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Violação de direitos

Afeganistão: Como era a vida das mulheres no governo do Talibã, que voltou ao poder no país

Afegã usando burca implora por comida, perto de duas outras mulheres, em Cabul, 1998

Quando tomaram o poder no distrito de Balkh, no Norte do Afeganistão, semanas antes de assumir o controle da capital, Cabul, os extremistas do Talibã distribuíram entre os moradores panfletos com determinações severas e muito similares àquelas impostas no período de 1996 a 2001, quando o grupo governou o país. Segundo essas regras, mulheres não podem ir às ruas sem parentes do sexo masculino e são obrigadas a usar o hijab em locais públicos. A notícia fez soar o alarme da Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (Rawa, na sigla em inglês), que, desde os anos 70, vem denunciando a violência contra a população feminina local. 

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Quando comandou do Afeganistão, o Talibã proibiu as mulheres de estudar, trabalhar e até de sair de casa desacompanhadas ou com rostos descobertos. As mulheres vestidas em desacordo com as regras poderiam ser açoitadas. Mulheres acusadas de manter relações sexuais fora do casamento eram apedrejadas durante eventos de execuções públicas. Crianças eram tiradas de suas famílias e obrigadas a se casar com homens muito mais velhos. Maridos podiam obrigar suas mulheres a fazer sexo, com permissão para matá-las de fome caso se recusassem.


Muita coisa mudou em 2001, com a invasão dos Estados Unidos e a derrota do grupo radical. O então novo governo afegão introduziu leis encorajando a população feminina a frequentar escolas e a integrar a força de trabalho. Neste domingo, porém, o Talibã completou o avanço no país ao se apoderar de Cabul, valendo-se da retirada das forças americanas, anunciada por Joe Biden. De acordo com as ativistas da Rawa, os membros do grupo já deixaram claro que suas políticas em relação às mulheres não mudaram ao longo dos 20 anos em que estiveram fora do poder.

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Mas quais são exatamente as restrições e os maus tratos aos quais as mulheres estavam submetidas sob o comando do Talibã? Muitas dessas violações já eram uma realidade no período de 1992 a 1996, quando a também fundamentalista Aliança do Norte governou o Afeganistão. De acordo com a Rawa, a lista de crimes é grande e torna a vida de qualquer pessoa um inferno. Veja abaixo.

Guerreiros do Talibã celebram e exibem suas armas, em agosto de 1998

- Mulheres proibidas de trabalhar fora de suas casas. Apenas algumas enfermeiras e médicas podiam trabalhar em alguns hospitais de Cabul

- Mulheres só podiam sair de casa se estivesse acompanhadas por um mahram (parente do sexo masculino como pai, irmão ou marido)

- Mulheres proibidas de serem tratadas por médicos do sexo masculino

- Mulheres proibidas de estudar em escolas, faculdades ou qualquer outra instituição de ensino (os talibãs converteram as escolas femininas em seminários religiosos)

- Mulheres só podiam sair de casa usando burcas, com o corpo totalmente coberto. Nem mesmo os tornozelos poderiam estar expostos.

- Mulheres vestidas em desacordo com as regras do Talibã ou encontradas na rua sem um mahram deveriam sofrer chicotadas, espancamentos e abuso verbal. 

- Apedrejamento público de mulheres acusadas de adultéreo

- Mulheres proibidas de conversar com homens que não fossem seus mahram

- Mulheres proibidas de usar qualquer tipo de cosméticos

- Mulheres proibidas de rir em voz alta (nenhum estranho pode ouvir a voz feminina)

- Mulheres proibidas de usar sapatos com salto alto, o que produziria um som característico (homens não podiam ouvir os passos de uma mulher)

- Mulheres proibidas de andar de táxi sem um mahram

- Mulheres proibidas de participar de transmissões de rádio, TV ou qualquer tipo de reunião pública

- Mulheres proibidas de praticar qualquer esporte ou aderir a um centro esportivo

- Mulheres proibidas de andar de bicicleta ou de moto, mesmo com um mahram

- Mulheres proibidas de usar cores vibrantes. Nos termos do Talibã, essas cores são "sexualmente atraentes"

- Mulheres proibidas de participar de eventos festivos de qualquer natureza

- Mulheres proibidas de lavar roupas perto de rios ou em outra área pública

- Mulheres proibidas de aparecer em varandas de seus apartamentos ou casas

- Todas as janelas deveriam ser pintadas, para que mulheres não fossem vistas 

- Mulheres proibidas de terem suas medidas tiradas ou roupas confeccionadas por alfaiates do sexo masculino

- Mulheres e homens não podiam viajar nos mesmos ônibus

- Mulheres proibidas de usar calças, mesmo sob as burcas

- Mulheres não podiam ser filmadas ou fotografadas

- Imagens de mulheres não podiam ser publicadas em jornais ou livros e nem mesmo expostas nas paredes de casas ou lojas.

Mulheres e crianças afegãs num campo de refugiados após invasão americana, em 2001

Todas as regras acima são destinadas apenas a mulheres, mas diversas restriões do Talibã se estendiam também aos homens. Sob o comando do grupo, ouvir música e assistir a TV ou a filmes era proibido. Celebrar o Dia do Trabalhador, no 1º de maio, também não era permitido, porque a data era considerada um feriado comunista.

Todas as pessoas com nomes não-islâmicos deveriam mudar sua identificação, adotando nomes islâmicos. Jovens deveriam estar sempre de cabelos cortados. Homens eram obrigados a usar barba, que deveria crescer até ficar mais longa do que um punho cerrado a partir do queixo. Todas as pessoas deveriam participar de orações nas mesquitas cinco vezes por dia. 

Não era permitido criar pombos ou brincar com pássaros, sob pena de prisão para as pessoas e de morte para os animais. Soltar pipa, uma atividade muito popular no Afeganistão, também era proibida. Torcedores de qualquer esporte deveriam gritar "Allah-o-Akbar (Alá seja louvado)" e evitar bater palmas. Qualquer pessoa flagrada com livros proibidos seria executada. Qualquer pessoa que praticasse outra religião que não fosse o Islã seria executada. Jovens só podiam ir a escola de turbante.

O acesso a internet era terminantemente proibido.

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