Política

Entre omissão e contradições da PGR, entenda as pressões sofridas por Aras

Além de cobrada pela eventual omissão com relação a atitudes do presidente Jair Bolsonaro, a PGR tomou nos últimos dias posições contraditórias
Procurador-geral da República, Augusto Aras Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
Procurador-geral da República, Augusto Aras Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

BRASÍLIA — A pressão sobre o procurador-geral da República Augusto Aras chegou ontem a nível inédito, em meio às cobranças de diversos setores da sociedade por ações da Procuradoria-Geral da República (PGR) em pedidos de investigações contra o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Pela primeira vez, senadores pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que interceda pela abertura de uma investigação contra Aras no Ministério Público Federal (MPF) sob acusação do crime de prevaricação, apontando omissão dele em relação aos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e às eleições. Aras se defende negando ter atuação omissa.

Diversos ministros do STF fizeram cobranças públicas a Aras nas últimas semanas por causa da demora da PGR em responder a pedidos de investigações contra bolsonaristas. A mais recente foi feita pela ministra Cármen Lúcia na segunda-feira, quando ela proferiu um despacho reclamando que Aras já demorava 13 dias sem responder a uma solicitação de investigação contra Bolsonaro pelo uso da estrutura da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) para transmissão de pronunciamento com ataques às urnas e às eleições. Como em outras suspeitas contra Bolsonaro, Aras ordenou a abertura de apuração preliminar, por ora sem consequências práticas.

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Ao STF, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) pediram que a notícia-crime ficasse sob relatoria de Cármen Lúcia.

“O comportamento desidioso do PGR fica evidente não só pelas suas omissões diante das arbitrariedades e dos crimes do presidente da República, mas também pelas suas ações que contribuíram para o enfraquecimento do regime democrático brasileiro e do sistema eleitoral e para o agravamento dos impactos da Covid-19 no Brasil, além de ter atentado direta e indiretamente contra os esforços de combate à corrupção no país”, afirmam os senadores no documento.

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Eles pedem que a ministra determine que o pedido de investigação seja colocado em julgamento pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão que tem a competência de abrir investigação criminal contra o procurador-geral da República. Aras tem minoria no conselho, o que poderia resultar na abertura de inquérito para apurar possíveis crimes cometidos por ele. Caso o conselho vote pela abertura, o órgão tem que designar um subprocurador-geral da República para ficar responsável pela investigação.

Esse foi o terceiro pedido de investigação contra Aras já apresentado. No documento, os parlamentares citam reportagem do GLOBO, de julho deste ano, mostrando que o primeiro pedido de investigação contra Aras enviado pelos senadores ao Conselho Superior foi bloqueado por um de seus aliados, que proferiu um despacho secreto e barrou a tramitação. Com isso, o vice-presidente do Conselho Superior, José Bonifácio Borges de Andrada, chegou a ingressar com uma ação na Justiça Federal para anular esse despacho. O caso ainda não chegou a um desfecho.

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Um segundo pedido de abertura de inquérito por prevaricação contra Aras foi enviado na semana passada ao conselho superior por um grupo de subprocuradores-gerais da República aposentados, dentre eles o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles. O vice-presidente do conselho, José Bonifácio, determinou o prosseguimento e o sorteio de um relator, mas a tramitação foi novamente bloqueada pela equipe ligada a Aras.

Aras nega omissão

Por isso, nos bastidores da PGR, há uma expectativa de que apenas uma ordem do STF poderia forçar a abertura de investigação no Conselho.

Prestes a ter sua recondução ao cargo analisada pelo Senado, Aras se reuniu anteontem com a cúpula da CPI da Covid — o relator Renan Calheiros (MDB-AL), o presidente Omar Aziz (PSD-AM) e o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

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Procurada, a assessoria de comunicação da PGR não respondeu. Em entrevista ontem à “Folha de S.Paulo”, Aras disse que “não é um agente político” e rebateu as críticas. “Não houve em nenhum momento nenhuma omissão”, disse.

Posicionamentos da PGR

Além de cobrada pela eventual omissão com relação a atitudes do presidente Jair Bolsonaro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) tomou nos últimos dias posições contraditórias com os próprios entendimentos anteriores em dois casos envolvendo Bolsonaro e um aliado: as investigações de autoridades que desobedecem o uso de máscara, em que Bolsonaro foi poupado; e a prerrogativa de foto do presidente do PTB, Roberto Jefferson.

Uso de máscaras

2020: “Veementes indícios de autoria e materialidade”

Em julho do ano passado, o desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi flagrado humilhando um guarda municipal de Santos, após ter sido multado por não utilizar máscara enquanto caminhava na orla santista. Ao ser autuado, o magistrado rasgou a multa e chamou o guarda de analfabeto: “Leia bem com quem o senhor está se metendo”, disse Siqueira mostrando um documento.

Na época, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, da equipe do procurador-geral Augusto Aras, pediu a abertura de inquérito ao STJ e argumentou que havia “veementes indícios de autoria e materialidade não só da tipificação do crime de abuso de autoridade, como também dos delitos de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP) e de desacato (art. 331 do CP)”.

2021: “Essa conduta não se reveste da gravidade própria de um crime”

Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) anteontem em um pedido de investigação contra Jair Bolsonaro por gerar aglomerações e participar de eventos sem máscara, Lindôra mudou seu entendimento sobre o possível crime na conduta. Apontou não ser “possível realizar testes rigorosos, que comprovem a medida exata da eficácia da máscara de proteção como meio de prevenir a propagação do novo coronavírus” e disse que não configuraria crime. “Essa conduta não se reveste da gravidade própria de um crime, por não ser possível afirmar que, por si só, deixe realmente de impedir introdução ou propagação da Covid-19. Não é possível realizar testes rigorosos, que comprovem a medida exata da eficácia da máscara de proteção como meio de prevenir a propagação do novo coronavírus”, escreveu Lindôra. Procurada, a PGR afirmou: “É importante destacar que no caso de Santos, o não uso de máscara não era o único problema apontado. A representação incluía, por exemplo, desacato a autoridade”.

Prisão de Roberto Jefferson

2020: “Competência da investigação deve ser perante o Supremo Tribunal Federal”

Uma investigação foi aberta contra Roberto Jefferson no ano passado na primeira instância da Justiça Federal. O Ministério Público Federal pediu sua prisão preventiva, por causa das constantes ameaças e ataques às instituições, incluindo a divulgação de vídeos com o uso de armas. Antes de decidir sobre a prisão, a Vara Federal de Três Rios (RJ) pediu uma manifestação da PGR, por causa de notícias já veiculadas de que Jefferson era investigado no inquérito das fake news. Em resposta, a PGR informou que as investigações contra Jefferson deveriam tramitar perante o STF por causa da existência de conexão com os inquéritos já existentes. O ofício foi assinado pela promotora Carina Costa Oliveira Leite, membro auxiliar do gabinete do procurador-geral Augusto Aras. Com isso, a Justiça Federal não autorizou a prisão de Jefferson e enviou a investigação para o STF.

2021: “Jefferson não tem foro privilegiado e deve ser investigado na primeira instância”

No início do mês, a Polícia Federal pediu ao STF a prisão preventiva de Roberto Jefferson por seus reiterados ataques às instituições. O ministro Alexandre de Moraes pediu uma manifestação da PGR em 24 horas, mas só houve resposta depois que o ministro já tinha decidido pela prisão. Nessa manifestação, de Lindôra Araújo, designada por Aras para atuar no caso, a PGR opinou que Jefferson não tinha foro privilegiado e, por isso, a investigação contra ele deveria tramitar na primeira instância da Justiça Federal. Procurada, a PGR afirmou que não houve mudança no seu posicionamento jurídico e argumentou que houve uma alteração no cenário das investigações.