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Pessoas com fobia por agulhas são contingente considerável de não vacinados contra a Covid-19; veja como contornar o medo

Especialistas dão como incluir distrações no momento da agulhada, a exemplo de um carinho de um ente querido, vídeos no celular, e até exercícios musculares para evitar desmaios
Vacinação no Rio de Janeiro Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Vacinação no Rio de Janeiro Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

Eles confiam na vacina. Eles querem a vacina. Mas milhões de americanos que desmaiam ou ficam nervosos ao ver uma agulha hospitalar estão arriscando contrair a Covid-19 em vez de tomar suas doses.

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Ainda que a maioria das mortes por coronavírus ocorram entre os não vacinados — e outros tantos americanos se preparam para receber a dose de reforço —, os fóbicos de agulhas resistem. Eles costumam ser os primeiros a dizer que todo esse pavor não faz sentido, afinal de contas, as injeções são rápidas e geralmente pouco dolorosas. Mas as memórias traumáticas superam as incertezas da Covid.

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— “Irracional" é a palavra perfeita para isso —, diz Jocie Konoske, 29, dona de casa de Portland, Oregon, nos EUA, que, por causa de um problema dentário de infância, sempre evitou exames de sangue, vacinas de reforço ou contra a gripe e, agora, a vacina contra a Covid. “Se eu conseguisse tomar a vacina, acredite em mim, o teria feito assim que possível".

Contingente de não vacinados nos EUA

Mais de oito meses depois que os imunizantes contra a Covid ganharam a aprovação para o uso emergencial, cerca de 100 milhões de americanos elegíveis permanecem não vacinados. Esse contingente costuma citar condições médicas, efeitos colaterais, reações alérgicas, fertilidade, ceticismo quanto ao perigo do vírus ou teorias da conspiração.

É impossível dizer quantos deles estão resistentes por causa do medo de agulha. Mas cerca de 66 milhões de americanos podem sofrer com um medo de agulhas tão grave que arriscam atrasar a conquista da imunidade coletiva, de acordo com uma pesquisa publicada em abril pelo National Institutes of Health.

Um estudo da Universidade de Oxford, na Inglaterra, de junho, descobriu que 10% dos cidadãos do Reino Unido que recusam as injeções de Covid podem ter fobia. Na Índia, um estudo de 2014 concluiu que até 4% da população daquele país sofria do transtorno.

A maior referência dos EUA sobre transtornos mentais reconhece a fobia de agulhas como uma condição que interfere na vida diária. Mesmo sedativos orais, como Valium, Ativan e Xanax, podem não conseguir reprimir o terror da injeção, diz Rick Novak, um anestesiologista de Palo Alto, na Califórnia.

Muitos pacientes afirmam que as vacinas infantis causaram dor ou citam uma experiência ruim. Alguns têm uma predisposição hereditária à síncope vasovagal, uma queda na frequência cardíaca e na pressão arterial provocada pela ansiedade, o que leva ao desmaio.

— Eu literalmente luto contra. Sou uma mulher de 1,62m, mas você não faz ideia do quão forte eu fico —, disse Eylem Alper, 46 anos, gerente de projeto de Boston, que nunca sentiu nenhum tipo de agulha desde a infância, quando sua resistência era driblada por meia dúzia de adultos: — Claro que não quero ficar doente, mas as fobias não têm qualquer tipo de lógica.

Alper disse que tomaria a imunização contra a Covid-19 por meio de spray nasal, que os imunologistas suspeitam que até poderia oferecer melhor proteção do que as injeções, porque é introduzido por meio de membranas mucosas, assim como faz o vírus. Mas esse spray ainda está sendo desenvolvido.

A imunização infantil tem o poder de salvar vidas, evitando até 3 milhões de mortes por ano em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Nos EUA, aqueles que sofreram casos raros de reações adversas após a vacinação podem recorrer ao National Vaccine Injury Compensation Program.

Mas o potencial de reação não é a questão central para aqueles com medo de injeção, chamada de fobia de lesão por agulha de sangue no "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais", uma referência nos EUA. Ele define a ansiedade como “desproporcional ao perigo real” e causadora de “sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo” na vida cotidiana.

Às vezes, a ansiedade vai além das agulhas.

— Isso estabelece um ciclo em que qualquer coisa médica é assustadora, e eles passam a evitar médicos como um todo —, disse Robert Chernoff, psicólogo do Cedars-Sinai Medical Center, em Los Angeles: — Seu cérebro diz: Perigo! E aí você sente isso não apenas emocionalmente, mas fisicamente.

Apresentadora americana fez discurso honesto na TV

Alguns que finalmente deixaram de lado seu medo disseram ter sido inspirados por Rachel Maddow, apresentadora do canal de TV americano MSNBC que, durante uma transmissão em abril, falou sobre como ela mesma havia feito isso:

— É normal sentir-se relutante, ansioso ou assustado, e não querer tomar a vacina. Não há motivo para se envergonhar. Mas sinta o medo, e vá em frente mesmo assim. Só vá. Porque, acima de tudo, (vacinar-se) não é só por você. É para evitar que você pegue o vírus e depois o transmita.

Ao mesmo tempo, cerca de 35% dos americanos não vacinados dizem que provavelmente não vão tomar as vacinas, e 45% definitivamente não vão, de acordo com uma pesquisa de julho conduzida pela Associated Press e o NORC Center for Public Affairs Research.

Hilary White, 73, professora da linguagem dos sinais de Corvallis, no Oregon, ficou traumatizada por vacinações infantis repetidas e desnecessárias — uma reação de sua mãe ao perder seus próprios irmãos devido a doenças infecciosas.

Enquanto a Covid-19 varria o país, White agendou sua vacinação em um posto sem aglomeração e pediu para um amigo apoiá-la. O plano funcionou para ambas as doses de Moderna, mas as notícias sobre a recomendação de uma dose de reforço está minando sua disposição para uma terceira injeção.

— Na TV, eles usam palavras como 'espetar a agulha', e isso realmente me deixa angustiada — diz White, que confessa: — Daí eu vejo alguém tomando uma injeção, e todo o meu corpo fica fraco.

Novak, o anestesiologista, disse por e-mail que, para aqueles que dão injeções em fóbicos, "a alternativa mais provável de sucesso é ser honesto e gentil, ou seja, explicar que a injeção durará apenas um segundo e que nada adverso acontecerá".

— Distração é útil, seja por um ente querido fazendo contato visual e segurando sua mão, ou uma tela de vídeo ou videogame passando no momento — sugere Novak.

Exercícios musculares podem evitar desmaios

A longo prazo, os terapeutas ensinam a técnica da tensão aplicada, uma série de exercícios musculares de aumento da pressão arterial de 15 segundos que evitam desmaios, de acordo com Katherine Dahlsgaard, psicóloga da Filadélfia.

— Estou treinando:‘ Tenso, tenso, tenso! Aperte, aperte, aperte! Agora, volte para o ponto morto'!' — diz Dahlsgaard, antes de completar: — O que quero dizer às pessoas que temem a vacina da Covid é: você pode tentar fazer isso sozinho.

Aqueles que reuniram essa coragem dizem que a vacinação contra Covid foi um dos seus momentos de maior orgulho.

Para Desiree Shannon, 60, advogada aposentada de Columbus, Ohio, a ansiedade começou meio século atrás, com uma vacina contra a gripe que a deixou, segundo ela, "incapaz de ficar sentada por uma semana". Ainda assim, ela se cadastrou para tomar uma injeção contra a Covid em uma clínica de atendimento de urgência, mas acabou indo embora sem a vacina.

Na tentativa seguinte, uma amiga veio confortá-la e, após uma hora de negociações com uma enfermeira, ela disse que concordou com a sugestão de uma picada surpresa.

— Eles me pegaram pela tangente, se aproximaram de mim e deram a vacina —, lembra Shannon: — O que posso dizer é que senti uma sensação de queimação no meu braço. Na segunda vez, fui sozinha. Eu ainda estava com medo.

Mas ela tomou a vacina com medo mesmo.