as empresas que ele estava contatando no exterior tinham histórico de sucesso na venda de vacinas contra a Covid-19 e que os negócios só não foram concretizados porque não se chegou a um entendimento com as autoridades brasileiras.

A CNN não conseguiu contatar a SCP Tourbillion Monaco ou a Blackstone LLC Investments. O grupo financeiro Blackstone, que tem braços em diversos países, foi procurado pela CNN, mas disse que se tratava da “Blackstone errada“, já que não estavam familiarizados com a operação descrita.