Entenda em 9 pontos a atual crise institucional patrocinada por Bolsonaro

Como ameaças às eleições, investidas contra STF e ações contra bolsonaristas escalaram crise entre Poderes, em meio a ato de raiz golpista

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São Paulo

Bolsonaro se prepara para participar de protestos de raiz golpista e de pautas autoritárias em seu favor que estão marcados para este feriado de 7 de Setembro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na avenida Paulista, em São Paulo, com risco de politização entre políciais militares.

Os atos ocorrem em meio a uma crise institucional fabricada pelo próprio presidente e buscam dar uma demonstração de força do mandatário.

Ameaças à realização das eleições de 2022, a defesa do voto impresso, e o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), foram os últimos capítulos que levaram a uma escalada na tensão entre os Poderes.

​O clima de ebulição em Brasília instalado a partir de ataques de Bolsonaro aos demais Poderes não é novo e tem sido algo recorrente no seu mandato.

Desta vez, a tensão envolve o pleito do ano que vem, investigações que miram o presidente e aliados e investidas cada vez mais radicais contra ministros do STF.

Na semana antecedendo o ato, o presidente fez declarações como de que o 7 de setembro será um "ultimato" para ministros do STF, que "se você quer paz, se prepare para a guerra" e neste sábado (4) falou em "ruptura que nem eu nem o povo deseja".

O presidente Jair Bolsonaro na base aérea de Brasília - Adriano Machado/Reuters

1. O que são as ameaças de Bolsonaro à realização de eleições em 2022? "Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições", declarou o presidente a apoiadores no dia 8 de julho.

No dia seguinte, atacou o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, chamando-o de "idiota" e "imbecil".

As ameaças se baseiam em afirmações falsas de que a urna eletr​ônica não é segura, com acusações infundadas de que pleitos passados foram fraudados e que Bolsonaro só será derrotado em 2022 caso haja irregularidade semelhante —pesquisas recentes apontam o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Como mostrou a Folha, apesar de ser conhecido o modus operandi de Bolsonaro, que radicaliza seu discurso sempre que se vê sob pressão, suas repetidas declarações de ameaças à realização das eleições de 2022 têm gerado cada vez mais preocupação de uma tentativa de golpe, o que também levou a reações do STF e do TSE.

O principal ataque ao sistema eleitoral ocorreu em 29 de julho, durante a live semanal do presidente.

Na ocasião, Bolsonaro não apresentou as provas de supostas fraudes eleitorais que vinha prometendo, mostrando apenas teorias sobre a vulnerabilidade das urnas eletrônicas que circulam há anos na internet e já haviam sido desmentidas anteriormente.

O presidente chegou a admitir que não pode comprovar se as eleições foram ou não fraudadas. "Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas. São indícios. Crime se desvenda com vários indícios."

Bolsonaro e seus aliados defendem a implementação do chamado voto impresso, ou seja, a impressão de um comprovante do voto dado na urna eletrônica e com o qual o eleitor não poderia ter contato. O comprovante impresso seria uma forma extra de auditoria (as urnas eletrônicas já são auditadas em todas as eleições).​

2. Como o Congresso tratou do voto impresso? Em estratégia conhecida de Bolsonaro, as reiteradas acusações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas e a defesa do voto impresso passaram a pautar o debate nacional e se tornaram tema de deliberação da Câmara. ​

Em maio deste ano, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, instalou uma comissão especial para debater uma PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre o tema. Em junho, 11 partidos, inclusive siglas do centrão aliadas do Planalto, se uniram contra o voto impresso.

O tema foi derrotado na comissão especial, mas levado por Lira ao plenário, onde sofreu nova derrota no dia 10 de agosto. ​Foram 229 votos a favor do texto, 218 contra e 1 abstenção. Eram necessários ao menos 308 dos 513 deputados.

No dia seguinte, no entanto, Bolsonaro renovou os ataques à Justiça Eleitoral e as insinuações sem provas sobre a segurança das eleições brasileiras.​​

3. Como TSE e STF reagiram aos ataques às eleições? Em oposição às falas de Bolsonaro contra as eleições, Barroso e o presidente do STF, Luiz Fux, vinham reagindo com notas e esclarecimentos sobre a segurança das urnas eletrônicas.

Mas, após a live de 29 de julho, os ministros das cortes superiores decidiram tomar medidas mais graves. Primeiramente, a corte eleitoral decidiu, no dia 2 de agosto, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar as acusações sem provas feitas pelo presidente de que o TSE frauda as eleições.

Depois, Barroso assinou uma queixa-crime contra Bolsonaro e recebeu o aval do plenário da corte eleitoral para enviá-la ao STF. Moraes aceitou a queixa-crime de Barroso e incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news, que tramita no Supremo.

Foi então que a carga de Bolsonaro se voltou contra Moraes, culminando na apresentação do pedido de impeachment do ministro.

"A hora dele [Moraes] vai chegar. Porque está jogando fora das quatro linhas da Constituição há muito tempo. Não pretendo sair das quatro linhas para questionar essas autoridades, mas acredito que o momento está chegando", disse Bolsonaro.

As falas levaram Fux a cancelar uma reunião entre os chefes dos Poderes que ele havia convocado. O presidente do STF disse que é "certo que, quando se atinge um dos integrantes do tribunal, se atinge a corte por inteiro".

4. Como o cerco a Sérgio Reis e Roberto Jefferson, apoiadores de Bolsonaro, agravaram a situação? No dia 13 de agosto, a Polícia Federal prendeu Jefferson, presidente nacional do PTB e importante aliado de Bolsonaro que vinha insuflando a retórica golpista do mandatário e as ameaças à ordem democrática.

A prisão foi solicitada pela PF e autorizada por Moraes no âmbito da investigação sobre suposta organização criminosa digital voltada a atacar as instituições a fim de abalar a democracia.

Bolsonaro, então, afirmou em redes sociais que pediria o impeachment de dois ministros do STF: "De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais".

Em meio ao embate entre Bolsonaro e ministros do STF, Reis divulgou em redes sociais uma grande manifestação de caminhoneiros com pautas autoritárias e contra o Supremo, com risco de paralisação e ameaça de caos no feriado de 7 de Setembro.

"Se em 30 dias não tirarem os caras [os ministros do STF], nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra", afirmou o cantor em uma conversa com um amigo que veio a público no dia 14 de agosto.

Reis foi desautorizado por líderes dos caminhoneiros que estão à frente de negociações com o governo e por ruralistas.

Em 20 de agosto, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor. As medidas foram solicitadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e autorizadas por Moraes.

Ao pedir as buscas, a PGR afirma que o cantor quis “afrontar e intimidar os poderes constituídos” ao ameaçar parar o país por 72 horas como forma de pressionar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a aceitar pedido de impeachment contra ministros do STF.

Na mesma sexta-feira, Bolsonaro cumpriu a ameaça e apresentou ao Senado um pedido de impeachment contra Moraes assinado por ele mesmo. Já o pedido contra o ministro Barroso até o momento não foi apresentado.

5. Quais protestos de rua estão sendo convocados? A escalada na tensão entre os Poderes é acompanhada de convocatórias de grupos favoráveis e contrários a Bolsonaro para manifestações de rua.

Até o último dia 30, praticamente uma semana antes dos atos, movimentos de direita já contabilizavam caravanas de ônibus de 108 cidades para o ato de 7 de setembro na Paulista.

O 7 de Setembro tem sido tratado por bolsonaristas como "nova Independência". Com os ataques ao Supremo em alta, o ato é visto como pró-golpe militar e contra as instituições.

Apesar de a destituição e impeachment de ministros do STF, assim como o voto impresso, continuarem entre as bandeiras do ato, nas redes sociais é forte entre apoiadores o discurso de que a manifestação é pela liberdade de expressão. Há fortes indícios de a tentativa de promover uma guinada nos tópicos nas rede partiu de uma ação coordenada

Bolsonaro estimula a participação de apoiadores nos atos e, apesar de ter feito uma tentativa de associá-los à bandeira da liberdade de expressão, tem cada vez mais radicalizado seu discurso.

Em São Paulo, grupos de esquerda e apoiadores do presidente disputavam a avenida Paulista para o 7 de Setembro, mas o governo Doria concedeu autorização ao ato bolsonarista. Após ação judicial, opositores tiveram autorização para realizar o ato no Anhangabaú.

A tensão com a realização de atos simultâneos pró e anti-Bolsonaro deve ser repetir em Brasília, em que os manifestantes estarão em locais a apenas 3 km de distância.

6. Quais as principais preocupações em relação aos atos? Além do teor claramente golpista das declarações do presidente e da possibilidade de embates entre manifestantes, a politização da PM é vista como um dos principais riscos para o 7 de setembro.

Caravanas rumo a Brasília com a participação de policiais militares de outros estados e o clima tenso na relação entre parte das tropas e governos estaduais de oposição a Bolsonaro estão no centro das preocupações.

A questão ganhou corpo em São Paulo após um ex-policial e um comandante da ativa terem convocado colegas para os atos.

Governos estaduais monitoram possíveis atos de indisciplina, mas publicamente afirmam que não há clima para preocupação. Em São Paulo, o coronel da ativa Aleksander Toaldo Lacerda foi suspenso após ter feito convocação para os atos.

Enquanto isso, promotores da Justiça Militar e até juízes têm se movimentado para coibir a presença de PMs da ativa nos atos, reiterando leis e regimentos que impedem manifestações de caráter político-partidário.

Alvos dos manifestantes bolsonaristas, o Congresso e o STF cobraram do governo do Distrito Federal reforço no esquema de segurança. O Parlamento pediu inclusive que fosse adotada a mesma tática das posses presidenciais, o PRTI (Protocolo de Reação Tática Integrada).

7. Qual foi a reação ao pedido de impeachment contra Moraes e aos chamados para o 7 de setembro? Bolsonaro apresentou ao Senado o pedido de impeachment em 20 de agosto. Além da destituição do cargo, Bolsonaro pediu o afastamento do ministro de funções públicas por oito anos.

A acusação teve como foco a atuação do ministro no inquérito das fake news, no qual Bolsonaro foi incluído por ataques ao sistema eleitoral. Segundo Bolsonaro, os atos praticados pelo ministro "transbordam os limites republicanos aceitáveis” e Moraes não “tem a indispensável imparcialidade para o julgamento dos atos” do presidente da República.

No dia da apresentação, o STF divulgou nota oficial em que "manifesta total confiança" no ministro, diferentes instituições e dez partidos políticos repudiaram a medida.

Dias depois, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), rejeitou o pedido de impeachment, apontando falta de embasamento jurídico. Além disso, destacou que a rejeição poderia ser uma oportunidade para o restabelecimento das "boas relações entre os Poderes".

Na última quinta-feira (2), após encontro com governadores, Pacheco disse que “não se negocia a democracia”. Já o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que Bolsonaro sabe que é o único a perder se por acaso houver tumulto na manifestação.

Na mesma data, o presidente do STF, Luiz Fux, afirmou que a “liberdade de expressão não abrange violência e ameaça” e que a corte estará “vigilante” no feriado da Independência, pela manutenção da plenitude democrática.

Além disso, um artigo publicado pelo ministro Ricardo Lewandowski na Folha, foi visto por ministros do corte e integrantes da cúpula do Congresso como o mais claro recado a Bolsonaro, ao dar concretude às estratégias que o Judiciário pode adotar caso o chefe do Executivo resolva partir para uma ruptura institucional.

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​8. Qual o papel das Forças Armadas nesta crise? O papel dos militares nas ameaças golpistas de Bolsonaro não é um tema novo, já que o presidente vem se referindo às Forças como "meu Exército".

Diante da pandemia, o chefe do Executivo por diversas vezes fez discursos ameaçando baixar um decreto e fazendo inclusive menção a um estado de sítio.

​O último episódio foi o desfile de veículos militares na Praça dos Três Poderes em 10 de agosto, mesmo dia da votação pela Câmara da PEC do voto impresso.

Interpretado como uma tentativa de demonstração de força do presidente no momento em que aparece acuado e em baixa nas pesquisas, o desfile foi alvo de uma série de críticas do meio político, sendo visto como mais uma tentativa do Planalto de pressionar outros Poderes e de buscar a politização das Forças Armadas.

O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou na última segunda-feira (30) que as manifestações de 7 de Setembro não buscam uma ruptura institucional.

9. Quais são os fatores que deixam Bolsonaro politicamente acuado neste momento? Bolsonaro vem assistindo nos últimos meses a uma sequência de movimentos políticos e judiciais com potencial para acuá-lo. No aspecto eleitoral, sua pré-candidatura à reeleição sofreu um baque com a reabilitação de Lula, que passou a liderar as pesquisas de intenção de voto para 2022.​

Ao mesmo tempo, seu governo virou alvo da CPI da Covid, no Senado, com investigações que buscam responsabilizar o Executivo pelos erros na gestão da pandemia e na compra de vacinas.

Bolsonaro também foi criticado pela reação do governo na economia, diante do impacto trazido pela pandemia.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu poder e espaço, passou a sofrer cobranças mais incisivas do empresariado e viu sua agenda de reformas e privatizações travar no Congresso.

As previsões para o cenário econômico mostram uma corrosão do otimismo alardeado com a retomada pós-pandemia, em meio a índices crescentes de inflação e recuo do PIB.

Em julho, segundo pesquisa Datafolha, a reprovação a Bolsonaro bateu novo recorde: 51% dos brasileiros avaliam o governo como ruim ou péssimo. Já a avaliação positiva do presidente, que havia atingido seu pior nível em março (24%), permaneceu estável.

Setores da oposição passaram também a organizar protestos de rua com abrangência nacional e internacional, a partir de maio, que tiveram adesão significativa e criaram um novo fato político, demonstrando insatisfação de parcelas da sociedade com a atual gestão.

Em uma tentativa de sobreviver a um eventual pedido de impeachment, diante dos mais de cem protocolados na Câmara (inclusive um superpedido, assinado por partidos da oposição e ex-bolsonaristas), o presidente ampliou o espaço do centrão no Planalto.

Levou o senador Ciro Nogueira (PP-PI) para chefiar a Casa Civil e turbinou o relacionamento com parlamentares do bloco fisiológico de partidos, principalmente com emendas e cargos. A guinada sepultou o discurso da campanha eleitoral de 2018 contra o "toma lá, dá cá".

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