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No encontro com enviado de Biden, Bolsonaro repetiu falsas alegações de fraude nos EUA e no Brasil

Declarações chocaram delegação chefiada pelo conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, que havia chegado ao Brasil disposto a cooperação pragmática com o governo brasileiro
Sem máscara, Bolsonaro recebe Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional de Biden, no Planalto, na última quinta Foto: Embaixada dos EUA/5-8-2021
Sem máscara, Bolsonaro recebe Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional de Biden, no Planalto, na última quinta Foto: Embaixada dos EUA/5-8-2021

Os enviados do presidente Joe Biden chegaram a Brasília na última quinta-feira em busca de uma relação pragmática com o governo do presidente Jair Bolsonaro e saíram espantados. Segundo O GLOBO apurou, na reunião realizada na manhã de quinta no Palácio do Planalto, Bolsonaro expressou à missão americana que mantém firme sua convicção de que o ex-presidente americano Donald Trump foi vítima de uma fraude eleitoral. Conversando sobre as eleições presidenciais brasileiras de 2022, o presidente, confirmaram as fontes ouvidas pelo jornal, disse que está lutando para não sofrer, como Trump, uma fraude.

As palavras de Bolsonaro causaram estupor na delegação chefiada pelo conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, que incluiu, também, o diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental, Juan Gonzalez, e o funcionário sênior do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental Ricardo Zúñiga, que, segundo as fontes, será a pessoa do governo Biden encarregada da relação com o Brasil.

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Somente na noite de sexta, quando a missão americana encerrava sua visita à Argentina, a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília divulgou uma nota na qual informa que “sobre a questão das eleições brasileiras, a delegação afirmou ter grande confiança na capacidade das instituições brasileiras de realizar uma eleição justa em 2022. Também ressaltou a importância de preservar a confiança no processo eleitoral que tem longa história de legitimidade no Brasil”.

Foi uma clara resposta aos ataques públicos de Bolsonaro à urna eletrônica, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à posição adotada pelo presidente na reunião de quinta no Planalto. Procurado, o Planalto ainda não comentou as informações sobre as declarações do presidente. Como O GLOBO já havia informado na própria quinta, a preservação da democracia no Brasil é uma preocupação de congressistas americanos do Partido Democrata e da diplomacia do s EUA.

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Segundo fontes, o presidente brasileiro não mudou uma vírgula sua adesão às falsas denúncias de Trump de fraude nas eleições americanas de 2020 e fez questão de deixar isso claro aos enviados de Biden. Palavras mais, palavras menos, Bolsonaro disse aos funcionários da Casa Branca que o governo deles é resultado de uma fraude.

Declaração americana

No começo de janeiro, horas após o Congresso americano oficializar a vitória de Biden como presidente dos EUA, Bolsonaro insistiu em apoiar a tese da fraude, até hoje defendida por Trump e seus seguidores. Na época, o presidente brasileiro afirmou, ainda, que o Brasil  "terá um problema pior que os EUA se não houver voto impresso nas eleições de 2022”.

— Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter um problema pior que os EUA… o pessoal tem que analisar o que aconteceu nas eleições americanas. Basicamente, qual foi o problema, a causa dessa crise toda? Falta de confiança no voto. Lá o pessoal votou pelos correios por causa da tal pandemia e houve gente que votou três, quatro vezes. Mortos votaram. Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí — declarou Bolsonaro na época.

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Sete meses depois, o chefe de Estado continua pensando as mesmas coisas e não escondeu isso da delegação americana. Se a missão chegou a Brasília com uma atitude positiva e uma agenda de temas comuns para serem trabalhados em conjunto, saiu com ceticismo sobre a possibilidade de interagir com o governo Bolsonaro. As reuniões no Itamaraty e com os governadores da Amazônia correram num clima cordial, mas a tensão se concentrou no Planalto.

No dia seguinte à publicação desta reportagem, a assessoria de imprensa da Embaixada dos EUA em Brasília enviou uma declaração por e-mail afirmando que Bolsonaro "não mencionou as eleições norte-americanas em sua breve conversa com a delegação dos Estados Unidos". A assessoria disse ainda que as declarações do presidente sobre as eleições brasileiras "não divergiram de suas posições públicas". A esse respeito, O GLOBO reitera as informações publicadas.

Visita à Argentina

Na sexta-feira, os mesmos enviados de Biden visitaram a Argentina. A visão atual da Casa Branca é de que o governo de Alberto Fernández é um parceiro moderado na região, apesar de diferenças marcantes em relação a temas como Cuba e Venezuela.

Nas conversas em Buenos Aires, temas sensíveis não foram abordados em profundidade, de acordo com fontes argentinas. Falou-se sobre combate à pandemia, segurança, defesa, democracia na região, as negociações da Argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o papel da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, também e com destaque da chegada da rede de telefonia móvel 5G ao país, tema também da visita ao Brasil.

Em nota, a embaixada americana em Buenos Aires afirmou que “Jake Sullivan e o presidente Alberto Fernández conversaram sobre a importância da cooperação Argentina-EUA para apoiar a democracia na região, impulsionar o crescimento econômico e combater desafios transnacionais como a pandemia e as mudanças  climáticas”. A questão do meio ambiente foi central na agenda de debates.

Fernández, um dos primeiros presidentes latino-americanos a reconhecer a vitória de Biden no ano passado, entregou a Sullivan uma carta para o presidente americano na qual agradece a doação de 3,5 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19. “Me alegra que coincidamos numa agenda global de justiça social e desenvolvimento humano”, escreveu Fernández em sua conta no Twitter. O governo argentino conversou formalmente sobre a possibilidade de uma visita do presidente a Washington.