Cultura

Orçamento Federal da Cultura cai à metade em dez anos

Verba de R$ 3,3 bilhões em 2011 encolheu para R$ 1,7 bilhão em 2021 e deve ser ainda menor no ano que vem; críticos apontam estratégia deliberada do governo para sufocar setor
Biblioteca Nacional perdeu 46% do orçamento em dez anos. Entidade diz que ações não foram prejudicadas e que empenho menor em 2020 se deve à pandemia Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Biblioteca Nacional perdeu 46% do orçamento em dez anos. Entidade diz que ações não foram prejudicadas e que empenho menor em 2020 se deve à pandemia Foto: Ana Branco / Agência O Globo

A Cultura brasileira viu seus recursos minguarem na última década. O orçamento federal disponível para políticas culturais recuou 46,8% entre 2011 e 2021. Há dez anos, o extinto Ministério da Cultura tinha à disposição R$ 3,33 bilhões. Neste ano, o valor autorizado é de R$ 1,77 bilhão.

Os dados são do Siga Brasil, plataforma de informações orçamentárias mantida pelo Senado Federal, em levantamento feito pelo GLOBO. No governo de Jair Bolsonaro, a Cultura perdeu status de ministério e se tornou uma secretaria especial dentro da pasta do Turismo.

O valor autorizado corresponde ao aprovado na Lei Orçamentária Anual mais os créditos adicionais liberados via emenda parlamentar ao longo do ano. Em 2020, o orçamento disponibilizado para a Cultura foi de R$ 1,94 bilhão — um recuo de 41,8% ante 2011.

Além da queda no orçamento autorizado , o uso dos recursos também diminuiu. O total empenhado — ou seja, que o governo se comprometeu a gastar através de contratos — caiu 44,7% entre 2011 e 2020. No ano passado, 30% da verba disponível não foi utilizada. Em 2021, faltando quatro meses para acabar o ano, apenas 36,5% tinha sido empenhado.

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Para o sociólogo e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Frederico Barbosa da Silva, o baixo empenho desde o ano passado pode ser explicado pelo fato de o setor cultural estar ainda sob o forte impacto da pandemia, que impôs o fechamento dos espaços e o cancelamento de eventos culturais, mas também pode fazer parte de uma estratégia política:

— A tendência é gastar apenas o suficiente para manter a máquina funcionando, como uma estratégia deliberada do governo para minimizar o papel do Estado na Cultura — opina.

Museu Nacional de Belas Artes é administrado pelo Ibram, que viu seu orçamento encolher mais de 47% em dez anos Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Museu Nacional de Belas Artes é administrado pelo Ibram, que viu seu orçamento encolher mais de 47% em dez anos Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Amarras e desafios

O coordenador de Museus da Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj), Douglas Fasolato, considera a baixa execução mais grave do que a redução no orçamento. Ele explica que, quando os recursos não são usados em um ano, a tendência é que, no seguinte, a previsão orçamentária para a área seja ainda menor.

— Precisamos melhorar a execução orçamentária. São tantas amarras e desafios, entre prazos, planejamento, burocracias, dificuldades jurídicas e de pessoal, que hoje não se consegue gastar a verba disponível.

Ele elenca outro efeito negativo da baixa execução:

— Isso faz com que, proporcionalmente, as despesas obrigatórias ganhem mais peso e sobre menos para investimentos.

Do total empenhado em 2021, 73% corresponde a gastos de administração geral, sendo a maior fatia para o pagamento de funcionários. Só 11% foi para a difusão cultural, segundo dados do Portal da Transparência.

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Para 2022, o orçamento previsto para Cultura pelo governo é ainda menor, de R$ 1,6 bilhão, segundo projeto de lei enviado ao Congresso na semana passada.

— A situação é muito séria. Se trata de uma desativação da Cultura promovida de maneira articulada e planejada pelo governo federal. O patrimônio cultural brasileiro está sob risco e não só por uma questão orçamentária, mas por uma guerra ideológica — afirma a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.

No ano passado, a Lei Aldir Blanc (LAB) aprovou a liberação de R$ 3 bilhões para auxílio emergencial ao setor cultural. Segundo levantamento mais recente, divulgado pela Secretaria Especial da Cultura (Secult) em maio, R$ 2,88 bilhões foram repassados para estados e municípios. Os recursos da Aldir Blanc, no entanto, não compensam as perdas no orçamento federal da Cultura, afirma Barbosa da Silva, do Ipea:

— Os recursos foram para estados e municípios e não compensam as perdas para as políticas federais. Nos estados e municípios, podem fortalecer políticas locais ou substituir fontes de recursos locais. Na prática, é um novo desenho federativo com recursos da União, mas sem a intenção de coordenação de um sistema.

Procurados, Secult e Ministério do Turismo não se manifestaram sobre o levantamento até o fechamento desta reportagem.