Atos contra Bolsonaro misturam direita e esquerda rachadas, sem fazer frente ao 7 de Setembro

Manifestação por impeachment teve presidenciáveis como Ciro, Doria e Mandetta; sem PT, adesão também fica aquém de protestos anteriores da oposição

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São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Rio de Janeiro

Cinco dias depois dos atos de raiz golpista encabeçados por Jair Bolsonaro no 7 de Setembro, manifestantes foram às ruas de ao menos 18 capitais e em Brasília neste domingo (12) para pressionar pelo impeachment do presidente.

Os protestos, convocados pelo MBL (Movimento Brasil Livre) e pelo VPR (Vem Pra Rua), tiveram adesões na oposição para além da direita, reuniram presidenciáveis que tentam ser a terceira via para 2022, mas não fizeram frente à mobilização bolsonarista no feriado da Independência nem a atos anteriores liderados pela esquerda.

As manifestações atraíram alguns partidos e líderes de esquerda, mas com distanciamento do PT de Lula e resistência de setores que não queriam se unir a grupos que deram impulso ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Ato pede pede pela saída do Bolsonaro na avenida Paulista, no dia em que o Brasil completa 500 mil mortos pelo coronavírus, em 19 de junho. /////// Manifestação em apoio ao presidente Jair Messias Bolsonaro, na avenida Paulista, no dia 7 de setembro. ///// Ato contra Bolsonaro, organizado pelo MBL e Vem Pra Rua, na avenida Paulista, no dia 12 de setembro - Bruno Santos/ Folhapress

Estiveram na avenida Paulista nomes cotados para a disputa ao Planalto em 2022, como Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania). O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), participou em Porto Alegre.

Em São Paulo, principal termômetro no país, a avenida Paulista teve à tarde diferentes concentrações, cujos públicos reunidos seriam suficientes para ocupar em torno de três quarteirões. No 7 de Setembro, houve perto de 11, semelhante à estimativa de atos da esquerda em junho.

A Secretaria de Segurança Pública estimou cerca de 6.000 manifestantes, contra 125 mil no ato bolsonarista no feriado da Independência e 15 mil na manifestação da esquerda no mesmo dia no vale do Anhangabaú.

Em São Paulo, dividiram palco nomes de linhas ideológicas distintas, como Isa Penna (PSOL), Tabata Amaral (sem partido), Orlando Silva (PC do B-SP), Joice Hasselmann (PSL) e Arthur do Val Mamãe Falei (Patriota).

O líder do MBL e deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) procurou ressaltar a união de diferentes grupos e chegou a dizer que quando via alguém de laranja não sabia se era do partido Novo ou da Força Sindical.

Os movimentos ensaiaram nos últimos dias um recuo no mote "Nem Lula nem Bolsonaro", como forma de atrair setores da esquerda e focar a pressão pelo impeachment do atual presidente.

Houve divergências, porém, e a mensagem acabou sendo utilizada por participantes —ao lado do carro de som, um pixuleco com Bolsonaro (usando uma camisa de força) ao lado de Lula (vestido de presidiário) era emblemático.

Manifestantes levantam placas pedindo o ex-juiz Sergio Moro para presidente, elogiando "heróis da Lava Jato".

O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) disse que a adesão da esquerda seria importante para o ato, mas que os cartazes de "nem Lula nem Bolsonaro" atrapalharam a união da oposição.

"Seria interessante se juntar porque todo mundo tem um inimigo em comum que é o Bolsonaro", disse.

Pela manhã, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, São Luís, Vitória e Manaus também tiveram protestos com baixa adesão.

No Rio, apesar do mote "Nem Lula nem Bolsonaro", lido nas camisas do Vem pra Rua, não houve consenso entre manifestantes sobre a condenação à Lula, cujo rosto era visto em camisas à venda por ambulantes na orla.

Em discurso, o secretário municipal de Governo e Integridade Pública do Rio e deputado federal licenciado Marcelo Calero (Cidadania-RJ) recusou a comparação.

"Não me venham com falsa simetria. Eu não aceito dizer que o governo do PT foi igual. É mentira. Estivemos em campos opostos, mas todos jogaram a bola da democracia", disse. "Nós não aceitamos esses fascistas, nós não aceitamos esses neo-nazistas", afirmou.

Os protestos deste domingo foram anunciados em 8 de julho, quando setores da oposição a Bolsonaro na esquerda já haviam organizado três grandes mobilizações. Os atos, que já chegaram a cinco desde maio, são feitos pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro, que reúne partidos, movimentos e centrais sindicais.

As justificativas de MBL e VPR para não se juntarem às iniciativas do fórum, que é predominantemente de esquerda, foram as restrições impostas pela pandemia de Covid-19 e o baixo percentual de vacinados àquela altura, mas também pesaram divergências políticas e ideológicas.

O tom radical de Bolsonaro e seguidores visto nas ruas na terça, em meio à escalada da retórica golpista com ameaças ao STF, acelerou a aglutinação em torno da manifestação deste domingo, com o diagnóstico de forças políticas sobre a necessidade de uma resposta.

O MBL mencionou como inspiração, ao longo da semana, a pluralidade da campanha das Diretas Já, no fim da ditadura militar (1964-1985), quando antagonistas dividiram palanque em nome da luta por eleições diretas para presidente da República no Brasil.

A lista de partidos engajados na convocação cresceu. Inicialmente referendado pelo Novo e por alas do PSL, o ato passou a ser apoiado também por siglas como PDT, PSB, PC do B, Cidadania, PV e Rede, setores do PSDB e do Solidariedade e membros de legendas como MDB, DEM, PL, Avante e PSOL.

As cúpulas de PT e PSOL, hoje empenhadas na pré-campanha de Lula ao Planalto, decidiram não convocar para a data sob a alegação de que não participaram da construção desde o início, mas tampouco vetaram a presença de filiados.

A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), que já foi alvo de fake news do MBL no passado, foi ao ato na Paulista dizendo ser "o momento de furar todas as nossas bolhas e construir uma superbolha, a bolha do impeachment".

"Hoje considero que eles [MBL] estão no campo democrático, até porque apanharam muito", afirmou sobre os ex-defensores de Bolsonaro que se voltaram contra o presidente. "Sei que não são mais aquele grupo que flerta com o fascismo."

Penna, que apareceu com um broche da vereadora Marielle Franco, colega de partido assassinada em 2018, diz que um outro deputado do PSOL chegou a ameaçar apresentar uma sanção contra ela na Assembleia Legislativa paulista.

"Estou aqui para fazer um gesto ousado, coisas impossíveis vão se tornar possíveis", disse sobre sua presença numa manifestação que tenta se viabilizar como uma Diretas Já, unificando campos ideológicos contra Bolsonaro.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que "ninguém vetou ninguém", ao se referir à ausência do PT e de Lula nos atos. Segundo o parlamentar, a recusa do partido do ex-presidente em aderir ao protesto é sintomática.

O PT disse que irá se engajar nos próximos atos com outras forças políticas, previstos para 2 de outubro e 15 de novembro. Em carta, porém, a sigla afirmou saudar "todas as manifestações Fora Bolsonaro".

Os discursos golpistas de Bolsonaro na terça aumentaram a pressão de diversos setores pelo impeachment do presidente.

Siglas como o PSD e o PSDB anunciaram a intenção de debater a adesão ao movimento pró-impeachment. Aliado a isso, essas e outras siglas foram chamadas a dialogar com a esquerda, para a tentativa de uma ação conjunta.

Bolsonaro passou os últimos dois meses com seguidos ataques ao STF e xingamentos a alguns de seus ministros como estratégia para convocar seus apoiadores para o 7 de Setembro, quando repetiu as agressões e fez uma série de ameaças à corte e a seus integrantes. No feriado da Independência, ele disse que não cumpriria mais ordens de Moraes.

Os principais alvos de Bolsonaro sempre foram Moraes e Luís Roberto Barroso. No 7 de Setembro, porém, buscou também emparedar o presidente do STF, ministro Luiz Fux.

"Ou o chefe desse Poder enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos", disse Bolsonaro.

No dia seguinte, Fux rebateu em discurso duro, dizendo que a ameaça de descumprir decisões judiciais de Moraes, se confirmada, configura "crime de responsabilidade".

Na quinta (9), porém, Bolsonaro fez uma mudança de tom, em nota redigida com auxílio do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Depois dos seguidos ataques, disse que não teve "nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes" e atribuiu palavras "contudentes" anteriores ao "calor do momento".

"Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar", afirmou.

A nota desagradou bolsonaristas que foram insuflados para a manifestação de 7 de Setembro, mas foi vista apenas como retórica por assessores do presidente, visando acalmar os ânimos.

Embora a situação de Bolsonaro tenha sofrido uma deterioração depois de terça, ele goza de um cenário confortável na Câmara dos Deputados graças à aliança política com o centrão. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), vem barrando a apreciação dos mais de cem pedidos de afastamento.

Mesmo com a tímida inclinação da centro-direita a engrossar a pressão pelo impeachment, ainda seria necessária a adesão de pelo menos um dos grandes partidos do centrão para reunir, formalmente, os 342 votos necessários (dois terços do total) para que a Câmara autorize a abertura do processo.

As legendas independentes na Câmara têm 187 deputados. A oposição tem 132, o que dá um total de 319 parlamentares. Soma-se a esse grupo cerca de 20 parlamentares do PSL que ficaram alinhados ao presidente da sigla, Luciano Bivar (PE), no racha que levou à saída de Bolsonaro do partido.

Ou seja, mesmo que não houvesse nenhuma dissidência nesse grupo, faltariam ainda três votos para se chegar aos 342 necessários.

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