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Política

Entrevista: 'Governadores têm ferramentas para manter disciplina na PM’, diz Paulo Hartung, que enfrentou motim em 2017

Hoje fora da carreira política, economista defende ação para conter politização e vê cenário difícil para Bolsonaro em 2022
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, em entrevista coletiva Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo / 8-2-2017
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, em entrevista coletiva Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo / 8-2-2017

RIO - À frente do governo do Espírito Santo durante o motim da Polícia Militar que durou 21 dias em 2017, o economista Paulo Hartung lidou com o desgaste político ao defender punições e se posicionar contra a anistia, concedida posteriormente. Fora de funções públicas desde que o mandato se encerrou, ele vê a politização das PMs ganhar força no debate nacional e, em entrevista ao GLOBO, avalia que os governadores precisam atuar para conter casos de insubordinação nas tropas, diante da adesão de policiais ao ato em apoio ao presidente Jair Bolsonaro. A omissão, segundo ele, é um erro que deve ser evitado.

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Como avalia este momento, em que há preocupação com a politização das tropas?

Os governadores, que são comandantes das polícias militares, têm as ferramentas necessárias para gerir as polícias militares. Gerir da forma correta, com uma instituição que é tão importante cumprindo a sua missão. O que minha experiência mostra é que o pior erro é a omissão, pensar no curto prazo.

É preciso punir a insubordinação?

A anistia a PMs que fizeram motins, por exemplo, é um erro. Os fundamentos nas polícias militares são hierarquia e disciplina. A lei brasileira e o julgado do Supremo apontam que funcionário público que usa arma não tem direito a greves, motins e paralisações. O conselho que dou aos governadores é não se omitir e exercer de maneira democrática a liderança responsável. Os governadores são os comandantes das polícias militares e têm ferramentas para manter a hierarquia e a disciplina. Isso é bom para os estados, para o país, para as polícias militares e também para seus membros, porque isso forma a imagem positiva da corporação.

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O senhor tem feito uma série de postagens em que afirma que “a democracia não se negocia”. A democracia brasileira está sob risco no governo Bolsonaro?

A democracia está sob risco, e nós, brasileiros, precisamos ter consciência disso. Precisamos ter consciência de que não deveríamos trazer de volta uma coisa que já deu errado. Isso vale para modelos de governo e para a política econômica. A gente precisa parar de repetir os mesmos erros. A democracia é o melhor caminho. Precisamos defender a democracia e, inclusive, mostrar o trauma que é uma ruptura institucional, que desorganiza a vida social do país. Temos uma agenda densa para enfrentar. Não podemos ir para um descaminho que vai aprofundar nossos problemas.

A resposta das instituições é adequada ao risco que o país vive?

A melhor reação no momento é da sociedade civil e da imprensa brasileira. Já as instituições têm altos e baixos, acertos e erros. Até para defender as instituições democráticas, elas precisam aperfeiçoar sua atuação. O que nós precisamos hoje é mobilizar a sociedade civil na defesa da democracia e acordar a classe política, que fica muitas vezes olhando para o lado e acha que o problema é do Supremo (Tribunal Federal). Não, o problema é do país. É preciso colocar as instituições para reagir com equilíbrio e cautela, montar o que chamo de um muro de contenção para proteger as instituições democráticas, garantir o resultado da eleição e seguir o curso. Seguir o curso não é ignorar os defeitos institucionais, mas olhar para eles e aperfeiçoá-los.

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Bolsonaro enfrenta um revés na sua popularidade, com a pandemia, crise hídrica e inflação em alta. Há espaço para ele recuperar apoio ou a tendência é o agravamento da sua impopularidade?

Se a gente quiser diagnosticar por que o governo está perdendo popularidade, alguns elementos saltam aos olhos. O primeiro é a condução errática do governo na pandemia, o que gera desgaste permanente. A outra parte do problema é que foi um equívoco antecipar o debate eleitoral. Essa antecipação desorganiza a estrutura econômica do atual governo. Temos a inflação, que está na vida das pessoas e mexe no ponteiro de aceitação e rejeição do governo. Há também o câmbio: nós atravessamos uma valorização de commodities, passamos a vender nossos produtos valorizados. Quando isso ocorre, geralmente, nossa moeda se valoriza. Mas desta vez isso não aconteceu, porque temos problemas internos na condução da economia. Isso também tem efeito no dia a dia das pessoas, quando você vai colocar gasolina no carro e o preço muda a cada semana, já que o valor é sensível ao dólar. Agora, esse avião que está caindo tem motor para arremeter? A impressão que tenho é que não. É uma sequência de decisões erradas que vêm sendo tomadas.

Bolsonaro mantém um grupo fiel de apoiadores. Isso não fortalece a candidatura para 2022?

Tem relevância, mas volto a dizer que é um governo que está perdendo apoio da sociedade. A cada pesquisa você vê que esse fato se repete. Claro que numa disputa eleitoral você não subestima ninguém, muito menos quem está com uma máquina de governo. Agora, se você olhar o quadro que tínhamos há seis meses, ele parecia fechado. Já não é mais. Lá atrás, quando se falava em candidaturas alternativas, parecia uma coisa sonhática. Não é mais, há tempo e espaço para montar alternativas a Bolsonaro e ao ex-presidente Lula, que discutam, tenham relevância. É evidente que ainda é preciso achar um nome.

O senhor tem defendido que há espaço para uma terceira via. O que falta para esse nome decolar?

Tem espaço político, tempo, pretendentes... O que vai fazer com que alguém se destaque é a capacidade de se comunicar com a população brasileira. É a capacidade de falar: “Olha, você que está incomodado com a inflação, tenho caminho para isso”, ou “você que está desempregado, tenho uma proposta que retomará a geração de empregos”. O país tem um programa de transferência de renda. Dá pra fazer um programa melhor sem esculhambar com as contas públicas? É preciso um candidato que mostre isso, que consiga reorganizar as políticas sociais no Brasil, alguém que fale ao coração dos brasileiros. É isso que vai fazer a diferença. Um candidato para ficar de pé precisa ter um fio terra com a sociedade. Tem que conversar com essa imensidão que é o Brasil e essa maravilhosa diversidade.