Cultura Música Flip 2015

José Ramos Tinhorão lança nova edição de livro de 1969 e segue metralhando a MPB

Temido crítico musical também participa da Flip no próximo domingo em mesa com o pesquisador Hermínio Bello de Carvalho
O historiador e escritor José Ramos Tinhorão critica Caymmi: 'Sua canção ‘O mar’ é montada num tema de Grieg' Foto: Sérgio Andrade
O historiador e escritor José Ramos Tinhorão critica Caymmi: 'Sua canção ‘O mar’ é montada num tema de Grieg' Foto: Sérgio Andrade

RIO - A questão para José Ramos Tinhorão, 87 anos, é cristalina.

— Não tem mais música brasileira para criticar — fuzila o jornalista, que é também um dos mais respeitados pesquisadores da música pátria e, durante muitos anos, a mais perfeita encarnação do temido crítico musical.

A voz, que chega de São Paulo por telefone, é amistosa. Mas as opiniões continuam firmes e cortantes, coisa de quem procura ver a história “de uma forma dialética”, batendo de frente “com as coisas que são aceitas por comodidade e interesse”. Numa simples passada de olhos pelas últimas décadas da música brasileira, ele alveja o iê-iê-iê (“uma simplificação do rock, um rock trocado em miúdos para otário”), Roberto Carlos (“no regime militar, ele era aquele menino que as mães até admitiriam como namorado das filhas”) e até Chico Buarque (“me diz uma composição nova dele de 20 anos para cá”). Afeições, só pelo pensador alemão Karl Marx (“nos princípios e na forma de ver a realidade, ninguém bate o velho barbudo”) e, vá lá, Zeca Pagodinho (“Zeca é malandro, pegou uma forma de fazer o que era considerado velho, ultrapassado, e deu uma bossa atualizada”).

Figura rara em eventos públicos, Tinhorão é atração de domingo da Flip, às 10h, na mesa 18, “Música, doce música”, ao lado do produtor, compositor e pesquisador de música brasileira Hermínio Bello de Carvalho.

— Sei que esse é o título de um livro do Mário de Andrade. Eu vou na do Hermínio, o que ele falar eu topo — avisa o escritor de mais de duas dezenas de livros sobre música brasileira e espera chamar a atenção para sua novidade: a primeira reedição de “O samba agora vai... a farsa da música popular no exterior” (Editora 34), volume que saiu pela primeira vez em 1969.

— Os fatos iam até a data da publicação. O interessante é que a história veio a confirmar o que eu dizia ali — comenta Tinhorão, que acrescentou uma parte falando do que aconteceu de 1970 para cá e que, fora isso, assegura, não mexeu em uma vírgula do texto original.

“DOIS SÉCULOS RIDÍCULOS"

Em “O samba agora vai...”, o pesquisador inventaria “dois séculos de ridículos, equívocos e sujeições consentidas” embalados pelo “sonho ufanista da conquista do mercado internacional para a música brasileira”. A narrativa começa no século XVIII, quando Domingos Caldas Barbosa leva suas modinhas e lundus para Portugal, e segue pelas viagens dos Oito Batutas de Pixinguinha, Carmen Miranda, Cauby Peixoto (sob a alcunha de Ron Coby), Tom Jobim e Sérgio Mendes, entre outros — e, nisso, sobra até para Dorival Caymmi (“o chamado ‘cantor dos mares da Bahia’, embora sua canção ‘O mar’ seja montada num tema de Grieg”, escreve Tinhorão).

— A história da música popular urbana segue a evolução da tecnologia — justifica-se o escritor. — O Brasil era e é um país subdesenvolvido. Como a gravação do som segue um caminho de evolução tecnológica, e o Brasil não tem essa evolução, ele é sempre um comprador dessa tecnologia, ele põe o som dele na tecnologia do outro. E essa tecnologia se apropria de todas as formas de criação da música popular.

Tinhorão conta que “O samba agora vai...” (título de um irônico samba de Pedro Caetano) foi fruto da irritação com “a coisa meio autoritária da bossa nova”.

— No início, os músicos da bossa falavam assim: “A música é popular porque fala de barracão? Que barracão! Nós somos de Copacabana, de Ipanema!”. A realidade brasileira tinha barracão, mas eles viviam em apartamentos, eram de uma classe média mais alta do Rio de Janeiro. Copacabana não tinha povão, você só encontrava ele da Tijuca para a frente. E qual foi a solução, então? Eles passaram a se contemplar no equivalente de sua classe no país mais desenvolvido. E a música da classe média norte-americana é o jazz.

Análogo à bossa, há hoje, para Tinhorão o caso dos sertanejos, que trocaram o chapéu de caipira pelo de caubói.

— A música sertaneja é uma média de sons que não são urbanos, mas que também não são mais das populações rurais em si. É um nada — diz ele, que, da mesma forma, não vê virtudes funk carioca. — Isso tudo é coisa de moleque de Nova York. O funk não surgiu como necessidade de criação do povo brasileiro, mas como uma transposição. Ele pega elementos do maculelê e das cirandas? Ah, a bossa nova também incorporava coisas do samba tradicional.

Amigo de jovens paulistanos que cultuam o samba do Estácio dos anos 1920 e 1930 (“Eles cantam coisas dos compositores do Estácio que eu não conhecia, eles foram pesquisar”), Tinhorão acabou de entregar os originais de um livro sobre a congada (“Rei do Congo: uma mentira que virou folclore”). E, de resto, diz seguir os novos chorões.

— É claro que o cara não toca um choro como na época do Luperce Miranda. Tudo bem. Ele pode ter uma influência nova, um jeito novo, mas é choro.