Cultura

Exonerado por Mario Frias, ex-secretário diz que atual gestão da Cultura tem 'delírio de caça às bruxas'

Mauricio Waissman diz que errou ao abraçar teses de Olavo de Carvalho e afirma que posicionamentos em redes sociais estigmatizam trabalhadores do setor
O ex-secretário de Desenvolvimento Cultural, Mauricio Waissman Foto: Reprodução
O ex-secretário de Desenvolvimento Cultural, Mauricio Waissman Foto: Reprodução

BRASÍLIA — Exonerado nesta terça-feira da Secretaria de Cultura, o ex-secretário de Desenvolvimento Cultural, Mauricio Noblat Waissman, afirmou ao GLOBO que o órgão hoje é comandado pelo que chama de "olavismo cultural". O artista plástico, que já ocupou cargos na secretaria desde 2019, admite que que se aproximou dos chamados olavistas mas agora deseja fazer um mea culpa.

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— Quem ocupa cargo público de gestão não pode perder energia e tempo em “tretas factoides” em redes sociais — disse ao GLOBO.

Na pasta, Waissman era responsável por políticas culturais principalmente para a população mais carente. Consegui dentro da Secretaria Nacional de Desenvolvimento Cultural alterar o nome para Pracinhas da Cultura em homenagem ao Pracinhas da Segunda Guerra Mundial.

Waissman chegou à secretaria junto com Mario Frias e indicou André Porciuncula, que hoje é considerado por integrantes do órgão como homem forte do setor, dando o tom das políticas. O GLOBO apurou que a exoneração de Waissman foi articulada por Porciuncula, mas o ex-secretário, apesar das críticas ao ex-aliado, diz que não acredita nisso.

O que se diz sobre a Secretaria de Cultura é que existe um excesso de atuação ideológica dentro da Secult. Isso é verdade?

Eu sou um artista, sou artista plástico. Sou servidor público também, mas sou artista plástico e era uma voz dissonante dentro dessa visão. Enxergo o setor cultural como uma oportunidade de geração de empregos. Meu projeto era implementar uma visão propositiva e  não uma visão de ficar em combates contraproducentes, criando polêmicas o tempo todo para gerar factoides, num eterno delírio de caça às bruxas, exatamente no momento histórico em que mais se precisava enfrentar os impactos da maior crise sanitária na economia e cadeia econômica da Cultura . Em termos de resultados concretos, numa gestão que busque realizar de fato, se tornou incompatível o projeto e visão que eu tinha se impor.

O que exatamente o senhor quer dizer com combates contraproducentes?

Quem ocupa cargo público de gestão não pode perder energia e tempo em “tretas factoides” em redes sociais. Quem está num cargo público e está envolvido em uma discussão a cada dois dias e tem um volume de tuítes e postagens diárias enorme acaba se tornando uma régua para que o público seja capaz de diferenciar a realidade da fantasia. O dia só tem 24 horas. A meu ver, isso é uma verdadeira mamata.

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O senhor foi classificado como olavista quando chegou à Secult. Isso era verdade?

A quem me pergunte sobre o porquê agora mudei de percepção quanto ao chamado olavismo cultural, se é que existe tal conceito, a resposta é que fui lendo, relendo, vendo autores que foram inseridos por ele no repertório nacional. Daí fui fazendo associações, vendo documentários com outras abordagens, ligando os pontos e vi que não tenho nada a ver com aquelas ideias. Foram inseridos retalhos de ideias e autores sem fazer referência ao contexto histórico e se criou um revisionismo histórico, que, se bem pesquisado, muitos verão como é importante entender tais nuances. Ideias geram consequências. Eis a responsabilidade em aprofundar muito antes de abraça-las.

E o que diria para quem afirma que isso pode ser uma tentativa de se afastar dessa ideologia após sair do governo?

Porque as pessoas erram.  As pessoas às vezes são enganadas. Tem que ser firme e ter coragem para assumir quando se erra. Só assim crescemos e melhoramos como pessoas. Eu estou assumindo publicamente meu erro em ter visto algo em certas ideias que hoje tenho convicção não terem nada a ver comigo. Um erro de crença. Erro de ter abraçado ideias que hoje não vejo consistência alguma. Se alguém me questionar isso: é um mea culpa, uma desculpa. Melhor tarde do que nunca. Você morde um gatilho de alguma ideia que mexe com algo em um momento particular e daí se abraça a um conjunto de ideias às quais você não tem nada a ver. Estou falando especificamente de ideias, que fique bem claro. Abracei tais ideias naquele período por falta de prudência e hoje me dei conta de não serem algo que desejo que faça parte de minha vida. Não estou fazendo para sair bem na fita com quem quer que seja, é uma questão de eu poder olhar para mim mesmo e de minha consciência.

O senhor acompanhou esse momento por dentro, qual avaliação faz desse movimento, principalmente com o uso de redes sociais e desinformação?

Eu fico muito triste em ver gerações de jovens, de 18 a 25 anos, que irão acordar daqui a alguns anos e vber que  perderam uma etapa essencial de suas vidas, etapa necessária a se profissionalizar e daí  perderam cinco, seis, dez anos de vida só em redes sociais e em cima de factoides, polêmicas políticas, como se o mundo fosse acabar amanhã. Pessoas lucram de várias formas em alimentar medo coletivo nas redes sociais.

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Como é a rotina de trabalho dentro da Secult?

Os servidores concursados da Secult e MTur são fantásticos, profissionais super competentes, capazes, comprometidos. Os servidores concursados nos Ministérios também são pessoas extremamente competentes. Essa ideia de olavismo cultural baseada na paranoia de que todo mundo é comunista, em todo lugar, de caçar comunista até debaixo da cama, essa percepção paranoica de complô full time não gera nada de positivo, além de ser motivo de piada. É um absurdo tais ideias paranoides em torno de conspirações. Servidores competentes, que conquistaram seu ganha-pão se esforçando através do concurso público e super técnicos.

Existe perseguição ideológica aos proponentes de projetos da Lei Rouanet?

Não posso opinar sobre qualquer ato dentro da gestão de outro Secretário Nacional. Nunca invadi a área de atuação de outros gestores.

Mas não existe uma visão de se estigmatizar o setor cultural como adversário político?

Creio que este é o grande ponto a ser debatido. Primeiramente, devemos ser claros que no passado mecanismos e leis de cultura, em casos muito específicos, tiveram mau uso. Os casos foram pontuais, não um padrão como é colocado para o público, gerando uma atmosfera de caça às buxas que se retroalimenta numa caça sem fim.

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Existe toda uma campanha contra esse tipo de programa.

O que posso dizer é que, no aspecto das ideias e imaginário, pelo que é jogado nas redes sociais, o trabalhador do setor cultural ficou estigmatizado, quase criminalizado como um “caçador de mamata”, como se não fosse um trabalhador de verdade, literalmente se desumanizou o artista e o trabalhador da cultura para certo segmento de público. Meu ponto aqui é que, quando se gera continuamente a ideia de que categoria é composta de pessoas voltadas apenas para parasitar o Estado, o que se está fazendo é desumanizar tal categoria de pessoas. O bordão “acabou a mamata” simboliza isso: o desumanizar todos os artistas e profissionais da cadeia produtiva da cultura como se fossem sanguessugas dos cofres públicos.

O secretário Mario Frias e o seu principal auxiliar, André Porciuncula, têm se colocado contrários à distribuição da Lei Rouanet e outras leis de incentivo no Congresso, como a a Lei Paulo Gustavo.

Quem aprova leis é o Congresso. Depois de aprovado terá que ser cumprida, como qualquer lei. A vida real funciona assim. Não cabe mais comentários sobre o tema da minha parte.

Sua saída pode ser atribuída ao secretario Porciuncula?

Afirmar tal coisa seria leviano. Realmente não creio. Minha única crítica a ele é sobre seu estilo de escrita de posts. É uma espécie de  parnasianismo com retórica civilizacional ufanista bem cafona.

( Colaborou Nelson Gobbi )