Economia

Fiesp articula apoio de empresários a manifesto que pede harmonia entre Poderes

Texto, que deve ser apoiado por mais de 200 associações, ressaltará 'preocupação com a escalada de tensões entre atores políticos'. Documento causou racha na Febraban
Manifesto é capitaneado pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Manifesto é capitaneado pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

SÃO PAULO — A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pretende publicar nesta terça-feira um manifesto assinado por diversas associações e entidades empresariais pedindo gestos de pacificações entre os Poderes diante da escalada das ameaças de ruptura à ordem democrática feitas pelo presidente Jair Bolsonaro.

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A adesão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) ao manifesto capitaneado pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, deve fazer com que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal deixem a entidade criada em 1967, como revelou neste sábado o colunista Lauro Jardim .

Segundo dirigentes de entidades ouvidos pelo GLOBO, além da Febraban e da Fiesp, Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Instituto Brasileiro da Árvore (Ibá, da indústria de celulose e papel), Abinee (indústria elétrica e eletrônica), Fenabrave (distribuição de veículos), Fecomércio, Alshop (lojistas de Shopping), Sociedade Rural Brasileira e o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) vão assinar o manifesto. Ao todo, mais de 200 associações empresariais devem aderir ao documento.

Sem menção direta a Bolsonaro

O texto do manifesto ainda está sendo revisado, mas a ideia geral é dar um recado curto e objetivo para os três Poderes: é preciso que cada lado faça “gestos magnânimos” para distensionar o ambiente político e dissipar incertezas que podem prejudicar o processo de recuperação da economia brasileira.

O documento deve ter, no máximo, três parágrafos e não citará, nominalmente, nem o presidente Bolsonaro nem nenhum outro chefe de Poder.

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Segundo pessoas ouvidas pelo GLOBO, que acompanham a elaboração do texto, as entidades vão destacar que têm acompanhado “com grande preocupação a escalada de tensões entre os diversos atores políticos” e que esse embate coloca em risco a harmonia entre os Poderes da República.

'Serenidade e diálogo'

“A sociedade civil espera, e o momento exige, serenidade, diálogo, pacificação política e institucional, e, sobretudo, foco nas reformas tão urgentes”, diz o texto do manifesto.

A intenção, desde o início das articulações do manifesto, era garantir uma redação leve, mas com um recado claro de que qualquer discurso contra as instituições não tinha respaldo da iniciativa privada. O sentimento no setor privado, mesmo entre quem faz oposição a Paulo Skaf, é de que o manifesto é importante e deve ter adesões de relevância.

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O movimento da Fiesp vem na esteira de outras manifestações feitas por representantes do setor privado e da sociedade civil.

No início de agosto, um grupo de mais de 200 empresários, economistas e intelectuais divulgou um manifesto de apoio ao processo eleitoral brasileiro em resposta aos ataques do presidente Bolsonaro à urna eletrônica e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso.

No texto, o grupo afirmava que o "Brasil terá eleições e os seus resultados serão respeitados" e que a sociedade brasileira é “garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias".

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Assinaram o documento, entre outros, os empresários Luiza Trajano (Magazine Luiza), Guilherme Leal (Natura) e Roberto Setúbal (Itaú); os economistas Armínio Fraga, Pérsio Arida e André Lara Resende; os líderes religiosos Dom Odilo Sherer (Cardeal Arcebispo de São Paulo) e Monja Coen; os médicos Raul Cutait, Drauzio Varella e Margareth Dalcomo; os ex-ministros José Carlos Dias, Pedro Malan, Paulo Vanuchi e Nelson Jobim; e os professores universitários Luiz Felipe de Alencastro e Candidato Mendes de Almeida.

Grandes empresas e executivos articulam mais manifestos com o mesmo tom, a serem divulgados após a publicação do manifesto da Fiesp.

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A articulação do novo manifesto foi feita pessoalmente por Paulo Skaf, que enviou uma primeira versão do texto há duas semanas para diversas associações e entidades empresariais. Skaf foi, por muito tempo, um forte apoiador do governo Bolsonaro

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O alinhamento político entre o presidente da Fiesp e o Palácio do Planalto causou incômodo entre alguns industriais. Para esse grupo, a atuação de Skaf tirava a legitimidade da Fiesp para brigar com o governo por pontos considerados mais críticos para os empresários, como a redução de impostos.

Skaf alimentava o desejo de disputar o governo de São Paulo, no próximo ano, como candidato do presidente, mas Bolsonaro deixou claro ao longo dos últimos meses que pretende apoiar o ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, na corrida pelo Palácio dos Bandeirantes.

O atual presidente da Fiesp, Paulo Skaf (à esquerda), cumprimenta o presidente eleito da entidade, Josué Gomes da Silva, e Rafael Cervone, eleito para comandar o Ciesp Foto: Karim Kahn/Fiesp
O atual presidente da Fiesp, Paulo Skaf (à esquerda), cumprimenta o presidente eleito da entidade, Josué Gomes da Silva, e Rafael Cervone, eleito para comandar o Ciesp Foto: Karim Kahn/Fiesp

Skaf deixará o cargo de presidente da Fiesp em janeiro, depois de 17 anos no comando da Federação. O futuro comandante da Fiesp é o empresário Josué Gomes da Silva , filho de José Alencar, fundador da Coteminas e vice-presidente do Brasil durante os dois mandatos do presidente Lula (2003-2011). Alencar morreu aos 79 anos, em março de 2011, em decorrência de um câncer na região abdominal.

Para José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Abiplast e opositor de Skaf, a postura adotada pelo presidente Jair Bolsonaro é equivocada "há muito tempo, não é de hoje".

— Skaf foi pró-Lula, pró-Dilma, pró-Temer e pró-Bolsonaro. Agora está querendo se desvencilhar do Bolsonaro e quer articular essa concertação. É um oportunismo barato — criticou Roriz.

Embate entre bancos

A adesão da Febraban ao manifesto gerou um embate do comando da entidade com representantes do BB e da Caixa.

Segundo pessoas que acompanham o debate, a direção da Federação de Bancos já aprovou a adesão ao manifesto. Com isso, é esperada a saída dos dois bancos estatais da entidade assim que o manifesto for publicado.

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Procurada pela reportagem, a Febraban afirmou, em nota, que não comenta sobre posições atribuídas a seus associados.

“Sobre o manifesto articulado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e dirigido a várias entidades, o assunto foi submetido à governança da Febraban".

Procurados também no sábado, Banco do Brasil e Caixa não se manifestaram.

Uma fonte ligada aos bancos consultada pelo GLOBO afirmou, sob a condição de anonimato, que o racha entre instituições públicas e privadas na Febraban aconteceu porque as direções de Caixa e de Banco do Brasil ficaram incomodadas com o tom político do manifesto.

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O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, é bastante ligado ao presidente Jair Bolsonaro e não teria aceitado o que chamou de "pressão política" da Febraban sobre o governo. O presidente do BB, Fausto de Andrade Ribeiro, o terceiro executivo da instituição neste governo, teve o nome aprovado pelo próprio Bolsonaro por ter um perfil parecido com Guimarães, de alinhamento ao Planalto.

Ribeiro também desaprovou a adesão da Febraban a um manifesto com críticas ao governo. A decisão de ambos - de se retirar da entidade caso a Febraban mantiver sua adesão - foi tomada de comum acordo e teve aprovação do Planalto.

— Ambos ficaram incomodados com menções à fraca recuperação da economia, ao capítulo do emprego e o tom mais político do texto do documento proposto pela Fiesp. Antes mesmo da votação na Febraban, Caixa e BB já tinham ameaçado deixar a instituição se o teor do documento não fosse alterado. Esse racha é ruim, principalmente para o Banco do Brasil, com ações na Bolsa, já que mostra falta de independência em relação ao governo — observa a fonte, lembrando que numa votação com mais de 20 bancos, apenas BB e Caixa se posicionaram contrários à adesão ao manifesto.

Na sexta-feira, o presidente da Febraban, Isaac Sidney, disse que a economia está sendo contaminada por 'diversos ruídos', durante debate promovido pela Esfera Brasil para discutir a agenda econômica e política no segundo semestre de 2021.

— Já havia um mal-estar dos bancos públicos com os recentes posicionamento da Febraban, mas o manifesto foi a gota d'água — diz a fonte.

O tom mais crítico das instituições financeiras em relação ao governo também foi visto na semana passada, durante a XP Expert, evento de investimento promovido pela XP. O gestor do Fundo Verde, Luis Stuhlberger, um dos mais badalados da Faria Lima, disse durante uma palestra que o "governo era fraco e refém do centrão", portanto não tinha condições de aprovar uma reforma tributária tão complexa quanto a que está no Congresso.

Impacto para investidores

Para Aurélio Valporto, presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin), a decisão dos bancos aumenta o clima de intranquilidade e incerteza, em um ambiente já pressionado por tensões políticas, com os embates do presidente Jair Bolsonaro com o Judiciário, e os riscos fiscais.

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– Ao anunciar que vão deixar a federação os bancos mostram que estão politicamente engajados. Isso deveria ser um problema de política interna da Febraban e não de política nacional – disse Valporto.

Ele complementa:

– A administração econômica do Guedes, sem políticas definidas, especialmente industrial e de longo prazo há muito não agrada ao mercado. Embora não concorde, também não me surpreende o posicionamento da Febraban.

Valporto ainda não faz projeções sobre o impacto do episódio para os papéis do Banco do Brasil (BRAS3) na Bolsa, mas a perspectiva não é positiva.

No início do ano, o mercado reagiu mal após a renúncia do presidente da empresa, André Brandão.O executivo deixou o cargo após apenas seis meses de gestão e muitos embates com o Bolsonaro, especialmente após sua decisão de fechar parte das agências do banco.