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CPI convoca ex de Bolsonaro para explicar relação com suposto lobista

Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

15/09/2021 15h36Atualizada em 15/09/2021 19h33

A CPI da Covid aprovou hoje a convocação de Ana Cristina Valle, uma das ex-mulheres do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), para que preste depoimento sobre indícios de relação dela com o suposto lobista Marconny Albernaz de Faria.

Marconny foi ouvido em oitiva hoje pelos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito. Ele negou ter negócios com Ana Cristina e disse conhecê-la por meio de Jair Renan, filho dela com Bolsonaro. No entanto, os parlamentares afirmam ter em mãos troca de mensagens que apontam suposta atuação dela a pedido de Marconny.

"Mensagens eletrônicas extraídas de aparelho celular, em posse desta Comissão Parlamentar de Inquérito, indicam que, a pedido do lobista Marconny Faria, a senhora Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do atual presidente da República, entrou em contato com o Palácio do Planalto para exercer influência no processo de escolha do Defensor Público-Geral Federal junto ao então ministro da Secretaria Geral da Presidência e atual ministro do TCU, Jorge Oliveira", diz trecho do requerimento de convocação de Ana Cristina, apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

O senador afirma que as mensagens fazem parte de material sob sigilo enviado pelo Ministério Público Federal no Pará obtidas em investigação sobre o desvio de recursos públicos em órgão ligado à pasta da Saúde.

Questionado se Ana Cristina interveio em favor dele para mudanças ou indicações de cargos no governo federal, Marconny optou por ficar em silêncio sobre o assunto, amparado em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Para Alessandro Vieira, a "relação próxima [de Marconny] com a ex-esposa do senhor Jair Bolsonaro deve ser amplamente esclarecida, com vistas a examinar potencial atuação ilícita de ambos no contexto da pandemia".

Inicialmente, não havia previsão de que o requerimento de convocação de Ana Cristina fosse votado hoje. Porém, ao longo do depoimento de Marconny, o assunto voltou à tona e parte dos senadores aceitou pautá-lo, sob protesto do governista Marcos Rogério (DEM-RO).

O senador Humberto Costa (PT-PE) não se colocou contra a convocação de Ana Cristina no momento da votação. Porém, após a reunião, disse não ter certeza se ela tem vínculos diretos com suspeitas de irregularidades que a CPI da Covid investiga. O senador ainda disse que a aprovação de uma convocação não se reflete já em uma data certa de depoimento.

Marconny afirmou ter conhecido Ana Cristina por meio do filho dela e de Bolsonaro, Jair Renan. "O Jair [Renan], como já tinha falado, eu conheci por amigos em comum, logo que ele chegou a Brasília [há cerca de dois anos]", disse Marconny. O suposto lobista afirmou que ajudou Jair Renan a "criar uma empresa de influencer" e o apresentou a um colega tributarista que poderia auxiliá-lo.

Marconny ainda confirmou ter comparecido ao aniversário de Jair Renan em um camarote em Brasília, durante a pandemia. A comemoração ocorreu no Estádio Nacional Mané Garrincha.

Lobista da Precisa

Marconny Faria é tido por senadores da CPI como lobista da Precisa Medicamentos, empresa que intermediou negociação da compra da vacina indiana Covaxin com o Ministério da Saúde. Após denúncias de uma série de supostas irregularidades, o contrato acabou cancelado pelo governo federal.

Mensagens em posse da CPI também apontam que Marconny supostamente teria participação em eventual esquema de corrupção para favorecer a Precisa Medicamentos em processo de compra de testes de detecção de covid-19 pelo Ministério da Saúde, com citações a uma pessoa indicada como "Bob", quem os senadores acreditam se tratar de Roberto Dias, ex-diretor de logística da pasta.

Ana Cristina trabalha com deputada e vive em mansão

Atualmente, Ana Cristina Siqueira Valle trabalha no gabinete da deputada federal Celina Leão (PP-DF), com salário bruto de R$ 8.116,08 mais auxílio de quase R$ 1 mil.

O ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e ex-funcionário de Ana Cristina, Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, contou que no período em que foi funcionário do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) era obrigado a devolver mensalmente 80% de seu salário —mecanismo conhecido como rachadinha. De acordo com Nogueira, ele precisava entregar esses valores em dinheiro vivo nas mãos de Ana Cristina. Isso ocorreu todos os meses ao longo de mais de quatro anos, disse.

Conforme mostrado pelo UOL, Ana Cristina e Jair Renan moram em uma mansão de R$ 3,2 milhões no Lago Sul, área nobre de Brasília. De acordo com Nogueira, o imóvel foi comprado por Ana Cristina, que se utilizou de laranjas para ocultar a aquisição.

O senador Alessandro Vieira declarou hoje que, em princípio, ambos não têm renda compatível para morarem em um local assim.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.