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Covid-19 ultrapassa mortes por infarto, diabetes e pneumonia em 2020

Coronavírus ceifou 194.976 vidas até 31 de dezembro, segundo o consórcio de imprensa, o que representa 12,5% das vítimas do ano passado. Número é 6,7 vezes maior que o de óbitos por armamentos
Agentes funerários removem caixão de idoso morto pela Covid-19, em Manaus, Amazonas, em maio de 2020. Foto: MICHAEL DANTAS / AFP
Agentes funerários removem caixão de idoso morto pela Covid-19, em Manaus, Amazonas, em maio de 2020. Foto: MICHAEL DANTAS / AFP

BRASÍLIA — Não há doença mais mortal na história recente brasileira que a Covid-19. Levantamento do GLOBO, com base em dados do DataSUS, mostra que o número supera os óbitos provocados por infarto, diabetes (não especificada) e pneumonia (por micro-organismo não especificado). Juntas, três das doenças mais mortais do país vitimaram 190.242 pessoas ao longo do ano passado. Segundo o consórcio da imprensa, do qual o GLOBO faz parte, 194,9 mil brasileiros morreram no ano passado em decorrência da Covid.

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A Covid-19 não está consta entre as causas de mortes do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), dentro do DataSUS. A doença, contudo, aparece entre os óbitos causados por "vírus não especificados" na ferramenta, vinculada ao Ministério da Saúde. Segundo especialistas, médicos foram orientados a utilizar tal classificação para incluir as vítimas de Covid-19.

Covid-19 matou mais que infartou, diabetes e pneumonia em 2020 Foto: DataSUS
Covid-19 matou mais que infartou, diabetes e pneumonia em 2020 Foto: DataSUS

Foi assim que uma classificação que não ultrapassava 250 vítimas por anos desde 2016 chegou a 210.369 mortes em 2020. A diferença entre os números do DataSUS e do consórcio da imprensa, por sua vez, pode ser atribuída a outros vírus. A projeção, contudo, é que o coronavírus assuma um protagonismo ainda maior até o fim de 2021:

— Neste ano, deve chegar praticamente a um terço do total de mortes. Com 400 mil mortes (a mais no total em 2021), vai ficar em um terço do total de mortes. A Covid-19 terá sido responsável, no final deste ano, por quase 50% no número de mortes — prevê o médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Claudio Maierovitch.

E ainda: Brasil tem menor média de casos desde maio de 2020, mostra consórcio de imprensa

Ao todo, foram 1.552.740 mortes ao longo de 2020, o que representa 202.939 vítimas a mais em relação a 2019. Só no ano passado, é como se toda a população de Goiânia tivesse deixado de existir. Do total, a Covid-19 representou 12,5% dos óbitos. Em seguida, vêm infarto (5,7%), diabetes (3,5%) e pneumonia (2,9%).

Nessa esteira, a enfermeira e epidemiologista Ethel Maciel pondera que é mais difícil controlar uma doença crônica, de múltiplas causas, do que uma infecciosa, a qual se pode mitigar ao reduzir a transmissão:

— A Covid-19 é a doença infecciosa mais mortal da pandemia, ocupou o lugar que era da tuberculose. É um impacto grande quando a gente considera que a doença infecciosa mata mais que a doença crônica que mais mata — afirma a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que conclui: — Quando você tem uma doença infecciosa que causa mais mortes que as crônicas, já é muito grave.

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A elevada taxa se deve ao descontrole da pandemia num cenário de ausência de vacinas e de adesão a medidas não farmacológicas — máscara, distanciamento social e ventilação de ambientes — aquém do necessário. Já as outras três doenças representaram as maiores causas de mortes de 2016 a 2019 enquanto a categoria de doenças virais acumulou 430 óbitos no período. Se considerado só o ano anterior à pandemia, há 60 vítimas fatais.

Na série histórica de cinco anos, as mortes por infarto e diabetes se mantiveram em relativa estabilidade. Já os óbitos por pneumonia caíram 35,6% no período.

Estatísticas da Covid são subnotificadas

De acordo com o levantamento, a Covid-19 também matou 6,72 vezes mais que disparos por arma de fogo e outros armamentos, que acumularam 28.977 óbitos em 2020. Há, ainda, um agravante: a pasta notificou a primeira morte por coronavírus em 12 de março, um dia após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar que a doença passou de epidemia para pandemia. Enquanto isso, as demais causas têm registros em todos os meses do ano.

Especialistas avaliam que, apesar dos números alarmantes, as estatísticas que envolvem a pandemia são subnotificadas, sobretudo no Brasil, que não tem programa de testagem em massa.

— Já se sabe que boa parte das pessoas volta a ser internada nos 60 dias seguintes por várias causas: cardíacas, neurológicas e a própria Covid... E uma parte delas morre também. Então, existe um número que não é conhecido de pessoas que podem ter morrido por outras causas, mas que tem relação com adoecimento prévio por Covid — pondera Maierovitch.

Além das mortes por dano colateral da Covid-19 — pessoas que não receberam atendimento para outras devido à sobrecarga hospitalar, por exemplo —, esses números também podem incluir sequelas da doença:

— Parte desses óbitos que ocorreram dessas outras causas também decorreram do contexto que a gente chama de sindemia (neologismo que une sinergia e pandemia). São as outras consequências que a pandemia nos traz — afirma o professor de Saúde Coletiva e coordenador da Sala de Situação de Saúde da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant.

Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Saúde não se manifestou até a conclusão desta reportagem.