Cultura

Com acervo sob risco, Funarte enfrenta corte de mais de R$ 100 milhões no orçamento em uma década

Recursos autorizados para todas as autarquias responsáveis por tocar as políticas culturais do país diminuíram nos últimos dez anos; corte foi proporcionalmente maior na Funarte
Prédio no centro do Rio de Janeiro que abriga acervo documental da Funarte, interditado em agosto por problemas estruturais Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Prédio no centro do Rio de Janeiro que abriga acervo documental da Funarte, interditado em agosto por problemas estruturais Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Todos os órgãos federais que executam as políticas nacionais de cultura perderam verbas na última década. A mais impactada é a Funarte , responsável pelo fomento às artes visuais, à música, à dança, ao teatro e ao circo. A entidade viu seu orçamento cair de R$ 219,4 milhões em 2011 para R$ 95,05 milhões neste ano, uma queda de 56,7%, segundo dados do Siga Brasil.

Chama a atenção a redução nos recursos para ações de promoção e fomento: de R$ 78,3 milhões em 2011 para R$ 18,7 milhões (queda de 76%) em 2021. Até agosto, apenas R$ 900 mil do autorizado tinham sido empenhados.

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A maior preocupação dos servidores da Funarte atualmente diz respeito ao acervo do órgão. A coleção de mais de um milhão de relíquias da arte brasileira, incluindo o arquivo pessoal de nomes como Fernanda Montenegro, está abrigada num edifício no Centro do Rio , interditado no mês passado em função de graves problemas estruturais. A diretoria do órgão já afirmou que os itens serão retirados do local, mas servidores temem perdas com a transferência feita às pressas.

— Esse acervo hoje está abrigado num prédio que não é adequado e que estava sem manutenção desde 2019, o que acaba sendo um reflexo do orçamento limitado — afirma Maria Emília Nascimento, presidente da Associação de Servidores da Funarte (Asserte).

A verba para ações de preservação dos acervos do órgão em 2021 é de R$ 1,5 bilhão, mas até agosto nada havia sido empenhado ou pago. Os R$ 85,7 mil gastos até então eram de restos a pagar de anos anteriores.

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Outros cortes

Com o maior o orçamento do setor, o Iphan viu sua verba cair 56,6% em dez anos, para R$ 257,4 milhões em 2021, incluindo gastos obrigatórios e discricionários.

A Fundação Cultural Palmares perdeu 55,4% do orçamento e tem R$ 21,9 milhões para 2021. Já o Ibram dispõe de R$ 134,7 milhões para executar a Política Nacional de Museus, 47,6% a menos do que em 2011. A Biblioteca Nacional perdeu 45,9% dos recursos e atua com R$ 77,7 milhões e a Casa de Rui Barbosa tem R$ 31,1 milhões autorizados para este ano, 42,2% a menos do que há dez anos.

Com corte de 27%, a Ancine tem R$ 137,4 milhões para 2021, dos quais R$ 105,4 milhões foram empenhados até agosto. O setor também conta com recursos do Fundo Setorial Audiovisual (FSA), que são vinculados. Ou seja, não podem ser usados para outros fins, exceto os 30% que podem ser redirecionados via DRU (Desvinculação de Receitas da União). A estimativa é que, apesar disso, a verba não utilizada do FSA em 2019 e 2020 some R$ 1,3 bilhão, afirma Frederico Barbosa, do Ipea. Segundo dados do Siga Brasil, nenhum novo pagamento é feito pelo fundo desde 2019. Os valores desembolsados desde então se referem a restos a pagar de anos anteriores.

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Todas as entidades foram procuradas pelo GLOBO. A Funarte confirmou que teve seu orçamento cortado e que, por isso, reduziu os empenhos, com maior impacto para as ações de fomento. Apesar disso, diz que “tem feito esforços para manter seus editais e o funcionamento da entidade, cumprindo seus objetivos institucionais”. Além disso, afirma ter à disposição R$ 1,1 milhão para preservação do acervo, que será empenhado até o fim do ano.

A Ancine afirma que vem cortando gastos administrativos, mas que as suas ações não foram prejudicadas. Em nota, informa que houve economia de R$ 8,6 milhões em 2020 referente a gastos discricionários (aqueles que não são obrigatórios). Diz ainda que o empenho referente à administração da unidade reduziu de forma linear nos últimos anos e que o fomento do setor audiovisual hoje vem majoritariamente do FSA. O fundo, diz a Ancine, tinha um descompasso financeiro que foi corrigido pela atual gestão. Segundo a nota, em 2021 foram realizadas 397 contratações no montante de R$ 320 milhões pelo FSA.

A Biblioteca Nacional informou, em nota, que não deixou de realizar nenhum de seus programas em razão de falta de recursos e que o valor empenhado em 2020 foi menor “em razão da pandemia”. A entidade ressalta que, em 2014, o departamento que realizava ações em toda a rede de bibliotecas públicas do país foi transferido para a Secretaria da Cultura, o que impactou o seu orçamento.

O Ibram informou que faz a gestão de 30 museus, e 14 deles estão em obras no momento. A entidade citou ao menos quatro reformas financiadas com recursos do Fundo de Direitos Difusos, do Ministério da Justiça. Além disso, diz que tem atuado no redirecionamento das despesas para otimizar o uso do orçamento. Palmares, Iphan e Casa de Rui Barbosa não responderam.