Foram 550 números, 22 edições internacionais e milhares e milhares de páginas de charges, tirinhas e piadas em geral. Mas, depois de 67 anos, a revista Mad , que se tornou um ícone do humor mundial, anunciou o fim da publicação de novo conteúdo. A notícia entristeceu fãs de quadrinhos em todo o mundo, mas como resumiu o comediante e dublador dos Simpsons Harry Shearer, “uma instituição americana fechou. Quem quer viver uma instituição?”.
Certamente não a Mad , que foi fundada por Harvey Kurtzman em 1952 para revolucionar o humor americano, não poupando nada nem ninguém de seus desenhos e caricaturas ácidos e senso de humor subversivo. Ao longo de suas décadas, ela influenciou dezenas de quadrinistas pelo mundo, mudou o formato do humor impresso e até criou um ícone pop: Alfred E. Neuman, seu mascote de sorriso debochado, figura carimbada em todas as capas da revistas e que trazia sempre o bordão “Quem? Eu, me preocupar?”. Esse, inclusive, é um bom resumo da postura da revista que passou por poucas e boas ao longo de sua publicação.
Para Dorinho Bastos, cartunista e professor do curso de Publicidade na USP, era essa veia satírica que fez a cabeça dos jovens ao longo de décadas: “Era uma revista mais escrachada. A Mad não era tão ideológica, mas era forte na crítica de costumes e da cultura popular. Foi um marco”.
O nascimento da Mad é, em si, uma anedota que mostra o improviso e irreverência como marca maior da publicação. Seu criador, Harvey Kurtzman, escrevia gibis para a editora Entertaining Comics, onde era pago por volume de conteúdo entregue.
Fascinado por histórias de guerra, Kurtzman vivia a duras penas com o salário recebido pelo par de revistas que assinava, ambas trabalhosas e fruto de uma pesquisa meticulosa. Isso até receber uma proposta de seu publisher, Max Gaines. O objetivo era pensar e pesquisar menos, e daí a oferta: “Por que você não faz uma revista de humor?”.
Desde o início, a Mad de Harvey Kurtzman contou com a colaboração de ícones da banda desenhada, como Wally Wood, Will Elder e Jack Davis, mas precisou mudar de formato ainda na infância. Para driblar o draconiano Comics Code Authority, um órgão de censura vigente nos Estados Unidos durante os anos 50, o editor transformou a hq em revista. Dali para a frente, nada mais foi o mesmo.
“Foi criado um novo tipo de revista que teve 1.000 imitações. Era voltada principalmente para adolescentes. E esse jeitão de fazer a revista, tirando sarro da cultura pop, fez sucesso”, conta Ota, cartunista que comandou a edição brasileira da Mad por muitas décadas.
Chegando ao auge de circulação de 2 milhões de cópias em 1974, já sob a batuta de Al Feldstein, que comandou a revista em seus anos de ouro, a Mad marcou época na imprensa internacional por fazer críticas ácidas em todos os campos da vida pública. Não importava se era o presidente dos EUA ou a maior estrela de Hollywood, o Batman ou Jon Snow: ninguém escapava do deboche da revista.
A postura combativa, porém, não se limitava às figuras públicas. Ao longo de suas muitas décadas de história, a Mad se tornou famosa pelo trabalho autoral de seu estrelado time de colaboradores. Cartunistas como Al Jaffee, Don Martin — conhecido como o “artista mais louco da Mad” —, Sergio Aragonés, criador de clássicos como “Groo, o Errante”, e Antonio Prohías, mente por trás da série “Spy vs Spy”.
Apesar do impacto profundo que causou na cultura pop mundial, a revista que chegou a virar série de tv não vivia seus melhores anos. Isso fica claro ao olhar para um episódio recente: O presidente dos EUA, Donald Trump, chamou Pete Buttigieg, um dos candidatos à primária do partido democrata, de Alfred E. Neuman. A resposta de Pete? “Não conheço Neuman. Tive de procurar no Google”.
As razões são muitas para a baixa na popularidade. Desde a crise de vendagens das revistas em geral, até a dificuldade do corpo editorial da Mad de se adaptar à internet e ao senso de humor das novas gerações. O resultado, porém, é bastante claro: pela primeira vez em mais de seis décadas, não haverá mais quadrinhos novos da revista mais escrachada do planeta.
SUCESSO NO BRASIL
Por aqui, a história da Mad começou em 1974. Lançada pela editora Vecchi, a revista passaria por diversas casas, entre idas e vindas, até que cessasse de vez suas atividades em 2016. A última capa tirava sarro das então iminentes Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Em boa parte das quatro décadas em que esteve em circulação no Brasil, a Mad contou com a participação de Ota, fosse como cartunista ou editor, que relatou a história da filial tupiniquim da revista: “Outras editoras já haviam tido o direito dela na mão, mas achavam que não ia pegar por aqui. Consideravam um humor muito americano. Mas a Vecchi tentou, e foi um sucesso”. No auge, a tiragem chegou a alcançar os 200 mil exemplares por edição, até se estabilizar em 150 mil.
A revista durou até o começo dos anos 80, quando a editora foi à falência. Não demorou muito, porém, para que a Record assumisse a publicação e relançasse a Mad no Brasil, em 1984. E o sucesso voltou, mantendo o mesmo patamar até o final dos anos 90, quando a revista despencou em vendas e chegou a rodar com apenas 8 mil exemplares.
“Outras coisas apareceram, jogos e VHS, por exemplo. Além disso, as famílias foram ficando menores, e o leitor da faixa-etária da Mad parou de ter interesse na revista”, explicou Ota, que hoje faz quadrinhos autorais, inclusive de sessões clássicas da revista como o “Relatório Ota”. Na virada do milênio, a Record também abriu mão da revista, que ainda viria a ser editada pela Mythos e pela Panini, onde ficaria até seu fim.
A Mad verde e amarela, porém, não era apenas uma cópia da revista americana. Por aqui, quase metade do conteúdo impresso era produzido por cartunistas locais, boa parte das vezes brincando com referências culturais e costumes bem brasileiros.
“A gente precisava, porque tinha filmes e séries que não passavam por aqui. E nós tínhamos novelas, por exemplo. Então a gente zoava com o presidente da vez e fenômenos e celebridades locais. Até porque o material americano não era suficiente, já que lá a revista só era publicada oito vezes por ano”, contou Ota.
A influência da Mad no Brasil não foi pouca, marcando uma geração de leitores e futuros cartunistas. Como destaca Dorinho Bastos, a revista é parte da tradição do humor em quadrinhos brasileiro, assim como Pasquim, Casseta Popular e Planeta Diário . Para o professor da USP, os dois últimos sendo inclusive influenciados pela própria Mad. Não surpreende, portanto, que os humoristas do Casseta & Planeta tenham prestado uma homenagem ao fim da revista em uma rede social, dizendo: “A Mad foi e sempre será um ícone do humor ácido e politicamente incorreto, revelando inúmeros cartunistas, redatores, humoristas”.
ELENCO ESTELAR
Boa parte do sucesso da Mad está associado, claro, a sua postura iconoclasta e contestadora. Mas não fazia mal à vendagem o fato de que a revista contou com alguns dos mais importantes cartunistas do século passado em suas páginas. Relembre cinco desses artistas que marcaram época:
- Al Jaffee — Uma lenda viva, Al Jaffee contribuiu com a Mad por 64 de seus 98 anos de vida. Indissociável da história da revista, o cartunista fez milhares de colaborações na publicação. Dentre todas elas, porém, a mais famosa é provavelmente a secção que comandava, a “Dobradinha Mad ”.
- Don Martin — Conhecido como o “artista mais louco da Mad ”, Don Martin tinha um estilo marcante e uma paixão por onomatopeias.
- Sergio Aragonés - O espanhol Aragonés, chamado de o “cartunista mais rápido do mundo” é uma máquina de criatividade e desenho. Em uma estimativa de 2002, ele teria feito mais de 12 mil colaborações para a Mad. O certo e que Aragonés criou uma série de personagens marcantes, como “Groo, o Errante”.
- Antonio Prohías - Outro falante do castelhano, o cubano Prohías trabalhou por décadas na revista. Mas, sem dúvida, é mais famoso por ter criado a tira "Spy vs Spy". Nela, dois espiões disputam uma eterna batalha de sabotagem mútua, sempre com resultados humorísticos.
- Mort Drucker - Outro bastião da Mad , Drucker tem um estilo mais realista que os demais citados. Isso não o impediu de se tornar uma lenda com suas caricaturas e sátiras de personalidades da televisão e cinema.